Na noite desta segunda-feira (29) foi a estreia do US Open de 2022, o último torneio disputado pela grande estrela do tênis Serena Williams, já que recentemente, ela disse que vai parar de jogar. A filha Olympia e diversas celebridades estiveram presentes. Para comemorar as últimas partidas de Williams, foi exibido um vídeo em homenagem à atleta no Arthur Ashe Stadiu, narrado pela super apresentadora Oprah Winfrey, “em nome de todos” e também houve uma coreografia nas bancadas.
A primeira partida foi de grandes emoções, incluindo sua vitória contra a jogadora Danka Kovinic, por 6-3, 6-3. O vídeo começa com a Williams vencendo seu primeiro US Open em 1998, aos 17 anos. Ela caminha até sua família, vendo sua irmã Venus e abraçando seu pai, Richard. Pronta para dominar as quadras de tênis nas próximas duas décadas.
“Os anos se passaram… em um piscar de olhos. 98 parece que foi ontem”, narra Oprah. “Você nos deu tanto. Tudo o que podemos fazer é agradecer”, continua.
Além de mostrar os dias gloriosos na quadra com muitas vitórias, Oprah também fala sobre seus looks escolhidos para disputar os torneios. “Obrigada por se vestir com esmero e trazer seus sapatos de dança. Obrigado por transformar a quadra central no centro do palco”. Refere-se a exemplo dos brilhantes tênis Nike x Off White que Williams usou no US Open de 2018.
“Obrigada por nos mostrar o que significa voltar e por nunca desistir. Obrigada por mudar a cara do jogo. Por inspirar a próxima geração”, Oprah continua na narrando. O vídeo mostra Williams grávida, em seguida com sua filha na quadra, com os fãs, apoiadores famosos e oponentes.
O tributo encerra com Oprah dizendo que todos estarão a acompanhando, mesmo que fora das quadras. “Estaremos te assistindo. Com amor, todos nós”.
Serena ficou emocionada com a homenagem de todos no pré e pós jogo. “Não esperava nada disto. Tento fazer o melhor que peço, sinto-me tão confortável neste court. Os adeptos foram incríveis, ajudaram-me mesmo a seguir em frente.” E completa: “Foi uma decisão muito difícil. Quando amas tanto uma coisa e gostas daquilo que fazes é difícil de sair e esse foi o meu caso. Mas acho que agora é a altura. Tenho uma família e há outro capítulo pela frente”.
No segundo episódio do podcast Archetypes, Meghan Markle recebeu a cantora Mariah Carey para uma conversa intitulada “A Dualidade da Diva”
Nesta terça-feira, Meghan Markle lançou o segundo episódio de seu podcast Archetypes. Desta vez, a convidada foi a cantora Mariah Carey e ambas falaram sobre o fato de terem nascido em famílias birraciais.
Mariah falava sobre as dificuldades financeiras enfrentadas por sua família enquanto ela crescia. A diva pop contou que durante a infância sua família se mudava muito e que ela tinha que lutar para tentar se encaixar todas as vezes. “Eu não me encaixava. Você sabe, seria mais da área negra da cidade ou então você poderia estar onde minha mãe escolheu morar, em bairros mais brancos. Eu não me encaixava em lugar nenhum”, contou.
Markle concordou com a cantora e citou uma entrevista da atriz Halle Berry, em que ela fala sobre sempre ter sido vista como mulher negra e não como mestiça porque sua pele era mais escura. “Eu li este artigo sobre Halle Berry, e eles estavam perguntando como ela se sentia sendo tratada como uma mulher mestiça no mundo. E sua resposta foi ela dizendo: ‘Bem , sua experiência pelo mundo é como as pessoas veem você.” Então ela disse que por ser de cor mais escura, ela estava sendo tratada como uma mulher negra, não como uma mulher mestiça.” Ela afirmou que ao contrário de Berry, as coisas foram diferentes para ela por conta da pele mais clara. “Você não é tratada como uma mulher negra. Você não é tratada como uma mulher branca. Você meio que se encaixa no meio”.
Meghan contou então que só entendeu como era ser tratada como uma mulher negra quando se casou com o príncipe Harry. “Quero dizer, se há algum momento na minha vida que foi mais focado na minha raça, foi apenas quando comecei a namorar meu marido. Então comecei a entender como era ser tratada como uma mulher negra”, disse. “Porque até então eu tinha sido tratada como uma mulher mestiça. E as coisas realmente mudaram.”
Prevista para este ano, a revisão da Lei estagnou no Congresso
Ítalo Cosme e Patrick Freitas
As universidades se tornaram mais democráticas na última década graças à Lei de Cotas (nº 12.711/2012). O perfil do alunado é mais diverso. Mas só entrar é suficiente? Neste ano, a política pode passar por uma revisão. O Mundo Negro buscou cotistas beneficiados pela legislação para entender quais pontos precisam de atenção para aprofundar as discussões sobre o tema.
A principal queixa dos estudantes diz respeito às políticas de permanência. “Somente alimentação e moradia são insuficientes para manter o aluno na universidade”, resume Bruno Martins, formado pela Universidade Federal de Viçosa. Por conta das reduções bilionárias no orçamento das universidades, a assistência estudantil tem sido prejudicada. O contexto se agrava com o retorno das aulas para o formato presencial após o ensino remoto por conta da covid-19.
Além disso, Lilica dos Santos, acadêmica da Universidade Federal do Ceará, ressalta a necessidade de revisar o currículo, ainda muito eurocentrado, para incluir mais a literatura afrobrasileira. A universitária relata a relutância de professores para tornar as ementas das graduações mais diversas. Para superar, ela própria montou grupo de acolhimento para calouros negros a fim de tornar a chegada dos novatos menos traumática.
Ed Santana ressalta a importância da adoção das cotas em outros segmentos da sociedade, principalmente no mercado de trabalho. Para ele, é necessário ultrapassar o percentual atual de 50% das vagas reservadas. O arquiteto formado pela UFBA comenta que, apesar de estar na cidade mais negra fora do continente africano, o mercado de trabalho ainda é muito branco. O baiano conta ainda da importância de devolver à comunidade o conhecimento adquirido na universidade pública.
Conheça histórias de quem foi beneficiado pela Lei de Cotas e entenda a conjuntura do debate
Lilica Santos / Arte: Suellem Cosme
Currículo eurocêntrico reforça racismo na universidade, avalia Lilica Santos
Estudante de Sociologia, educadora social em Fortaleza e produtora cultural está no último ano da faculdade
Como um dos últimos compromissos do dia, Lilica Santos discursou no fim de março, no auditório do curso de Sociologia da Universidade Federal do Ceará (UFC), sobre sua experiência enquanto universitária cotista da instituição. A jovem de 23 anos exaltou o modelo de entrada, mas classificou a relação que teve com o espaço acadêmico e com os professores como “conflituosa”.
Em novembro de 2021, como produtora executiva, a jovem reuniu, durante uma semana, centenas de pessoas na 1.ª edição do Festival Negruras, em Fortaleza, para discutir sobre raça no estado, o primeiro do País a libertar escravizados, em 1883
No último ano da faculdade, Lilica também é educadora social no espaço criativo Soulest, na orla de Fortaleza. A acadêmica entrou em 2017 por meio da Lei a qual se encaixava como estudante integral da escola pública, pobre e mulher negra. “Eu tencionava que nós precisávamos ler autores e autoras negras no Departamento (da UFC), que tínhamos a mesma ementa há muito tempo.”
O conflito, reforça, ocorre porque há um apego por parte da branquitude em cravar os pensadores cânones. “Esse apego se baseia numa forma de controle. Foi o que eles estudaram. Antes nós estávamos fora da universidade. Foi a ciência que eles produziram, e é a ciência difundida no pensamento mundial.”
Lilica entende que parte do que ela chama de genocídio negro se estabelece a partir de um pilar em que há o apagamento da cultura e dos saberes deste povo em detrimento de valores ocidentais na academia.
A jovem relata um dos episódios onde a prática pedagógica foi utilizada para racismo no ambiente universitário. Ela lembra de discutir com uma das professoras sobre como a antropologia é precursora e anda de mãos dadas com a estruturação do racismo, desde os primeiros estudos sobre os povos africanos, a estereotipação das culturas, até a falta de racialização dos debates.
A docente dizia que o que a aluna apresentava não poderia ser considerado em sala de aula. “Quando eu digo que aquilo que o estudante está apresentando não é ciência, eu estou cometendo um epistemicídio. Eu estou negando que a universidade seja plural e abra as portas para intelectuais que trabalham a partir de outras perspectivas”, matura.
Em nota, a UFC destaca que, desde 2013, determina a inclusão do eixo temático relações étnicos-raciais e africanidades, bem como os eixos temáticos educação ambiental e educação em direitos humanos, como componente curricular nos Projetos Pedagógicos dos cursos de graduação (PPC).
“A Pró-Reitoria de Graduação estabelece ainda em seu documento de orientação que a abordagem de conteúdos pertinentes, em especial, às políticas de educação ambiental, de educação em direitos humanos e de educação das relações étnico-raciais e o ensino de história e cultura afro-brasileira deve ser considerada na atualização dos PPC, constituindo-se em requisitos legais na propositura dos projetos pedagógicos”, reforça.
A chegada de Lilica com leituras, iniciativas e desenvolvimento de pesquisas afrocentradas não é um caso isolado, como pontua a ex-ministra Nilma Lino Gomes. Para a primeira mulher negra reitora do país, a adoção da lei visibilizou ainda mais, nas instituições públicas de ensino superior, uma produção epistemológica que deu nova vida e ânimo ao ensino, à extensão, à pesquisa e à internacionalização.
“Vários conceitos e categorias analíticas, com as quais estávamos e ainda estamos acostumados comodamente a trabalhar, têm sido indagadas pela juventude negra, periférica, quilombola, do campo, indígena, trans. Eles trouxeram a sua corporeidade, a sua estética, outros conceitos, outros autores e autoras, outras indagações, advindas das suas experiências sociais. Isso tem feito a universidade repensar sua relação com o conhecimento”, analisa Gomes.
Lilica é uma das fundadoras de um grupo voltado para estudos afrocentrados e recepção de calouros no departamento de Sociologia da UFC. Para ela, apesar dos avanços, a universidade ainda não consegue acolher bem essa população. A jovem tem se destacado no Ceará pelo trabalho cultural e educativo que tem feito. Um dos objetivos é realizar mais uma edição do Festival Negruras.
Bruno Martins / Arte: Suellem Cosme
Educador tinha uma visão da universidade branca, mas se surpreendeu
Formado em Geografia no ano de 2021 na UFV, o professor destaca a necessidade de assistência estudantil mais ampla; UFV sofre com falta de recursos e diz que repasse precisa ser o dobro para atender demandas
Ao chegar na universidade em 2017, Bruno Martins já imaginava que encontraria na Universidade Federal de Viçosa (UFV) um espaço formado por pessoas brancas, mas se surpreendeu. Na licenciatura de Geografia, Bruno se deparou com muitos colegas negros. Mas logo percebeu que essa era uma característica das licenciaturas.
De acordo com a Pró-reitoria de Ensino (PRE) da instituição, em 2013, 37% dos estudantes que ingressaram na UFV se identificaram como pretos, pardos ou indígenas. O porcentual se ampliou gradativa e sistematicamente, tendendo a uma estabilização a partir de 2019. Em 2022, 50% dos que entraram se autodeclara PPI. Para a universidade, o espaço acadêmico está mais plural, o que se assemelha à realidade da sociedade brasileira.
“Entretanto, é importante frisar que não consideramos que a dívida histórica do país com esse público esteja equalizada, o que justifica, a nosso ver, a manutenção da política de cotas, com um enfoque maior na questão da permanência nas instituições”, ressaltou.
Para Bruno, no entanto, ainda há uma segregação racial por curso. Conforme levantamento da Andifes de 2018, Engenharias é a área em que brancos são maioria e pretos e pardos (as) minoritários, relativamente a todas as áreas do conhecimento. Ao mesmo tempo, brancos têm o menor percentual nas áreas de Linguística, Letras e Artes e de Ciências Humanas.
A publicação “Balanço dos dez anos da política federal de cotas na educação superior”, de Adriano Souza Senkevics e Ursula Mello, mostra que os cursos mais transformados pela política afirmativa foram justamente aqueles que apresentavam o menor contingente de estudantes de origem social vulnerável, ou seja, os cursos mais competitivos, seletivos, prestigiados e, portanto, com o maior potencial de retornos econômicos no mercado de trabalho.
Em relação às notas de corte, de acordo com o MEC, os cursos de Medicina, Direito, Engenharia de Produção e Odontologia exigem pontuação mais alta. O topo da lista é encabeçado pela Medicina da Universidade Federal do Maranhão, com pontuação mínima de 952,51 para entrar por ampla concorrência no primeiro semestre de 2021.
Enquanto na outra ponta estão Química, Humanidades, Engenharia Florestal, Geografia e Física. Destes cursos, o primeiro é o menos concorrido na Universidade Federal da Fronteira Sul, no Paraná, com mínima de 363,32, na edição do primeiro semestre de 2021.
Entrar na universidade não foi o único desafio para o professor Bruno. O educador contratado na rede de ensino de Minas Gerais morou no alojamento oferecido pelo campus e recebeu bolsa de assistência estudantil através de uma seleção paralela. Ele também tinha acesso ao Restaurante Universitário.
No entanto, para ele, não havia uma assistência financeira realmente impactante. “Somente alimentação e moradia são insuficientes para manter o aluno na universidade. Embora o acesso seja amplo, faltou oferecer políticas de real permanência na instituição.”
Bruno cita que teve colegas na residência universitária com condições piores. A sorte do professor era que a mãe conseguiu lhe ajudar enviando recursos, mas outros colegas cotistas não tinham a mesma possibilidade.
Em nota, a Pró-Reitoria de Assuntos Comunitários (PCD) informou que os estudantes em vulnerabilidade socioeconômica podem ser atendidos com serviço ou auxílio moradia, alimentação gratuita ou com 75% de subsídio, auxílio creche (destinado aos que têm filhos em idades pré-escolar), e bolsa de aprimoramento e aperfeiçoamento profissional.
Auxílios emergenciais também podem ser concedidos, se necessário. Além disso, a UFV, destaca o setor, oferece atendimento nas áreas de saúde física e mental e programas de esporte, lazer e cultura para todos os seus estudantes.
A Universidade, no entanto, não vive um bom momento financeiro, situação semelhante em outras instituições federais, o que prejudica atendimento ao alunado mais vulnerável.
Após se formar, Bruno passou em dois concursos nas redes de ensino de Belo Horizonte e do Espírito Santo. Está classificado, mas ainda não foi nomeado. Nos dois certames, o candidato optou por ingressar por meio de cotas.
Ed Santana / Arte: Suellem Cosme
Dificuldade no mercado de trabalho e retorno para sociedade marcam vivência de arquiteto da 1.ª turma de cotistas da UFBA
Ed Santana defende que o total de vagas destinadas aos pretos, pardos e indígenas seja equivalente à população por estado
O curso de arquitetura da Universidade Federal da Bahia ganhou um pouco mais de melanina após a implementação da Lei de Cotas. A avaliação é de Ed Santana, ex-discente da graduação, sobre quando ingressou no primeiro ano de implementação da política afirmativa. O baiano só se formou em 2020, sete anos depois da entrada no ensino superior.
O arquiteto diz que o senso de responsabilidade social foi aguçado depois de entrar na universidade. Além de trabalhar como arquiteto, Ed atua em um projeto no Instituto Cultural Steve Biko, voltado a pessoas negras. Na capital baiana, ele trabalha com uma turma de mulheres negras no ensino médio, da escola pública Centro Educacional Edgard Santos.
O grupo ao longo dos três anos desenvolveu um projeto para tornar a biblioteca da instituição mais acessível e fomentar as potências dos estudantes. O projeto encontra-se na fase final de execução.
Além das recompensas mais diretas, Ed celebra o dia a dia: “No ano passado, conseguimos ler três livros juntos. Quatro mulheres negras leram um livro inteiro pela primeira vez escrito por outra mulher negra. Foi uma energia surreal, elas choraram”.
Para o jovem de 28 anos, a política de cotas é essencial, mas é insuficiente se não ajuda o estudante a permanecer; se quando graduado, fica sem emprego. Mesmo na cidade mais negra do mundo fora do continente africano, ele lamenta as dificuldades de acessar o mercado de trabalho em Salvador e a falta de representatividade nos espaços políticos.
“Nós continuamos na mesma situação. São mais de 500 anos de escravidão e exploração do povo negro e indígena. Só mudou de nome. Para discutir cotas, precisamos começar por aí. O que é uma cota? Ainda não é nada. Na verdade, os brancos que perderam sua mão de obra que foram reparados pelo Estado. Nós, os escravizados, fomos jogados para a fome. Cota não é reparação alguma. Se a gente fosse discutir reparação, nós estaríamos discutindo outras coisas.”
Para ele, o primeiro passo é pensar em equivalência: de moradia, de salário, de oportunidades trabalhistas, de acesso à saúde. E, em relação à educação, especialmente na universidade, que o percentual total das vagas de cada curso, não apenas dentro dos 50% das vagas reservadas, para pretos, pardos e indígenas, seja definida de acordo com o percentual da população que se identifica como tal de acordo com cada estado.
Na UFBA, 75,6% dos alunos são negros, ante 76,7% no Estado, segundo a Pnad/Ibge de 2018. O percentual de negros na UFBA é bastante superior ao do conjunto das universidades federais: 51,2%, o maior da série histórica da pesquisa, e ao da população brasileira, 60,6%, também segundo a Pnad.
Em relação às outras 64 universidades e institutos federais (Ifes) que participaram da pesquisa, a UFBA é a que tem maior número de alunos autodeclarados pretos: 32,2%, ante 15,5% no Nordeste, e 12% no país.
Para Ed, por conta dos altos custos do curso, seja para comprar material ou deslocar-se para aulas de campo, por exemplo, a permanência do estudante de arquitetura na universidade é o maior obstáculo para um cotista. À época, diz ele, havia uma bolsa-material, mas nem todos eram contemplados. Para muitos, conciliar trabalho com estudos é o caminho. Para outros, abandonar é a solução.
Conforme a pesquisa da Andifes, em 2014 o percentual de estudantes ocupados era de 35,3%, 5,4 pontos porcentuais a mais do que em 2018. Naquele ano, do
total de discentes, 29,9% trabalhavam.
Para finalizar, o arquiteto provoca: “Imagina estudar em uma escola pública. É preciso ter muita força. A professora e os alunos chegam na escola e não tem banheiro, não tem água, não tem lanche. Se o ensino básico tivesse mais qualidade, a gente também não precisaria discutir essa coisa tão afundo assim. Se a gente tivesse em par de igualdade educacional, econômica, nutricional e habitacional, a cota não era nada.”
Erimar Miquiles / Arte: Suellem Cosme
Vagas para indígenas são insuficientes, defendem amazonenses
Ex-presidente do Movimento dos Estudantes Indígenas do Amazonase doutorando em Antropologia apontam necessidade de espaços de valorização dos saberes e apoio financeiro
Localizada no estado com a maior concentração indígena do País, a Universidade Federal do Amazonas (Ufam) passa por intenso debate em relação às vagas exclusivas para a população originária local. Esta é a principal bandeira do movimento estudantil. Isso porque as vagas na Lei de Cotas não dão conta da demanda.
Erimar Miquiles, do povo sateré-mawé, passou os últimos quatro anos à frente do Movimento dos Estudantes Indígenas do Amazonas (Meiam). O acadêmico de Direito na Universidade do Estado do Amazonas (UEA) diz que muitos amazonenses têm prestado vestibular em universidades federais que já adotam a modalidade exclusiva para indígenas.
Diakara Dessano / Arte: Suellem Cosme
Doutorando em Antropologia Social na Ufam e representante no Colegiado Indígena, Diakara Dessano considera que há um sequestro de conhecimento por conta disso. “A Ufam, criada dentro do coração da amazônia, não consegue sentir a circulação de sangue de várias etnias. O curso de Medicina só tem duas vagas para indígenas. Nós queremos mais vagas”, reivindica.
“Quem não tem condição de pagar pela privada, tem de tentar fora. Essas universidades, inclusive, executam as provas aqui. O candidato faz e, se aprovado, vai embora”, diz Miquiles. Criada em 2001, a UEA adotou o modelo específico de entrada em 2005.
Entre as universidades que adotam o vestibular indígena estão a Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Universidade de Brasília (UNB), Universidade Federal de Roraima (UFRR), Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e Universidade Federal do Pará (UFPA).
“A pauta principal dentro da universidade é reservar vagas exclusivas para indígenas, uma ou duas, por curso. Isso não traz prejuízos para a instituição”, acredita Miquiles, o ex-coordenador do movimento estudantil.
Dessano, por sua vez, reconhece a conquista através da Política de Cotas, mas diz que trata-se de um “vestibular-dipirona”, tendo em vista que não acolhe de forma efetiva os universitários nem atende a demanda. “Deram a chave para entrar via cotas como simbologia. Mas é uma casa sem estrutura”, compara.
O doutorando defende que a universidade precisa trocar a lente que usa para olhar o indígena, que detém de filosofias e olhares diferentes. O estudioso ressalta a necessidade de qualificar os conceitos teóricos e epistemológicos dos conhecimentos de cada povo e suas identidades.
Na avaliação dele, os primeiros cotistas beneficiados pela legislação enfrentaram resistências e preconceitos ao ingressar na universidade, mas isso mudou ao longo dos anos. “Hoje essa pessoa já está fazendo mestrado, doutorado. Ele mesmo está discutindo na universidade o que teria mais possibilidade do que impossibilidade com sua presença na faculdade.”
Miquiles sinaliza que pequenas mudanças já fazem a diferença na vida de um indígena no ambiente universitário. Para ele, é necessário tornar os editais mais acessíveis, com possibilidade de renda desde o primeiro semestre da graduação, além de fomentar grupos de trabalho e discussão sobre pautas específicas.
“A grande maioria dos estudantes vêm do interior para estudar na capital. A gente vê outra realidade. Ninguém está acostumado a um centro urbano tão grande. Nossos parentes vêm de lugares distantes, onde se pode fazer tudo a pé, aqui é diferente. Esses novos universitários chegam e precisam de suporte”, considera Miquiles.
Dessano recomenda a criação de espaços específicos, como centro de saberes tecnológicos e epistemológico dos saberes indígenas, metodologia e programa de ensino específicos, para que o indígena, graduando, mestrando e doutorando, possa repassar aos não-indígenas do que trata-se o conhecimento de cada povo e fazer com que eles também entendam os saberes.
Criadoras de conteúdo negras e lésbicas aliam gênero, raça e sexualidade para ampliar o debate nas redes sociais
O Dia Nacional da Visibilidade Lésbica foi criado durante a realização do 1º Seminário Nacional de Lésbicas, conhecido como SENALE (atualmente conhecido como atualmente SENALESBI – Seminário Nacional de Lésbicas e mulheres Bissexuais) realizado há 25 anos no Rio de Janeiro. O evento teve entre seus objetivos “discutir, refletir e propor ações para intervir nas políticas públicas, através da construção coletiva, na busca por direitos e dignidade, pela livre expressão das sexualidades e pela diversidade de orientação sexual e identidade de gênero”.
Em abril de 2022, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, convocou os Estados da região a adotar medidas que contribuam para a prevenção da violência contra mulheres lésbicas. É claro que o cenário ainda precisar mudar muito, mulheres lésbicas enfrentam desafios de gênero e sexualidade em uma sociedade estruturalmente machista, e se somarmos a isso a questão racial, constatamos que as dificuldades podem ser ainda maiores.
Sobre os desafios que enfrenta como advogada e criadora de conteúdo para a internet, Márcia Vasconcelos, afirma que está em alerta constante: “A associação da minha sexualidade com minha negritude me faz ficar alerta, me coloca em um estado constante de apreensão. Mesmo em um ambiente que se diz seguro o racismo, gênero e sexualidade colocam um alvo nas minhas costas”.
Márcia Vasconcelos
“Mulheres pretas independente da sua sexualidade são hipersexualizadas, pelo imaginário racista e misógino além disso, a pele branca é sempre associada à pureza e doçura prova disso é que rede sociais de mulheres lésbicas brancas ainda que não entreguem um conteúdo que necessariamente agregue valor tem um número de seguidores infinitamente maior do que criadoras negras e lésbicas. As pessoas não querem mulheres negras falando de sua sexualidade. O lugar que é minimamente aceito é o lugar de espetacularização da dor da pessoa preta. A dor causa engajamento para ver lésbicas felizes se busca perfis de mulheres brancas com estereótipo que a agrade e essa não é a característica de mulheres negras e lésbicas, sejam elas cis, trans, não binaries ou que não perfomance uma feminilidade que se julgue aceitável”, reflete Márcia.
Leilane Ribeiro, 23 anos, é criadora de conteúdo na internet. Negra e lésbica, ela criou a página Sapatão Suburbana. Leilane ainda vê dificuldades de inserção de pautas de mulheres lésbicas nas políticas públicas voltadas para a população LGBTQIA+: “Não vemos a sociedade e a comunidade LGBTQIA+ se preocupando com nossas questões, buscando nos incluir nos espaços sociais e nos ouvir. Ambas não se importam com o fato de até hoje os ginecologistas em sua maioria não acharem necessário nos examinar por nossas relações não serem com homens; com não termos dados estatísticos até hoje sobre nós”.
Leilane Ribeiro
Apesar de trabalhar criando conteúdo para as redes sociais, a influenciadora vê na internet um ambiente hostil para falar sobre sua sexualidade: “Ainda há muito preconceito e falta de valorização. Se para uma pessoa negra criadora de conteúdo já é difícil adquirir visibilidade, sendo lésbica negra é mais ainda. A sociedade não quer saber sobre nós. Ela não nos admira e nos valoriza”, afirma.
A técnica de enfermagem, Bruna Carvalho, explica que em seu trabalho, um dos principais desafios é a criação de ações voltadas para a saúde de mulheres lésbicas. “A área da saúde limita muito a existência de mulheres lésbicas porque ela ainda não pensa sobre saúde para nós, logo, passar em processos seletivos ainda é um processo dificultado”.
Bruna Carvalho
Bruna afirma que os desafios políticos enfrentados por mulheres negras lésbicas ainda persistem. “A luta que começou a anos ainda está sendo necessária de ser pautada em 2022, com desafios iguais e até maiores que anteriormente, somos percursoras de melhorias em saúde, acesso, assim como poder ter o direito de existir ainda”.
Sobre estar presente nas redes sociais criando conteúdo com recorte de gênero e sexualidade, a técnica de enfermagem ressalta que mulheres brancas ainda são as mais ouvidas. “Antes de sexualidade vem raça sempre! Ainda vão dar mais voz para mulheres brancas falarem as coisas porque traz amenidades, quando se juntam as mesmas pautas ao racismo se torna difícil de ouvir e até entender que criadoras negras na internet existem e merecem mais destaque e voz”, conclui.
A Netflix está completando 25 anos nesta segunda-feira (29). Fundada em 29 de agosto de 1997, a empresa começou a funcionar como um serviço de entregas de DVD’s pelo Correios, e hoje é uma grande referência em produção de filmes, séries e documentários, com uma plataforma bem diversa em conteúdos com protagonismo negro.
Para comemorar, o MUNDO NEGRO selecionou 10 produções originais da Netflix que vale a pena assistir. Confira:
1 – Homecoming
O documentário que fala sobre a cantora Beyoncé e sua apresentação no Coachella Valley Music and Arts Festival de 2018. O filme levou o Grammy por Melhor Vídeo Musical Longo.
2 – Ela Quer Tudo
Uma releitura do primeiro sucesso de Spike Lee lançado em 1986, nesta série, Nola Darling (DeWanda Wise) corre atrás dos seus sonhos como artista enquanto tenta conciliar os amores da sua vida e luta contra o racismo e o machismo.
3 – A Voz Suprema do Blues
Filme conta com a ilustre presença do ator Chadwick Boseman e teve lançamento três meses após seu falecimento, em 2020. Sua atuação rendeu um Globo de Ouro de melhor ator em filme dramático. Com produção de Denzel Washington, a Viola Davis faz o papel de Ma Rainey, pioneira Mãe do Blues. O clima fica cada vez mais tenso quando a cantora e sua banda se reúnem em um estúdio em 1927, na cidade de Chicago.
4 – A Fera do Mar
Lançado em junho deste ano, o filme conta a história de uma menina que entra escondida no navio de um grande caçador de monstros marinhos. Juntos, eles iniciam uma jornada épica por águas desconhecidas.
5 – A Vida e a História de Madam C.J. Walker
A série baseada em história real, relata a vida de uma afro-americana que venceu a pobreza, construiu um império de produtos de beleza e se tornou a primeira negra milionária nos Estados Unidos, interpretada pela Octavia Spencer.
6 – Yuri Marçal: Lego Engano
No mês passado, Yuri Marçal se tornou o primeiro humorista negro da América Latina a ter um especial de humor na Netflix. Em “Ledo Engano”, Yuri fala sobre família, raça, religião e conta os detalhes de uma treta online.
7 – O Menino que Descobriu o Vento
O filme biográfico sobre um jovem de Malawi que se cansa de assistir todos os colegas de seu vilarejo passando por dificuldades e começa a desenvolver uma inovadora turbina de vento, se inspirando em um livro de ciências.
8 – Dois Estranhos
Vencedor do Oscar de Melhor Curta-Metragem em Live Action, o filme mostra um homem que tenta voltar para casa várias vezes, mas é forçado a reviver confronto moral com um policial. O filme traz uma forte referência ao caso de George Floyd e Eric Garner.
9 – Por Uma Vida Melhor
Buscando expor as mazelas do tráfico humano que acontece numa região da Nigéria, uma jornalista decide se passar por prostituta, logo tendo contato com um submundo repleto de dor e desumanidade.
10 – Cara Gente Branca
Alunos negros de uma conceituada universidade norte-americana enfrentam o desrespeito e a política evasiva da gestão, que está longe de ser “pós-racial” e levanta particularidades de como o racismo afetou a personalidade de cada um deles.
Com novidades, o Prêmio Multishow anunciou nesta segunda-feira (29) os indicados à nova edição do evento. Após um período de boicote, Ludmilla apareceu como destaque deste ano, recebendo 6 indicações dentro das categorias populares. Em 2021, após ser esnobada pelo prêmio, a intérprete do ‘Numanice’ protestou contra a forma como a organização deixava de lado artistas pretos de sucesso. “Onde não sou bem-vinda prefiro não estar só por educação”, criticou Lud à época. “Uma representante das minorias, uma cantora negra, bissexual, funkeira, periférica, nunca mais fui indicada na categoria ‘Cantora do Ano’. Infelizmente essa é a forma que o sistema te boicota”.
Com a enorme repercussão negativa, o Prêmio Multishow se comprometeu a realizar mudanças, pedindo ajuda da própria Ludmilla. “Sabemos que o mundo de hoje ainda está longe da representatividade ideal e continuaremos trabalhando no que for necessário para evoluir”, destacou a premiação.
“Nós conversamos e eles me propuseram contribuir para as mudanças na premiação a partir do ano que vem”, explicou Ludmilla após receber o convite no final de 2021. “Vamos conversar para, juntos, colocarmos em prática mudanças gerais que envolvam não só o coletivo quanto o compromisso de estar sempre em atualização para atender à novos requisitos do mercado fonográfico“.
Ao longo dos últimos meses, buscando ampliar a presença de votantes negros, a Academia do prêmio passou de 500 integrantes para 600. “Eles [a Academia] foram os responsáveis por indicar os nomes dos artistas, baseando-se em diversidade, gêneros musicais e regiões do Brasil, garantindo a pluralidade que se reflete no cenário musical”, destacou o evento em comunicado. Entre as novidades da nova edição estão os prêmios de ‘Artista do Ano’ – que substitui Cantor e Cantora do Ano – e ‘Voz do Ano’, além da ampliação do número de indicados por categoria, que passa de cinco para oito nomes.
Este ano, Ludmilla aparece com indicações em ‘Artista do Ano’, ‘Voz do Ano’ e ‘Álbum do Ano’. Vale destacar ainda que Lud também celebrará 10 anos de carreira no palco da cerimônia, dia 18 de outubro, realizando um super medley com seus maiores sucessos.
Nomes como IZA, Baco Exu do Blues, Matuê, Gilsons, Tasha e Tracie, Criolo, Black Pantera, Afrocidade, Raça Negra e mais, também foram indicados ao Prêmio Multishow 2022.
O professor de inglês Saheed Adeyemi conta que escola o demitiu depois que mãe de aluno acusou o professor de ter mordido uma criança
Residente no Brasil há 16 anos, Saheed Adeyemi havia sido contratado há seis meses por uma escola particular na cidade de Águas Claras, no Distrito Federal. Em julho, o professor conta que para justificar sua demissão, o colégio alegou que a mãe de um aluno o havia acusado de ter mordido uma criança, depois de verificar câmeras de segurança, Adeyemi afirma que ficou provado que isso não aconteceu. Desde então, pais e alunos de Saheed tem se mobilizado contra sua demissão.
“Uma mãe me ligou e falou que a escola enviou uma coordenadora para dentro da sala para falar para o Fundamental II e Ensino Médio, meus alunos, que eu tinha sido demitido por justa causa por ter assediado uma aluna. E era mentira, minha demissão foi sem justa causa e sem explicação nenhuma. Eles alegaram que eu mordi uma criança, depois falaram que não foi por mordida, depois falaram que era porque eu castigava criança, sendo que uso o mesmo método que todas as professoras”, explicou Adeyemi em entrevista ao Mundo Negro.
Em matéria veiculada no dia 24 de agosto pelo jornal DF2, Relva Moraes, mãe de uma aluna de Saheed, afirmou que a coordenadora da escola foi até a sala para explicar aos alunos o motivo da demissão do professor de inglês. “A coordenadora foi até a sala da minha filha com a justificativa de que ele teria sido demitido por justa causa por ter assediado uma aluna. E os colegas ficaram chocados com essa resposta dela. Acho que foi uma maneira que eles procuraram de cortar o assunto”, relatou.
Ao saber do ocorrido, Saheed Adeyemi registrou um boletim de ocorrência contra a escola por difamação. Um abaixo-assinado foi enviado por pais e alunos para a direção do colégio pedindo a recontratação de Saheed.
Depois da reportagem no Distrito Federal, o professor foi procurado pelo Sindicato dos Professores em Estabelecimentos Particulares de Ensino do Distrito Federal (SINPROEP-DF). O órgão emitiu um documento para endereçado ao Colégio Biângulo, onde Adeyemi lecionada,cobrando informações sobre a forma como a demissão ocorreu. “Esta entidade sindical recebeu denúncia de demissão discriminatória do professor Saheed Adeyemi, solicitamos informações a respeito da forma da demissão, tendo em vista que não temos informação da homologação da rescisão no sindicato”.
Em nota emitida para o Mundo Negro, a direção da escola nega as alegações feitas pelo professor, pais e alunos: “informo que o desligamento do professor seguiu todos os processos de legalidade contratual e que foi embasado em fatos e situações de não adaptação em relação à política de trabalho adotada pelo Colégio Biângulo.
Além disso, ressalto que o professor foi dispensado sem justa causa e recebeu todas as verbas rescisórias pertinentes.
Relato ainda que as colocações feitas pelo professor não condizem com a realidade dos fatos e com a prática de idoneidade e bons costumes pelos quais a escola preza. Ainda sobre a reportagem, em que a mãe relata demissão por assédio, a escola desconhece esse assunto, nem tão pouco divulgou por qualquer meio esse tipo de conduta do professor.
Dessa forma, a escola, por meio dos seus advogados, registrou boletim de ocorrência no intuito de investigar a origem desses relatos inverídicos.“
Professor de filosofia afirmou ao jornal Folha de S. Paulo que as cotas mascaram o problema de origem, o ensino básico
Ao completar dez anos, a Lei de Cotas (Lei 12.711/2012) está levantando discussões sobre as mudanças no perfil dos alunos nas universidades federais e a necessidade de novas medidas que incentivem a permanência de pretos e pardos no ensino superior. Pela manhã, o Senado Federal realizou uma sessão para celebrar a data e muitos relatos sobre a efetividade da lei no ensino superior têm sido compartilhados, assim como críticas em torno da dela.
No último domingo (28), a Folha de S. Paulo publicou uma entrevista com o professor de filosofia Paulo Cruz, conhecido por se opor às cotas raciais nas universidades. O educador acredita que “Não foram só as cotas que melhoraram o acesso”, para ele, existem outras questões que também influenciaram o aumento no número de alunos negros nas universidades. “São dez anos de mudanças sociais, de aumento na autodeclaração, de mais vagas disponíveis. Há um apagão estatístico no Brasil que torna complicado dizer que só a cota foi responsável por mudanças”, afirma.
Cruz acredita que o foco deve ser o ensino básico e que as cotas mascaram esse problema. “O problema de origem, o problema real, é o ensino básico. A cota mascara isso. Não vejo movimentos organizados brigando pelo ensino básico. Comemora-se dez anos de cotas, dizem que é um sistema efetivo, mas quando se olha para o ensino público, a tragédia é absoluta”, explica.
Durante a entrevista, o professor diz que comemorar as cotas é sadismo, “Estão comemorando algo às custas do abandono do ensino básico. Isso é sadismo. Como professor, vejo o que está acontecendo, não vou comemorar. Cada vez há menos crianças com condições de pensar em chegar a uma universidade e acessar uma cota. Talvez tenhamos um passo, mas ainda é pouco para dizer que funciona. Não há nenhum ganho real para o país”.
Dados mostram que o número de alunos negros no ensino superior cresceu 400%, somando mais de 38% dos estudantes universitários.
O Observatório da Branquitude (Odb) lançou no último dia 24, o boletim “Quem são os anticotas no Brasil?”, um especial para os 10 anos da Lei de Cotas completos nesta segunda-feira (29). Este primeiro material de uma série que será produzida pelo Observatório é um mapeamento que reúne discursos, argumentos e perfis de importantes atores brasileiros que se declararam publicamente avessos à política de cotas em 2012.
Com estudo focado em três eixos principais – poder legislativo, intelectuais e imprensa – o boletim é uma importante ferramenta de consulta, um medidor do comportamento da branquitude em relação às cotas durante a década e, por isso, serve de bússola à sociedade civil organizada, colocando no radar preocupações à vista e linhas de articulação que possam contribuir com o fortalecimento da pauta e da política de cotas em geral.
Junto do movimento dos intelectuais, em sua maioria brancos, a grande mídia como o jornal O Globo e a Folha de São Paulo, primeiro e segundo maiores no país respectivamente, revela o repúdio às cotas, a insuficiência de espaço nos veículos para a manifestação de vozes favoráveis, como também a redução do conceito de ações afirmativas ao componente raça.
A Folha publicou seu primeiro editorial a respeito de políticas afirmativas raciais em 1996. O texto reivindicava serem essas políticas uma espécie de “discriminação às avessas (…) na contramão da história”. O jornal teria seguido avesso a quaisquer ações afirmativas, classificadas de “benevolência demagógica”, “mérito substituído pela cor da pele”. De forma radicalmente contrária, a Folha passou a admitir políticas de cunho universalista na primeira metade dos anos 2000, com ênfase na reforma da educação pública e no investimento em cursos pré-vestibular. As reportagens e editoriais admitiram ainda políticas públicas com critérios socioeconômicos para o ingresso à universidade.
O levantamento identificou os cinco principais argumentos definidos pelo jornal para tratar as cotas: 1 – é arriscado utilizar categorias raciais, pois criam novas injustiças; 2 – o racismo e a desigualdade existem, mas não podem ser combatidos à revelia; 3 – não se pode identificar quem é negro no Brasil, uma vez que se trata de uma nação de mestiços; 4 – políticas públicas educacionais com base em critérios socioeconômicos abarcam negros, a maioria dentre os pobres; 5 – cotas raciais provocam segregação racial, já que ferem princípios republicanos e, por conseguinte, aumentam o racismo.
No caso do jornal O Globo de 2001 a 2009, foram examinados cerca de 940 textos entre cartas de leitores, artigos, editoriais, reportagens, notas, colunas. Segundo o levantamento, a leitura de O Globo concentrou, inicialmente, o foco nas experiências pioneiras da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e da Universidade de Brasília (UNB). Tomadas como modelo, o jornal desconsiderou diferentes ações afirmativas implementadas em demais unidades do ensino superior à época.
Diferente da maiores das universidades que aceitam o critério de autodeclaração na seleção de estudantes cotistas, a UNB entrou em uma polêmica pela instauração da comissão de verificação racial por meio de análise de fotografias dos candidatos – foram mais de 80% no total de matérias no jornal em 2011. A universidade foi objeto de vários textos publicados em O Globo e as comissões de verificação depreciadas, denominadas “tribunais raciais”.
A pesquisa pontuou os três principais argumentos contrários às ações afirmativas raciais mais recorrentes em O Globo no recorte temporal em destaque, nesta ordem: investir no ensino básico como alternativa; cotas raciais desconsideram o valor do mérito individual; e desigualdade socioeconômica entre classes é mais expressiva do que a desigualdade socioeconômica entre grupos raciais.
Para Thales Vieira, coordenador executivo do Observatório, “nossa intenção com a produção desses materiais é mais do que só afirmar a já conhecida resistência da branquitude em ceder a políticas afirmativas de reparação histórica e social. A missão do Observatório é lançar luz sobre essa problemática, questionando o paradigma da branquitude, que ainda é pouco explorado, e trazer para o debate público contribuições que possam sedimentar novos caminhos”.
O boletim está disponível neste link, no site da iniciativa.
Principal dispositivo de acesso ao ensino superior de grupos anteriormente excluídos cumpre papel e é apoiado pela metade da população no ano em que completa uma década de existência
Texto: Ítalo Cosme e Patrick Freitas
A Lei de Cotas completa uma década hoje e tem de passar por revisão este ano. Bem-sucedida, a política teve impacto na inclusão de grupos historicamente excluídos no ensino superior e, hoje, é apoiada pela metade dos brasileiros, conforme o Datafolha. Mas, após o primeiro decênio, já é possível identificar o que pode ser aprimorado. Neste especial de 10 anos, cotistas, especialistas e universidades apontam um rumo para avançarmos.
Na visão de especialistas e universidades, entre os pontos a melhorar estão as políticas de permanência, mecanismos de monitoramento, a fim de acompanhar a trajetória universitária dos cotistas, e a garantia de recursos para a legislação. Enquanto para os beneficiados, o enegrecimento do currículo, a expansão das cotas para pós-graduação e postos de trabalho, a inclusão de vestibulares indígenas, e a equivalência percentual étnico-racial de acordo com cada estado estão como metas a serem alcançadas.
Sob cenário de sucessivos ataques e redução de verbas, as instituições federais de ensino superior têm como maior desafio a permanência do universitário de baixa, que precisa de dinheiro para arcar com os gastos na universitário: material acadêmico, alimentação, transportes e moradia, por exemplo. Relatório Brasil com Baixa Imunidade – Balanço do orçamento geral da União 2019, publicado em 2020 pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), o ensino superior brasileiro perdeu 3,76 bilhões de reais nos cinco anos anteriores. Enquanto isso, houve aumento de 10% no aumento de matrículas no mesmo intervalo de tempo.
A exemplo de comparação, considerando os valores da Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2019 corrigidos pelo Índice Geral de Preços do Mercado (IGP-M) – a Universidade Federal de Viçosa (UFV) teve uma redução de 42,14% em seu orçamento.
Além disso, a instituição sofreu um bloqueio adicional de 14,5% no final de maio deste ano, comprometendo ainda mais o recurso, já insuficiente, do Pnaes. “Para atender a todos os estudantes em vulnerabilidade socioeconômica necessitaríamos do dobro de recursos aportados pelo Pnaes”, informou a UFV em nota.
Como sugestão de revisão, a UFV considera importante que a legislação garanta fontes orçamentárias para viabilizar a permanência do cotista. De forma “que permitam às instituições atuarem na manutenção das condições essenciais de sobrevivência e de acesso a materiais, equipamentos e recursos didáticos.” Para que, com isso, o aluno se dedique integralmente ao processo de ensino e aprendizagem, não se evadindo ao longo de sua trajetória acadêmica.
Pioneira na adoção de cotas entre as universidades federais, o bloqueio na Universidade de Brasília (UnB) representa mais de R$ 18 milhões do orçamento discricionário (aquele que o gestor tem a liberdade de decidir o que fazer). “Isso deve impactar o pagamento de despesas básicas como energia e água e garantir serviços como segurança e limpeza, além de comprar livros, equipamentos de laboratórios e garantir a permanência de estudantes em situação de vulnerabilidade socioeconômica”, destacou a instituição em nota.
“Universidades, que antes deixavam um salário mínimo e meio como teto da renda para receber benefícios, agora baixaram para um salário mínimo, justamente para atender os estudantes em maior dificuldade. Com isso excluímos quem ainda precisa da gente, mas não temos para onde correr”, lamenta a reitora da Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB) , Joana Angélica, e representante da Andifes.
Acácio Sidinei Almeida Santos, coordenador do Observatório de Políticas Afirmativas do Fórum Nacional de Pró-Reitores de Assuntos Comunitários e Estudantis (Fonaprace) e pró-reitor da Universidade Federal do ABC, acrescenta: “podemos afirmar que a Universidade é mais diversa no que diz respeito à presença étnico-racial tratando-se especificamente da população negra e a representação de gênero. Mas, ainda falta a instituição atingir a população indígena e também a população quilombola.”
Continuidade x aprimoramento
Ex-titular do Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos, Nilma Lino Gomes destaca que a avaliação do texto deve ser de continuidade. “A Lei de Cotas 12.711, de 2012, diferente da 12.990, de 2014, que são as cotas para concursos públicos, não estabelece um prazo de vigência, mas sim um prazo de avaliação. Avaliação não implica revisão. Tampouco, a descontinuidade”, ressaltou em audiência na Câmara dos Deputados.
A casa legislativa tem cerca de 40 projetos sobre o tema. Alguns pedem a revogação, como a proposta do presidente da Comissão de Educação na Câmara, o deputado Kim Kataguiri (DEM-SP). O projeto de lei propõe que as cotas sejam destinadas exclusivamente aos estudantes de baixa renda, proibindo a “discriminação positiva para o ingresso nas instituições de ensino com base em cor, raça ou origem”, segundo o deputado.
No entanto, há uma passividade tanto dos partidos de oposição quanto de situação em discutir o tema, seja pelo ano eleitoral, seja pela falta de dados. No estudo “Balanço dos dez anos da política federal de cotas na educação superior (Lei nº 12.711/2012)”, publicado pelo Inep, Ursula Mello e Adriano Souza Senkevics indicam a necessidade de, em primeiro lugar, quantificar, de forma mais definida, quem são os reais beneficiários das vagas reservadas para estudantes de escola pública.
“Uma alternativa para tornar o critério de procedência escolar mais inclusivo seria a ampliação da reserva para alunos que frequentaram, também, pelo menos os anos finais do ensino fundamental em escola pública. “
Para os autores, a reserva de vagas para estudantes de baixa renda é um critério de complexa administração, uma vez que exige múltiplas documentações sobre os rendimentos familiares, tornando mais fácil a omissão de informações relevantes. A sugestão, segundo eles, é aproveitar estruturas já consolidadas como as informações do Cadastro Único.
Em relação às vagas para PPI, a dupla de pesquisadores levanta dois pontos para discussão. O primeiro diz respeito à atualização do critério racial por meio da utilização de dados demográficos mais recentes para garantir a equidade racial nas unidades da Federação. Nas universidades de 10 estados, o porcentual de alunos PPI matriculados é superior ao registrado na UF.
“No cenário de idas e vindas no planejamento do Censo 2020, a adoção de alternativas para ancorar o critério étnico-racial é fundamental, evitando que a referência demográfica para ingresso de PPI nas instituições federais fique tão defasada quanto está se tornando na atualidade”, analisam os autores.
Outro caminho a ser discutido, para Mello e Senkevics, é o de evitar que um candidato dispute a vaga apenas no critério que ele assinalou. Hoje, por exemplo, quando o concorrente indica que quer disputar a vaga que considera renda, raça e onde cursou ensino médio, ele vai concorrer apenas nesta modalidade. Possibilidade com menores distorções, segundo eles, pode ser o de considerar também a concorrência de outras
Para Adriano Senkevics, é necessário entender um panorama macro: como tem mudado o perfil discente de quem frequenta, do ponto de vista de rendimento domiciliar per capita, escolaridade parental, a procedência escolar do aluno tanto no ensino médio quanto no fundamental, por exemplo. Estes pontos estão ausentes no censo do ensino superior.
As bancas de heteroidentificação, adotadas pelas universidades nos últimos anos para evitar fraudes nas vagas reservadas, também podem ser tomadas como parâmetro em caso de revisão. “A questão é como a gente pode, nos próximos 10 anos de vigência da lei, partir da experiência acumulada na última década, para instruir melhor a atuação das comissões em como atuar com mais celeridade”, indica Senkevics.
Ele ressalta a importância de evitar o mau uso da política no ato da matrícula, em vez de arrastar por anos um processo judicial, que às vezes culmina na expulsão de um aluno nos últimos semestres, o que é extremamente ineficaz.
Acompanhamento
Segundo Luiz Augusto Campos, coordenador do Consórcio de Acompanhamento das Ações Afirmativas 2022, parceria entre o Grupo de estudos Multidisciplinares de Ação Afirmativa (Gemaa), da Uerj, e o Núcleo de Pesquisa e Formação em Raça, Gênero e Justiça Racial (Afro), ligado ao Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), a falta de dados parte de dois princípios.
“A gente sabe quem fez o Enem. Mas não sabemos se quem fez foi realmente para a faculdade ou entrou no SISU. O próprio SISU tem uma base muito boa, mas não permite entender quem se formou efetivamente”, analisa. Apesar da boa base de dados que o Brasil construiu ao longo dos últimos anos, pondera, há falta de integração entre elas.
Já o segundo aspecto apontado pode ser o político. Campos analisa que os últimos governos estacionaram e até regrediram em relação à integração da base de dados. Além disso, muitos órgãos utilizam de forma errônea a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) para negar o acesso a essas informações, mesmo com pedidos através da Lei de Acesso à Informação (LAI).
Adriano Senkevics indica que a evolução da discussão deve girar em torno de como integrar e compartilhar melhor as bases de dados, além de permitir que as universidades tenham acesso aos dados do Sisu, para permitir o cruzamento e acompanhamento longitudinal dos mesmos indivíduos.
Assim como o coordenador da Geema, Adriano considera a LGPD como maior entrave para o avanço das discussões. “A interpretação tem impedido articulação maior entre as diferentes bases de dados. Acho que a gente vai precisar rever o entendimento, eventualmente até fazer uma emenda à legislação”.
Ele reitera a necessidade de resguardar o sigilo. “A segurança da informação é fundamental, é um pressuposto das estatísticas oficiais. Mas isso não pode acontecer à custa da transparência e da realização de pesquisas com finalidades públicas. A gente precisa permitir o entendimento da legislação que seja mais propositiva do ponto de vista de produção de conhecimento”, recomenda.
O Gemaa lançou em 2021 a pesquisa “Políticas de Ação Afirmativa nas Universidades Federais e Estaduais (2013-2019)” que afirma que em 2019, as universidades federais ofereceram 263.286 vagas, sendo que 137.934 delas (52%) foram destinadas aos diferentes arranjos de ação afirmativa, com destaque para as cotas raciais (27%), que corresponde a cerca de 37,2 mil oportunidades. Em 2012, ano em que a legislação entrou em vigor, foram ofertadas 30.264 vagas para cotistas de modo geral, incluindo deficientes, por exemplo.
Na reportagem de amanhã, o Site Mundo Negro apresenta as mudanças necessárias indicadas pelos cotistas, que contam suas histórias de luta e resistência dentro do ambiente universitário.
Esta pauta foi selecionada pelo 3.º Edital de Jornalismo de Educação, iniciativa do Itaú Social e da Associação de Jornalistas de Educação (Jeduca).