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Racismo, gênero e trauma: A Madalena em todos nós

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Imagem: divulgação/reprodução

Por Vanessa Rodrigues

Me reconheço muito em Madalena. Assim como ela, aos nove anos comecei a trabalhar em “casa de família”. Me lembro da minha “patroa” dizendo para a vizinha, que era melhor ter uma menina “novinha para fazer os trabalhos de casa, porque conseguia abaixar para ver a sujeira”.

Em uma outra ocasião, fui defender o  garoto que eu cuidava, enfrentando o tio que queria espancá-lo. Ele me bateu com o cinto nas costas. Ainda posso sentir a marca na pele.  Nessa mesma família, ganhei uma joia da avó da minha “patroa”. Eu era muito solícita e sempre a ajudava dando banho, carinho e afeto à velhinha. A filha da dona da casa, me tomou a joia, dizendo que eu não a usaria e, me deu em troca uma tornozeleira de latão, quebrada.

Um pouco mais velha, acredito que com uns 12 anos, comecei a trabalhar na casa da professora branca do meu irmão. O marido dela era um jornalista e comentarista político de esquerda bastante conhecido na cidade. Ela me recebeu dizendo que eu seria como filha na casa. Mas com pouco tempo, começou a dizer que eu não era limpa, jogar as panelas que eu lavava no quintal e me obrigar a limpar o coco do cachorro dela e dividindo com ele também o arroz amanhecido e o resto de caldo de carne.

Uma vez, sem conseguir dormir, fui à biblioteca da casa e me servi de alguns livros. Fiquei lendo quase a noite toda, porque não conseguia descansar. Era difícil em um chão forrado apenas com um acolchoado fino. Sempre fui muito magra, sinto muito frio. Acabei perdendo a hora de chamar o garoto, filho da “patroa” pela manhã. Ela gritou comigo por ter pego os livros, perdido a hora. Disse que não me pagava para ler. Eu ganhava algo como um terço de salário por mês. 

Ah, antes que eu me esqueça, eu não fui abandonada com nenhuma dessas famílias. Não fui privada de ir à escola. Mas mesmo contando esses episódios abusivos à minha família, eles não me davam crédito. O resultado disso é que fui cada vez mais normalizando os maus tratos. Os abusos de todas as maneiras, internalizando meu lugar de subalterna. Foram mais de vinte anos de vida e quinze de terapia, para que eu entendesse o tamanho da negligência, do que sofri, simplesmente porque era garota negra, mesmo sendo excepcionalmente inteligente. 

Eu me reconheço em Grada. Assim como ela, fui convidada inúmeras vezes a fazer parte de passeios com pessoas brancas, para que eu pudesse conhecer a praia e “ajudá-las um pouco” com o cuidado da casa e das crianças. Um certo dia, quando eu estava no mestrado voltando para casa e andando pelas ruas da Unicamp, fui abordada por uma moça branca. Ela me indagou sobre uma oferta de trabalho doméstico. Primeiro, se eu conhecia alguém. Depois, se eu mesma não queria me encarregar das tarefas. Quando eu disse que não, ela não se conteve e precisou me perguntar, porque eu não queria a vaga: “Trabalho está difícil, moça”. Eu respondi que tinha bolsa de mestrado. E que neste momento estava dedicada a minha pesquisa.

Percebem? Existe um pressuposto onde todas as meninas pretas se vinculam com o lugar do servir. Madalena em Salvador, eu em Campinas e Grada na Europa. Sobre nós recai o pressuposto do “racismo genderizado” (Kilomba, 2020) onde é perversamente óbvio entender que uma garota negra, naturalmente trabalha para uma família branca. Madalena foi escravizada, eu trabalhei e sofri abusos na infância por parte de um salário e Grada recebeu uma proposta, a qual ela pode negar. O tamanho da irracionalidade dos agentes nestas ações é diretamente proporcional, tanto à intensidade da cor da pele, quanto ao grau de reparação das políticas públicas, tempo em que ocorrem e as relações étnicas. 

É sobre isso também que se trata. Mesmo com todo o contato com o mundo externo, com os livros, televisão e alguns professores salvadores, minha vida até bem pouco tempo beirava a ideia de inferno. Minha auto-estima foi estraçalhada e aceitei parceiros abusivos por toda a minha adolescência. Tinha vergonha de sair na rua e imaginava que o mundo era mais bonito quando eu ficava em casa, porque na minha fantasia, eu destoava de tudo que era belo. Desta maneira, era um grande favor quando eu me mantinha trancada em casa. Minha sorte foram os livros, minha amiga Dedé, e depois a terapia.

Acredito que eu entenda verdadeiramente o que sentiu e sente Madalena. O racismo nos faz sentir indignos. Menos humanos, deslegitimados e invisíveis. Diminui nossa potência, racha com a nossa inteligência e te faz sentir menor o tempo todo. Abrão Slavutzky, na apresentação do livro de Isildinha B. Nogueira – “ A Cor do Inconsciente” – consegue resumir bravamente como a branquitude nos vê:

“Ser negro não é uma condição genérica, é uma condição específica, é um elemento marcado, não neutro. O ‘ser negro’ corresponde a uma categoria incluída no código social que expressa dentro de um campo étnico-semântico onde o significante ‘cor negra’ encerra vários significados. O signo ‘negro’ remete não só a posições sociais inferiores mas também a características biológicas supostamente aquém do valor daquelas propriedades atribuídas aos brancos.” (Slavutzky, 2021)

O racismo é uma espécie de trauma, que abala a pessoa em seu equilíbrio narcísico. E é certo dizer que, quando tratamos de narcisismo, estamos dizendo do individual. Mas como uma espécie de paradoxo, essa ruptura é parte de um efeito patológico geral, instaurado no inconsciente coletivo da sociedade, impedindo uma integração das pessoas negras e brancas em um mesmo humano enquanto sujeito universal.  Por isso que dizer que ser negro é estar mais longe do que é humano, se conecta com um pressuposto de que a universalidade e pureza é vinculado a bancura, e consequentemente à branquitude.

Grada Kilomba se torna uma artista, psicanalista reconhecida depois dos abusos que viveu. Eu, provavelmente, se tivesse nascido na mesma época de Madalena, teria o mesmo fim. Como ela, existem muitas. O mito da Democracia Racial, nos obriga a lidar com os racismos cotidianos no âmbito individual, ao mesmo tempo que somos silenciados no coletivo, rotulados como vitimistas ou vitimizados.

A aparente equidade nas relações raciais acabam por criar uma ruptura psíquica que sobrepõe a nossa capacidade de abstração e simbolização no mundo. Isso ocorre porque não existe tal equidade, sobretudo nas camadas sociais vinculadas a um poder. Em sendo o racismo uma maneira de violência, quando uma pessoa negra é atravessada por essa energia, nem sempre é possível elaborar abstrata e simbolicamente essa violência. Toda a vez que a ação racista é repetida,  o conceito toma cada vez mais contornos traumáticos, de maneira cumulativa, agindo em nível de emergência traumática de raça. 

Me recordo ao terminar “Memórias da Plantação” e conhecer todos os relatos de Grada na escola, na universidade, com os amigos e na rua, o sentimento de identificação. Do outro lado do mundo uma menina sofreu racismos parecidos com os meus. Estou aqui escrevendo. Luto contra este fato. Madalena não pode. Ela está inserida com maior profundidade nesse fenômeno  desencadeado pela desumanização, o descaso e o sofrimento psíquico fomentado pela escravização, privação, maus-tratos e o racismo. 

Madalena sofre uma angústia que é da ordem do medo, da aniquilação.  Essa angústia tem a ver com os ataques que nós, enquanto pessoas negras, sofremos repetidas vezes, de maneiras cada vez mais sofisticadas e atualizadas. Esses ataques se referem, no limite, à destruição da nossa existência. Para ela, materializou-se no terror de tocar as pessoas brancas. Ao mesmo tempo, ela não quer  “contaminá-las”, com sua negritude,  tem medo de ser aniquilada pela brancura . É uma ideia introjetada pelo sofrimento de que existe nela uma suposta inferioridade negra  e uma superioridade branca.  Nesse lugar são os brancos é que dizem que são os negros e não os negros que dizem quem são os brancos. O poder está centralizado na brancura. Essa montagem é perversa e está ancorada em uma aversão ao próprio ser humano pela racialização como um lugar de inferioridade.

Entendam: brancura não é uma categoria neutra. Negritude não é uma categoria menos humana. A diferença entre as duas se dá na dialética social do poder. Enquanto a branquitude ocupa lugares de controle e opressão, a negritude, em virtude da perversidade do racismo, precisa ainda se consolidar socialmente enquanto identidade do humano. Desta maneira, o racismo é patológico no branco, pois se configura como uma situação neurótica que contém um enigma perverso de uma situação pulsional. Percebem?

Quando o primeiro europeu nomeia de “negro” uma pessoa africana em condição de escravizado, ele delimita uma hierarquia que o marca como menos humano, menos evoluido. Essa categorização perversa se mantém até hoje, sobretudo no Brasil, escondido sob o véu da democracia racial um ideal de igualdade que na verdade serve apenas para silenciar abusos cometidos. Madalena se via inferior. Não porque deseja, mas sim, porque não pode desejar. Impossibilitada de gritar sua dor. Impedida de se expressar em toda a sua humanidade. Espero que assim como eu pude me reestruturar e entender que sou como sou: Mulher Negra, humana e capaz, Madalena possa se libertar como resistência de corpo, alma e espírito para o mundo que a feriu, introjetando-o como potência que ela certamente é! Somos juntas, somos força em nossas histórias. Somos Madalena. Somos Grada. Sou Vanessa.

Toda criança espera ser acolhida em suas necessidades, amada e integrada na sua familia como objeto de amor e cuidado. Quando isso não ocorre, acontece uma ruptura traumática que transforma o Ego – como projeção do Eu no mundo – em algo fragmentado, desumanizado, desmoronando o equilibrio narcísico

Costumo dizer, que quando um bebê nasce,esperamos que  ele seja  pura potência psíquica. Que ele possa ser vontade em direção a realidade, onde consiga realizar suas melhores fantasias e desejos. E é para isso que tentamos trabalhar: a plena realização das características especiais de cada um dentro dos contornos sociais que nos limitam. A psicanálise trata disso. Vou propor aqui um exercícios de entendimento para o conceito psicanalitico de ego.

Grosso modo, ele é como o Eu se representa na realidade/ materialidade. Então, quando nascemos, esse eu que ainda não sabemos que existe como parte, se comporta como um todo para se proteger. Isso significa que tudo se trata de mim: comer, dormir e ser acolhido são as grandes necessidades do bebê, esse pequeno narcísisico que só se interessa por si e pelo o que pode saciá-lo.  Aos poucos, esse narcisismo vai se dissipando, no contato amoroso com os cuidadores e nas descobertas empíricas que vão sendo realizadas a partir da generosidade e do afeto dos que amam o bebê. Esse seria um processo normativo de desenvolvimento infantil. Mas nem sempre isso ocorre desta maneira.  

Em algums casos, o equilíbrio narcísico pode se romper a partir de um sentimento de desemparo ou angústia de aniquilação. Esse trauma abala a concepção do Ego, isto é, a maneira como o indivíduo se coloca no mundo é fragmentado, desconectado com o seu Eu e sem representação para si mesmo. O caso de Madalena da  Silva ilustra esse fenomeno traumático  desencadeado pela desumanização, o descaso e o sofrimento psiquico criado pela escravização e o racismo. Madalena não se entendia como humana e igual à repórter branca que a entrevistou. O racismo produz uma espécie de trauma que abala a pessoa em seu narcisismo.

Há de se considerar que essa subalternização da existência da pessoa negra pode causar como sintoma traumático uma espécie de recuo dos espaço públicos, um desejo de anonimato, uma vontade se desaparecer, por se sentir como uma emergência de diferença não aceita, menos humana e distante do ideário branco.

Kendrick Lamar fala sobre família e relações tóxicas em seu álbum ‘Mr. Morale and The Big Steppers’

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Kendrick Lamar está de volta. O artista, classificado como um dos maiores da geração contemporânea, entrega ao mundo o álbum ‘Mr. Morale and The Big Steppers’. Através de um hip-hop consciente e inteligente, Kendrick propõe jogos introspectivos, mas pontuais sobre suas decisões políticas e concepções de mundo. Sem medo de criticar posições antivacinas e antidemocráticas, o rapper traz reflexões que se concentram em sua fase paterna, com o poder da família no centro de todo o disco.

Kendrick Lamar em ‘Mr. Morale and The Big Steppers’. Foto: Divulgação.

Estruturalmente, ‘Mr. Morale and The Big Steppers’ é dividido em dois capítulos de nove faixas, com pouco mais de uma hora de música. As letras profundas refletem o período de reclusão iniciada por Kendrick. “Passo a maior parte dos meus dias com pensamentos fugazes. Escrita. Ouvindo. E colecionando velhas cruzadores de praia. Os passeios matinais me mantêm em uma colina de silêncio“, escreveu o rapper sobre seu novo álbum. “Fico meses sem telefone. Amor, perda e tristeza perturbaram minha zona de conforto, mas os vislumbres de Deus falam através da minha música e família. Enquanto o mundo ao meu redor evolui, reflito sobre o que mais importa. A vida em que minhas palavras vão pousar em seguida”.

Com grande apoio da crítica especializada, o novo triunfo de Lamar vem sendo descrito como uma de suas declarações mais profundas, complexas e reveladoras. A abordagem em torno do disco também abre margem para a concepção de relações tóxicas, como canta o artista em ‘Mirror’: “Eu me escolhi… Todos nós somos tóxicos, mas o ganho pessoal sobre minha dor não faz sentido. Eu me escolhi, me desculpe”. Já em ‘Savior’, somos apresentados a um jogo profundo em torno da concepção de identidade. “Se você procurar seu senso de identidade em ser uma vítima, vamos dizer, coisas ruins aconteceram com você na infância. E, por isso, você desenvolve um senso de si mesmo baseado nas coisas ruins que aconteceram com você”, reflete Lamar.

Acompanhando o lançamento do disco, também foi anunciado a turnê mundial ‘The Big Steppers‘, ainda sem data de chegada no Brasil. Escute o álbum ‘Mr. Morale and The Big Steppers’ aqui.

Um de Nós Está Mentindo: Cooper Clay merece um spin off

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Imagem: reprodução

A série ”Um de Nós Está Mentindo” chegou na Netflix em outubro do ano passado, e desde então fez a cabeça do público teen. Com um roteiro que mistura Clube dos Cinco com Eu Sei O Que Vocês Fizeram No Verão Passado, a produção é uma adaptação do best seller de mesmo nome, escrito por Karen McManus.

Na trama, quatro adolescentes se veem envolvidos em um homicídio, após a misteriosa morte de um colega de sala. No entanto é em um deles que vamos focar agora: Cooper Clay (Interpretado por Chibuikem Uche). E o motivo? Apesar da série não ter um protagonista declarado entre os personagens principais, ele é o que mais se destaca, por viver um personagem LGBT fora do padrão branco de Heartstopper ou Me Chame Pelo Seu Nome, em uma história igualmente diferente com um tom de suspense e investigação.

Cooper e Kris (reprodução)

Aos 17 anos, Cooper Clay é um dos melhores atletas do ensino médio de sua escola, mas isso vem junto com um grande fardo: Por causa do preconceito do time de beisebol, ele não pode assumir sua homossexualidade e, por isso, finge um relacionamento com sua melhor amiga, Keely, a única que sabe de seu segredo. Apesar disso, ele tem um namorado com quem se encontra secretamente, Kris, um aluno da faculdade vivido pelo ator Karim Greene.

Entretanto, para os dois, ele ainda mantém um assunto em sigilo: A passagem que teve na polícia em sua antiga cidade. Na verdade esse é um mistério que demora a ser revelado até mesmo para os telespectadores, mas quando o motivo vem à tona, traz uma carga ainda mais pesada para o protagonismo de Cooper: Ele foi preso após se defender de um ataque homofóbico. Mesmo sendo vítima, precisou sair fugido pois não poderia contar para a sua família ou para a polícia o que aconteceu, já que ninguém sabia que ele era gay.

Com um tom jovem e leve, esse núcleo da serie toca em assuntos pertinentes como o machismo nos esportes, a sensibilidade do homem negro, homofobia, violência policial, questões familiares e o se assumir LGBT do jovem preto com um pai (interpretado por Alimi Ballard) que não aceita o filho como ele é. Com certeza, inclusive, esse núcleo merecia até um spin off com maior foco no relacionamento de Cooper e Kris, que sem sombra de duvidas são os personagens que mais dão abertura para uma nova produção.

E você, já assistiu o título? O que achou?

Idosa de 84 anos é resgatada de trabalho escravo no Rio de Janeiro

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Foto: Reprodução.

Uma mulher de 84 anos foi resgatada de uma situação de trabalho análoga à escravidão após 72 anos trabalhando como empregada doméstica sem receber salário para a família Matos Maia, do Rio de Janeiro. A informação é do jornalista Leonardo Sakamoto.

De acordo com dados do Ministério do Trabalho e Previdência, essa é a mais longa duração de exploração de uma pessoa em escravidão contemporânea desde que o Brasil criou o sistema de fiscalização para enfrentar esse crime em maio de 1995. Neste período, mais de 58 mil pessoas foram resgatadas pelo poder público.

Segundo a fiscalização, os pais da senhora trabalhavam em uma fazenda da família Matos Maia no interior do estado do Rio de Janeiro, e ela foi levada, aos 12 de anos de idade, para a casa da família para servidor como empregada doméstica. Após o falecimento do casal, ela continuou trabalhando para a filha deles e hoje atua como cuidadora dela, mesmo as duas tendo idades semelhantes.

Quando a fiscalização solicitou um momento para conversar a sós com a vítima, o empregador, André Matos Maia, a pegou pelo braço e disse: “você não diga que trabalhou para a minha mãe, senão você vai foder com ela”. De acordo com o auditor fiscal do trabalho, Alexandre Lyra, que coordenou a ação, os empregadores afirmaram que os serviços domésticos não eram trabalho, mas uma “colaboração voluntária no âmbito familiar”.

Segundo reportagem publicada no Uol, uma sobrinha e a irmã da vítima confirmaram a relação de emprego e contaram que a trabalhadora havia se mudado com a família para o Rio sob a esperança de estudar ainda pequena. Segundo elas, o empregador controlava visitas e telefonemas, dificultando o contato com o mundo externo.

O resgate foi coordenado pela Auditoria Fiscal do Trabalho no Rio e contou com a participação do Ministério Público do Trabalho e do Projeto Ação Integrada, que garante atendimento psicossocial. Ela está em um abrigo público sob acompanhamento desde a semana passada

13 de Maio: uma boa data pra se lembrar do dia 20 de Novembro

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Foto: Daniel Leal-Olivas/AFP

O Brasil está, desde o ano de 1500, em franco processo de amadurecimento civilizatório. E o registro dos fatos históricos tem sido, ano a ano, testemunhado, vivido e (por que não dizer?) construído pela imensa população de brasileiras e brasileiros descendentes dos muitos povos aqui chegados da África, por volta dos primeiros anos do século 16.  

Até o ano de 1888, através da côrte portuguesa (e também pelas imposições da Inglaterra, da França e da Holanda), o Brasil fez uso do contigente humano de outro continente de forma desumana, abusiva e exploratória. 

Foram mais de 350 anos de concentração de riquezas e estruturação de elites familiares que, através dos tempos, haveriam de acumular fortunas e privilégios os quais ainda são perceptíveis e socialmente desproporcionais em pleno século 21.

Não há exagero algum em propor que as bases do PIB (Produto Interno Bruto – o resumo anual das atividades econômicas do país) do Brasil, foram lançadas pelo trabalho escravizado de africanas e africanos e suas descendências, uma vez que foi o “financiamento” da mão de obra GRATUITA E SEM SALÁRIO dos povos sequestrados da África (e também temporariamente com a exploração da mão de obra dos povos nativos da terra) que permitiu ao Brasil estabelecer minimamente uma estrutura de extração e de produção agrícola, a qual veio a viabilizar o confinamento do poder oligárquico, de patrimônio e de receitas por parte das famílias quatrocentonas brasileiras de norte a sul e leste e de leste a oeste do país.

Com exceção do ciclo do Pau Brasil, cuja extração braçal foi exclusivamente protagonizada pelos povos nativos da terra, os ciclos da cana-de-açúcar, do ouro, do algodão, do café, da borracha… todos estes segmentos da história econômica do Brasil foram mantidos com o suor e o esforço físico NÃO REMUNERADO dos seres humanos sequestrados do outro lado do oceano Atlântico.

Passado mais de UM SÉCULO, os frutos daquele imenso número de africanas e africanos que desembarcaram no Brasil (e há menos de 10 gerações desde aquele dia 13 de Maio), ainda subsistimos e resistimos sob as mazelas de uma cidadania de segunda classe.

Nossas mulheres ainda são os alvos majoritários de todas as formas de violências afetivas, emotivas, físicas e não tem o reconhecido valor e a devida reparação social.  Nossa terceira idade ainda é ignorada em políticas públicas de saúde desprovidas do recorte étnico em suas formulações. A nossa comunidade Afro-LGBTQIA+ é alvo da hiper-discriminação generalizada em praticamente todos os segmentos da sociedade.  Os homens de fenótipo negro continuam sendo mortos, encarcerados e marginalizados pelo olhar excludente de quem detém o poder legal e o comando financeiro nas esferas estratégicas do país.  E nossas crianças continuam sendo segregadas e estigmatizadas nos ambientes sociais e educacionais de nossa sociedade. 

Mas os exemplos de Dandara e de Zumbi dos Palmares, entre tantas outras e tantos outros, são o nosso norte! Com todo este cenário adverso, resistimos.  Somos mais de 50% da população deste país. 

Se o projeto de civilização de quem quer almeje conduzir o Brasil for fazer deste pedaço de chão um imenso QUILOMBO democrático, desenvolvido e justo, VAI TER QUE INCLUIR o seu contigente “afro” em suas estratégias de Nação.

Sem o seu POVO PRETO feliz, com saúde, dignidade humana, emprego, reconhecimento e reparação histórica e dinheiro no bolso, a conta do Brasil NÃO FECHA!

Abolição da Escravatura:  NADA, ABSOLUTAMENTE NADA A CELEBRAR! O dia 13 de Maio, para as filhas e os filhas da África, nunca chegou à meia-noite. E o dia 14 de Maio, para nós, ainda não amanheceu. E nós NÃO VAMOS esperar outros 130 anos…

Pra nós, pretas e pretos do Brasil, todos os dias são um 20 de Novembro.

Além do 13 de maio: historiadora resgata atuação de abolicionistas negros no Brasil do século XIX

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Ana Flávia Magalhães Pinto. Foto: Webert da Cruz.


As abordagens em torno do dia 13 de maio passaram por muitas transformações ao longo do tempo no Brasil. Se durante muitos anos a data foi vista como motivo de comemoração, sendo cantada em verso e prosa, um pouco mais adiante a versão da história sobre “13 de maio não ser dia de negro” foi ganhando força.

A imagem da Princesa Isabel como uma benfeitora não mais convencia a ninguém e, assim, a abolição foi colocada como uma farsa, um projeto não concluído e que não tinha a ver com a luta das pessoas negras por liberdade naquele período. No entanto, existem hoje pesquisas historiográficas que se debruçam a revelar o papel das pessoas negras e suas realizações nas mais diversas frentes na luta abolicionista.

Uma das maiores pesquisadoras do tema no Brasil, a historiadora Ana Flávia Magalhães Pinto, professora na Universidade de Brasília e membro da Rede de Historiadores e Historiadoras Negras, explica que a percepção da “falsa abolição” tem como pano de fundo o que a população negra esperava que o fim da escravidão significaria.

“Foram vários os projetos abolicionistas que chegaram ao 13 de maio de 1888. Infelizmente, o que vingou foi um dos menos democráticos. Mesmo assim, muita gente apostava e seguiu apostando na universalização da liberdade formal como caminho para o reconhecimento e o respeito à cidadania de gente negra”, explica a professora.

No entanto, o papel do racismo como elemento fundante não permitiu que as pessoas negras em suas diversas iniciativas participassem de maneira igual na sociedade, mesmo com o fim da escravidão. “O problema é que o preconceito de cor, como se dizia, já era um elemento organizador da vida social e muitos daqueles que se firmaram no poder não concebiam a participação de todos em pé de igualdade. Isso foi traduzido em práticas sistemáticas de exclusão. O diagnóstico da desigualdade racial daí decorrente é a chave para essa leitura da falsa abolição”, detalha Ana Flávia.

As múltiplas estratégias e organizações de pessoas negras — muitas delas já livres ou libertas — empeendidas no período foram invisibilizadas das narrativas sobre escravidão e abolição no Brasil, fazendo como que a população em geral saiba muito pouco sobre as ações protagonizadas por pessoas negras para a conquista da liberdade.

Luiz Gama, Machado de Assis e José do Patrocínio: jornalistas e escritores negros abolicionistas.

“Foram tantas as atuações das pessoas negras que difícil mencionar todas as possibilidades identificadas. A formação de quilombos foi só uma dessas. Pessoas negras criaram agremiações abolicionistas para mobilizar os mais diversos espaços sociais e conquistar a alforria de escravizados; editaram jornais com o objetivo de fortalecer a causa; promoveram debates públicos, entre muitas outras “, enumera.

Ana Flávia Magalhães Pinto é autora do livro Escritos de Liberdade: literatos negros, racismo e cidadania no Brasil oitocentista, que trata da presença e atuação de homens e mulheres negras livres e letrados na sociedade brasileira da segunda metade so século XIX. Em sua pesquisa, Ana fala sobre pessoas como o jornalista José do Patrocínio, o advogado Luiz Gama, e o escritor Machado de Assis, homens negros com forte atuação nos espaços de discussão política e formação de opinião que usaram suas atuações em jornais como meio de luta e resistência.

O 13 de maio não é apenas uma data, mas uma demarcação de resistência e luta por emancipação, liberdade e igualdade.

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Foto: Divulgação

*Por Márcia Silveira porta-voz do Mover e head de Diversidade e Inclusão da L’Oréal

Após 134 anos da Abolição da Escravatura no Brasil, segue sendo necessário refletir sobre a nossa história e o quanto ainda estamos longe de termos uma sociedade livre do racismo.

Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontam que 56%dos brasileiros se declaram negros. Somos o país com mais habitantes negros e, ainda o que mais mata a nossa gente. A desigualdade racial se perpetua nos indicadores sociais da violência ao longo do tempo. Segundo informações do Atlas da Violência 2021, a chance de uma pessoa negra ser assassinada no Brasil é 2,6 vezes superior àquela de uma pessoa não negra. A taxa de homicídios por 100 mil habitantes negros no Brasil em 2019 foi de 29,2%, enquanto a da soma dos amarelos, brancos e indígenas foi de 11,2%.

Como falar de liberdade se somos encarcerados e sem perspectiva de vida? Como exaltar a falsa democracia racial enquanto o racismo atinge nossa existência em tantas instâncias?

No ambiente de trabalho isso não muda muito. Ainda há um abismo salarial que continua separando negros e brancos e os cargos são totalmente díspares. Segundo um levantamento feito pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), divulgado em 2021, a média de ganhos de nós, negros, equivale a 57,7% da renda de brancos e, além disso, 31% dos cargos de diretoria são ocupados por pessoas negras, enquanto os não negros somam 69%.

Pensando em contribuir para um futuro onde a equidade racial seja o ponto de partida para mais lideranças negras, geração de empregos, áreas de capacitação e formação, que o Mover (Movimento pela Equidade Racial), foi criado. Para que a luta contra a discriminação racial produza resultados consistentes, há um passo que precisa ser tomado: se posicionar como anti-racista. Não basta apenas não ser racista, é preciso lutar contra a desigualdade racial que persiste. É preciso atuar pela promoção da igualdade racial e realizar ações para um presente e futuro mais igualitário. Considero que um dos caminhos seja engajar a sociedade. No ramo empresarial, não podemos fazer diferente. 

Há cerca de 1 ano atrás, 13 das maiores empresas do país se reuniram para assumir um compromisso no combate ao racismo estrutural e na promoção da equidade racial. A partir desse objetivo, iniciamos as conversas com lideranças negras que já atuavam em prol da causa, convidamos outros profissionais a se juntarem e, em poucos meses, somamos hoje 1,3 milhões de colaboradores das 47 empresas que integram o MOVER.

Um dos principais objetivos do Mover é criar 10 mil novas posições para negros em cargos de liderança até 2030, através de modelos inclusivos de recrutamento e desenvolvimento; gerar oportunidades para 3 milhões de pessoas de diversas formas, inclusive  com cursos, capacitação, conscientização,  conexão com empreendedores negros, entre outras ações; e ser uma plataforma e ferramenta de apoio na meta de ter uma população conscientizada quanto ao racismo, por meio de comunicação ativa para públicos internos e externos, englobando toda a cadeia de valor.

Esse trabalho conjunto inclui o compartilhamento de boas práticas e a aceleração dos processos de diversidade, equidade e inclusão já em curso nas próprias organizações. Muito além de planejar, criar estratégias e orientar direções, o MOVER busca ser uma ferramenta efetiva, por meio de ações que impactem na redução da desigualdade racial no Brasil. As iniciativas são pautadas em 3 pilares: Liderança, Emprego & Capacitação e Conscientização.

Juntas, as empresas possuem enorme potencial para gerar no longo prazo uma mudança positiva na sociedade e no mercado de trabalho, tornando-o mais inclusivo e, principalmente, receptivo ao surgimento de novas lideranças negras. Há ainda muitos desafios a serem enfrentados na luta contra o racismo, e o mundo corporativo pode e deve ser um grande agente de transformação nesta batalha. Vamos lutar cada dia mais para mudar essa situação, atuando no combate ao racismo estrutural e na promoção da equidade racial.

Enquanto estivermos em um país que tem notícias como a da D. Madalena Gordiano, que viveu em situação análoga à escravidão por 38 anos, e hoje não consegue enxergar seu valor como pessoa, temos que seguir atuando como um combatente nesta batalha que é estrutural e só será modificada com o apoio de todos em todas os cargos e âmbitos sociais. 

Precisamos Mover e promover reais mudanças na sociedade. Seguimos na luta hoje e sempre! Resistir para existir. 

Justiça Por Miguel: Mãe da criança aguarda sentença do juíz há mais de um mês

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Foto: Divulgação

Mirtes Renata, mãe do Miguel Otávio Santana, de 5 anos, caiu de um prédio de luxo, em Recife, publicou um vídeo nas redes sociais nesta quinta-feira (12), pedindo apoio para cobrar que o juíz declare a sentença de Sarí Corte Real, por abandono de incapaz, que ocasionou a morte da criança, há um ano e onze meses.

“Até o momento não tem nenhuma resposta”, relatou Mirtes sobre a sentença. Ela também relembra a importância do caso “Ele [Miguel] merece um processo justo”.

No dia 7 de abril, o Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) concluiu o caso, mas informou que faltava o juiz José Renato Bezerra analisar os autos para proferir a sentença. O processo está tramitando na 1ª Vara de Crimes contra a Criança e o Adolescente.

Miguel Otávio morreu no dia 2 de junho de 2020 ao cair do 9º andar do Condomínio Píer Maurício de Nassau, que faz parte das conhecidas “Torres Gêmeas”, no Centro do Recife. O caso gerou muita revolta e manifestações.

Mirtes Renata, mãe da criança, era empregada doméstica e trabalhava na casa de Sarí Corte Real. Na ocasião, ela estava passeando com a cadela dos patrões e deixou a criança sob os cuidados da acusada.

A criança saiu para procurar a mãe, entrou em um elevador e Sarí deixou que ele fosse sozinho até o andar de onde caiu. Presa em flagrante, Sarí foi solta após pagar fiança de R$ 20 mil.

Viola Davis anuncia data de estreia do filme ‘The Woman King’

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Foto: Divulgação / Empire Magazine.

A atriz e produtora Viola Davis anunciou nesta última quarta-feira (11) a data de lançamento do filme ‘The Woman King’. Com distribuição pela Sony Pictures, o longa fará sua estreia nos cinemas dia 16 de setembro deste ano. A informação foi compartilhada com a divulgação de uma super imagem referente à obra.

Na nova imagem, compartilhada com exclusividade pela Empire Magazine, Nanisca (Davis) está na frente e no centro, cercada por companheiras guerreiras, interpretadas por Lashana Lynch e Sheila Atim. “Tínhamos a intenção de criar um conjunto de atores mais incríveis deste momento de toda a diáspora”, afirmou Prince-Bythewood sobre o elenco.

‘The Woman King’ conta a história de Nanisca (Davis), general de um grupo militar feminino do Reino do Daomé, que foi um dos estados mais poderosos do continente africano durante os séculos XVIII e XIX. O filme é baseado em eventos da vida real e segue Nanisca e sua recruta militar Nawi (Thuso Mbedu) enquanto lutam contra os inimigos que mancharam a honra do povo de Daomé.

Viola Davis em ‘The Woman King’. Foto: Divulgação.

De acordo com a própria Viola, em entrevista para a Collider, além da história emocionante, o filme servirá para destacar uma parte esquecida da história que, durante séculos, foi suprimida por narrativas colonialistas e de povos brancos. As imagens anunciadas até o momento fornecem emoção em um filme que está determinado a trazer vida e atenção para uma história necessária.

Ainda não sabemos se a data de lançamento de ‘The Woman King’ acontecerá de forma global.

Rico Dalasam lança clipe para ’30 semanas’, seu novo single de trabalho

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Rico Dalasam. Foto: Naelson Castro.

O rapper Rico Dalasam acaba de lançar o clipe para a faixa ’30 semanas’, registro que estará presente em seu novo disco ‘Fim das Tentativas’.

Com produção musical assinada por Dinho e RDD, Rico traz as batidas do rap e trap flertando com o pagodão baiano e o piseiro para trazer a temática que vem marcando suas canções, o amor. Sempre romântico, dessa vez o rapper fala de superação após tantos desencontros.  “30 semanas é o single onde retomo as composições de 2018 que não foram lançadas. É minha continuação nas canções populares. 30 semanas é uma farofinha sincera celebrando um coração recuperado após muito chororô”, conta o artista.

Rico Dalasam. Foto: Naelson Castro.

A faixa ganhou um clipe em tom minimalista com direção criativa de Felipa Damasco, onde a dança e o movimento dos corpos negros ganham destaque, tudo costurado com a encenação de Dalasam, que chega apresentando um figurino robusto e imponente para cantar essa superação.

O álbum ‘Fim das Tentativas’, com previsão de lançamento ainda para 2022, foi selecionado pelo programa Natura Musical, através do Edital 2020, ao lado de nomes como Linn da Quebrada, Bia Ferreira, Juçara Marçal e Kunumi MC. “Nós acreditamos no impacto transformador que a música pode ter no mundo. E os artistas, bandas e projetos de fomento à cena selecionados pelo edital Natura Musical têm essa potência de mobilizar o público na construção de um mundo mais bonito, cada vez mais plural, inclusivo e sustentável”, afirma Fernanda Paiva, Head of Global Cultural Branding. 

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