“É hora de voltar pra casa, trabalhador só quer chegar bem. Infelizmente não tem asas e precisa das ruas e das linhas do trem. A condução está tão cara, conforto é algo que não tem. Mas o trabalhador encara essa rotina sem nunca depender de ninguém”.
Se você é um trabalhador ou trabalhadora, se você é estudante, estagiária, universitária ou esteja em qualquer outra realidade brasileira onde dependa do transporte público, depois de horas estudando e/ou trabalhando, é muito difícil que você não se identifique com os versos de “A Volta pra casa”, música composta, interpretada e produzida por Rincon Sapiência.
A faixa, que faz parte do álbum “Galanga Livre” – que recentemente venceu 3 categorias do Prêmio MultiShow: Artista Revelação, Melhor Produção e Melhor Capa – relata as angustias de homens e mulheres que precisam utilizar o transporte público brasileiro todos os dias. Na letra o MC trata da precariedade deste transporte, da violência urbana, do medo que as mulheres sentem até chegar em casa, do cansaço do estudante que trabalha, vai pra faculdade e volta bem tarde pra casa.
No dia 27 de novembro “A Volta pra casa” ganhou um videoclipe, disponível no YouTube, onde homens e mulheres negras são retratados dentro desta rotina. O vídeo traz um olhar artístico, cuidadoso e delicado para uma realidade dura e, ao mesmo tempo, corriqueira para os que não têm dinheiro para um “carro blindado” e muito menos asas pra voltar pra casa.
Por meio de perfis, a campanha #NegrasRepresentam tem o objetivo de apresentar os pensamentos de mulheres negras em diversas esferas sociais e como suas ações vem propondo mudanças na realidade racial do país.
Se pensar as mulheres negras em espaços diversos já é uma raridade, na tecnologia é mais difícil ainda. Silvana Bahia é Mestre em Cultura e Territorialidades, atua como facilitadora em maratonas como RodAda Hacker e junto a oficinas de empoderamento feminino em novas tecnologias. É idealizadora do PretaLab e Diretora do Olabi, organização que surge com o desafio de alterar essa realidade. Com esses projetos, ela vem pensando como alterar a participação de mulheres negras na tecnologia, tendo como perspectiva gênero e raça e usando para isso a coleta de dados sobre a presença feminina na tecnologia.
Mundo Negro- Qual o impacto que as mulheres negras podem trazer para o setor de tecnologia e inovação?
Acho que mais que tudo a pluralidade de olhares e saberes que aliados à tecnologia e a inovação são capazes de produzir transformações profundas na sociedade.
Mundo Negro – Como você acha que a tecnologia pode influenciar, o lugar que a população negra aspira ocupar no mundo?
Quando falamos em tecnologia ligada ao digital sabemos que esse é um saber muito valorizado no mundo de hoje. O digital está no centro das tomadas de decisões e estratégias que orientam as ações. Nós mulheres negras precisamos estar no dentro desses debates e para isso precisamos entender mais e melhor sobre as tecnologias que estamos nos relacionando a todo tempo.
Hoje quase ninguém escapa das tecnologias e não estou falando de internet apenas, mas também e inclusive da produção de dados que orientam políticas. É fundamental compreender melhor sobre esse universo para que possamos entender mais sobre esse tempo em que vivemos e assim não ser apenas “consumidora” desses aparatos.
Mundo Negro- Ao que você atribui a ausência de mulheres negras e indígenas nos espaços voltados para área de tecnologia e inovação?
Sem dúvida à falta de oportunidades e acessos. Mas ainda sim a gente se reinventa, hackeia, ressignifica, inova e aprender a aprender. Mesmo com a ausência de políticas que considerem a interseccionalidade de gênero e raça nesse campo a gente vem criando, mas precisamos estar cada vez mais por dentro desse debate em busca de mais equidade e oportunidades.
Mundo Negro – Como o Pretalab vem alterando essa realidade?
A PretaLab acredita no protagonismo de mulheres negras e indígenas nesses universos e nesse pouco tempo de projeto, acho que a maior contribuição que estamos vendo está no campo das referências e da inspiração. A gente tem uma pesquisa que será lançada em breve, uma campanha em vídeo com mulheres negras falando sobre suas relações com tecnologia, fizemos alguns workshops, mas eu acho que a maior contribuição que a gente vem construído está no campo da subjetividade, no sentido de perceber no olhar de outras meninas negras a possibilidade de se imaginar sendo o que ela quiser.
Por meio de perfis, a campanha #NegrasRepresentam tem o objetivo de apresentar os pensamentos de mulheres negras em diversas esferas sociais e como suas ações vem propondo mudanças na realidade racial do país.
Jana Janeiro, escolheu ser uma mulher negra que atua pela equidade. Acreditando que a educação transforma e empodera os sujeitos, ela vem reforçando as identidades negras pelos quilombos do Brasil. Formada em Turismo e pós-graduada em Gestão Cultural, ela atua como educadora transversal no Instituto Inhotim formando educadores e instigando esses a ter uma autonomia para além dos muros da escola.
Membro da equipe de pesquisa no campo do patrimônio e comunidades quilombolas, é gestora no projeto sociocultural Batuquenatividade, espaço onde desenvolve ações educativas que visa potencializar o território quilombola e suas tradições.
Mundo Negro: Qual é a estrutura educacional, econômica e cultural dos quilombos hoje no país?
Sabe-se que estrutura formal de educação tantos nos quilombos quanto nos centros urbanos, possuem uma grade curricular engessada e não inclusiva. Mesmo sabendo da Lei 10.639/03 que entrou em vigor em 2003, tornando-se obrigatório o ensino sobre a História e Cultura Afro- Brasileira, não garante um aprofundamento do mesmo. Na perspectiva da economia e cultura, posso falar diretamente sobre a comunidade quilombola mineira na qual estou ligada.
Economicamente essas comunidades vivem do trabalho agrícola como plantações de feijão, milho e verduras orgânicas, esses não conseguem viver usufruindo de cultura quilombola tão rica e forte. Grande parte destes procura emprego na sede do município ou nas áreas de mineração, turismo e comércio.
Mundo Negro – As ações afirmativas conseguem abarcar as necessidades das comunidades quilombolas, em especial quando se fala de educação e cultura? Quais os desafios deste modelo de educação?
Não. E por conta disto, tentamos através do projeto sociocultural Batuquenatividade, atuar pela educação através da música. Hoje acredito que ele abarca um leque maior de atividades educativas que permeiam as artes e a literatura e claro o crescimento compartilhado destas comunidades tão marcantes. Acreditamos que por meio das ações educativas não-formais promovemos a sensibilização dos participantes , valorizando as tradições e instigando a descoberta do mundo contemporâneo esse é o grande desafio.
Mundo Negro – Como seus projetos e atuação vem contribuindo para o fortalecimento e empoderamento destes?
Atuamos no incentivo e promoção da educação ambiental e artística, através de ações que abrangem para além dos muros da escola. Nosso empoderamento busca instigar os sujeitos envolvidos. Procuramos que pinceis e tintas podem sim, serem utilizados em suportes não tradicionais. Para nós, a arte pode estar nos muros e lixeiras, com fizemos no Rua Colorida apropriando dos espaços públicos. Em ações com o Pé de Lê, onde os livros são pendurados nas árvores e os participantes são incentivados a “colher” conhecimento.
O projeto hoje possui a Biblioteca Quilombê, espaço literário onde temos aproximadamente 100 exemplares de livros infantil, juvenil e adulto com a temática negra e/ou de autores negros, a comunidade pode ser re-conhecer nesse acervo literário. Acreditamos que o conhecimento transforma e dar poder de escolha e desperta a criatividade. Afinal, como diz Nelson Mandela “A educação é a arma mais poderosa que você pode usar para mudar o mundo”.
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Lua Nascimento ou Luanda Maat, atuou por mais de 15 anos em coletivos estudantis e de juventude negra, coordenou o Fórum de Juventude Negra do Rio de Janeiro. Atualmente desenvolve projeto de introdução da Yoga Afrikana do mestre Pablo Imani. É palestrante de minicursos, rodas de conversa em Estudos Africanos, em especial Afrocentricidade e Mulherismo. Vem se especializando em afro empreendedorismo e é idealizadora da plataforma ÁfricaNaCidade que tem como objetivo fomentar o ecossistema afro empreendedor e seu financiamento/colaboração comunitários.
Em dezembro participa da exposição “Black Women: Presence and Power” pela Universidade Estadual de Nova Iorque no campus de New Paltz. Lua vem se consolidando como Consultora em Gestão Estratégica e de Projetos e Gestão do Conhecimento centrado na cultura como vantagem competitiva
Mundo Negro- Qual a vantagem competitiva da cultura, quando se fala de povos negros?
A cultura nos termos estabelecidos pelo grande pensador Cheikh Anta Diop e tantos outros autores e autoras à exemplo de Marimba Ani de ascendência africana, é não somente a fonte de definição dos traços civilizacionais de origem de um povo, mas também do nosso sistema imunológico. Desta forma, elevar a cultura a fusão de referência de princípios e valores peculiares aos elementos da criação e da inovação é o ponto para se pensar novas realidades possíveis. Com todo o debate presente sobre empreendedorismo, cidades do futuro, e novos modelos econômicos e sociais como economia colaborativa, startups, tecnologias disruptivas ou realidade aumentada e etc. É importante que as culturas da diáspora africana, naturalmente empreendedoras por necessidade de sobrevivência possam colorir estas perspectivas e situar muitas destas medidas de inovação. Essa é a maior vantagem competitiva, nossa ancestralidade cultural vencida pela colonialidade.
Mundo Negro- Como a Plataforma Áfricanacidade, pretende melhorar o ambiente afro empreendedor?
A plataforma África Na Cidade entra neste contexto como um projeto enzimático, ou seja, que pretende mapear, visibilizar e estimular a cooperação natural entre iniciativas nas mais diversas cidades, começando pelas do nosso país, a pensar a sistematização metodológica de suas tecnologias sociais disruptivas para multiplicação, simbiose e geração de novos projetos que possam impactar positivamente a comunidade negra em cada localidade. O ecossistema afro empreendedor ainda engatinha pelos sabidos problemas do passivo histórico, mas também do racismo institucional que dificulta o desenvolvimento do empreendedor de ascendência africana. Por exemplo, os empreendedores negros apesar de serem maioria no Brasil segundo SEBRAE hoje tem até 3x mais chance de terem pedidos de investimento negados. Ao participarem de acelerações, pitchs e afins têm dificuldade de captar e receber investimentos pois geralmente os valores de quem tem o capital não se alinham com as propostas carregadas de compromisso ético comunitário que nossas iniciativas têm.
E assim vamos ficando para trás, mesmo sendo os criadores das indústrias culturais mais aclamadas como o carnaval que hoje gera um lucro astronômico que não se reverte em nenhuma melhoria para a comunidade de onde se origina.Precisamos de soluções que estimulem o black money, a colaboração técnica negra e viabilize o nós por nós na prática do dia a dia dos fazedores e fazedoras pretos e pretas. É este o propósito da plataforma, romper com a narrativa simbólica e material eurocêntrica das cidades como espaços de re existência principal da diáspora africana contemporânea.
Mundo Negro- Qual o papel da Sociedade de Mulherismo Africana para as mulheres negras no Brasil?
A Sociedade de Mulherismo Africana que hoje caminha para ser uma Sociedade Matriarcalista Africana é um projeto que se iniciou cerca de 2 anos atrás pela idealização das irmãs Kaka Portilho e Marina Miranda as quais me juntei uma vez que pesquiso independentemente estudos africana há cerca de 4 anos. O papel da sociedade, vai além de impactar a vida das mulheres negra. Seu papel é impactar toda a comunidade negra, a partir do entendimento e prática ancestral do papel central da agência feminina preta no desenvolvimento social.
Como bem sabemos a mulher de ascendência africana, teve e tem uma participação majoritária e indispensável para os principais movimentos econômicos e sociais que mantiveram a população negra de pé, então o que a sociedade faz é sistematizar e apresentar de forma explícita este pretagonismo feminino que aglutina e fortalece todo o povo negro.. É uma forma de afirmar a cultura como esta vantagem competitiva que o povo africano tem, de resiliência, cooperatividade, matriarcalidade, abundância, espiritualidade e holismo, hoje tão festejados pelos principais fenômenos de inovação seja tecnológica, social ou econômica da sociedade dominante. Ancestralidade africana é então a maior inovação.
Por meio de perfis, a campanha #NegrasRepresentam tem o objetivo de apresentar os pensamentos de mulheres negras em diversas esferas sociais e como suas ações vem propondo mudanças na realidade racial do país.
Mesmo que tenhamos abolido a escravidão física e demais instrumentos de tortura. Ainda conseguimos detectar na sociedade, diversas posturas cuja a escravidão e desumanização negra continua se repetido por séculos. Andréa Campos, é uma destas profissionais que na área do direito atua para alterar esta realidade.
Advogada especialista em Direito do Trabalho e Empresarial, ela vem contribuindo via comissão de Direitos Humanos e mulher espaços que atuou na OAB do Rio Grande do Sul, para que através do uso do direito se possa eliminar as desigualdades raciais presente nas práticas de racismo. Ativista da área jurídica, ela luta pela responsabilização do Estado diante de sua conduta omissiva frente a violência policial e vitimização dos negros no Brasil, desvalorização da cultura e dificuldades de inserção no mercado de trabalho.
Mundo Negro – Qual a diferença entre racismo e injúria racial? Em que casos esses dois atos discriminatórios podem ser identificados?
Injúria racial e o racismo são crimes previstos pela legislação brasileira. A injúria racial está definida pelo artigo 140 Código Penal, parágrafo terceiro, enquanto que o racismo tem uma lei própria, a Lei 77.161, de 05 de janeiro de 1989. Além da ação penal, a injúria racial pode suscitar um processo cível e cabe indenização. Podemos dizer que a diferença entre a Injúria Racial e o Racismo é o direcionamento da ação: na Injúria, são palavras proferidas a um indivíduo de cor ou etnia diferentes, como no exemplo de chamar um indivíduo negro de macaco, ou de “ negro sujo “. Já o racismo é um ato de discriminação que afeta todo um grupo social, como, por exemplo, impedir um negro de entrar em determinado estabelecimento comercial ou de diversão.
A ação pode ter sido individual – um negro foi impedido de entrar – mas se estende a todos os demais membros daquele grupo – se um homem negro ou uma mulher negra foi impedido por racismo, nenhum outro indivíduo negro vai poder entrar também. Os dois são crimes, mas existem diferenças nas queixas. Enquanto o crime de racismo não prescreve – uma vez cometido, depois de publicada a lei, pode-se ser condenado mesmo muitos anos depois – já a injúria racial prescreve em 08 anos.
Mundo Negro- O racismo anula ou diminui os direitos das pessoas discriminadas quando se pensa na área trabalhista?
Não tenho dúvidas de que o racismo e todas as formas de discriminação afetam em grande proporção os direitos humanos das pessoas que são discriminadas. Embora tenha atuado pouco em processos referente a discriminação racial no âmbito trabalhista, é marcante a diminuição dos direitos daqueles que são discriminados por sua cor de pele.
Estamos falando de situações que costumam acontecer nos locais de trabalho quando o homem negro ou a mulher negra são preteridos para alguma tarefa ou cargo. Existem formas veladas de se discriminar as pessoas no ambiente de trabalho por causa de sua cor ( olhem onde você trabalha e veja onde esses estão) e infelizmente também existem discriminações mais agressivas, como por exemplo quando em uma empresa, se recusa a colocar determinado funcionário em um setor por esse ser negro(a). Essas posturas fortalecem o paradigma de que o negro só pode estar vinculado a trabalhos menos especializados.
Mundo Negro- Como você acha que a Justiça do Trabalho , tem se posicionado em relação às ações recebidas que abordam a questão da discriminação racial?
Não podemos esconder o sol com a peneira. Apesar dos avanços, nosso judiciário ainda é moldado pelos paradigmas de uma sociedade onde o negro ainda aparece vinculado ao trabalho mais pesado, menos qualificado, uma infeliz herança do período da escravidão. Quanto as questões raciais recebidas no âmbito trabalhista, fiz uma pesquisa breve e não encontrei muitas abordagens quanto ao tema. Isso não quer dizer que elas não aconteçam, mas que as pessoas não são estimuladas a denunciar . Infelizmente há esta negativa de que existe discriminação racial em nosso país , embora nós negros passamos por várias situações deste TIPO DE CONDUTA.
Eu mesma quando trabalhei em uma empresa como advogada, quando cheguei para trabalhar no meu 1 º dia ouvi a seguinte expressão, “ chegou o navio negreiro”. É muito difícil comprovar este tipo de preconceito e desta forma, ele continua sendo invisibilizado em nossa sociedade. Nosso judiciário não tem a menor sensibilidade para tal e é a chegada de mais advogados negros que fará essa mudança.
Por meio de perfis, a campanha #NegrasRepresentam tem o objetivo de apresentar os pensamentos de mulheres negras em diversas esferas sociais e como suas ações vem propondo mudanças na realidade racial do país.
A área de Jornalismo é um setor que embora haja mulheres com visibilidade, ainda não é um espaço onde as profissionais negras transitam com naturalidade. Fernanda Bastos é uma destas que vem furando esse bloqueio, e mostrando como a presença destas faz a diferença. Além de sua paixão pela comunicação, ela tem uma ligação forte com a literatura, onde pesquisa literatura de autoria negra.
Atualmente leciona Português no coletivo de educação popular, Território Popular espaço que considera uma experiência maravilhosa pela troca e aprimoramento que esse traz. Com trabalhos na área politica e setores privados, Fernanda foi comentarista de cinema e literatura, editora e repórter de programas jornalísticos na Cultura FM. Na TVE, apresentou o “ TVE Esportes” e atualmente é repórter do “ programa Nação”, referência na abordagem da cultura afro-brasileira exibido na TVE e TV Brasil.
Mundo Negro-Quem é a Fernanda Jornalista? O que você acha que mudou no perfil dos profissionais desta área?
Tenho procurado atuar em áreas mais próximas dos temas do meu interesse. Primeiro por ser no ambiente masculino e duro, como o político, que me aperfeiçoo e percebo que marcações como as de gênero e de raça determinam como seremos tratadas em espaços de poder. Lembro de frequentar a Câmara Municipal, onde fui setorista por bastante tempo, e ser a única negra em condição de poder tratar de igual para igual com os parlamentares. Na Assembleia Legislativa acontecia o mesmo, bem como no Palácio Piratini. Percebi que a minha presença desestabilizava muitas pessoas que não entendiam como uma pessoa negra poderia estar ali, circulando como elas, sem estar necessariamente servindo-as.
Desde que comecei a trabalhar como comentarista de cinema pela FM Cultura e apresentadora do TVE Esportes pela TVE, observo que o retorno das pessoas é muito carinhoso. O público tem essa demanda de se ver representado e o programa como “ Nação” que trabalha especificamente com a abordagem da cultura afro-brasileira, demonstra isso. Nossas temáticas, nossas vozes e nossas cabeças, além de nossa imagem, vem sendo apagadas da TV. Isso causa trauma no público, que não se vê. Sou gratas a todas que vieram antes de mim. Eu sou uma jornalista que ouviu desde cedo, em casa ainda criança, que era necessário trabalhar e ser três vezes melhor – como na canção dos Racionais MCs. Por isso, tenho tentado me aprimorar e ser a melhor profissional possível aonde quer que eu esteja.
Mundo Negro- Em sua opinião, se não vemos muitos jornalistas negros na TV, a culpa é de quem?
Uma recente pesquisa com as 500 maiores empresas do País mostrou a dificuldade de os negros ocuparem cargos de chefia. E não é por falta de formação, é um dos efeitos do racismo institucional. Temos a mesma formação, mas não conseguimos os cargos e os salários mais altos. E quem decide quem são as negras que vão para o ar, são as chefias. Já tive um editor-chefe negro, e agora trabalho com uma diretora negra (a grande Vera Cardozo), mas me sinto privilegiada, pois sei que no mercado dificilmente encontramos pessoas negras ocupando cargos de chefia.
Também observo que boa parte dos meus colegas negros é rotulado como “o jornalista negro” de tal veículo. Dificilmente estamos fazendo cobertura política ou de temas considerados “mais sérios”. Muitos colegas jornalistas têm mudado isso através de muito trabalho e enfrentamento, como a Flávia Oliveira e a Luciana Barreto, mas ainda temos pouca representatividade. Além da representatividade, tenho mencionado sempre a questão dos temas. Porque quando os negros não ocupam os espaços de produção de conteúdo, como na definição das pautas, reportagem e chefia, nossos temas e demandas não chegam na tela.
Temos que ter muita atenção para isso.Não basta apenas contratar uma repórter negra para dizer que está tendo pluralidade se impedir que pautas que dizem respeito à comunidade negra seguirem silenciadas. Também é necessário que não enquadrem apenas o jornalista negro para fazer essas nessas pautas. Fazemos com muito gosto, mas os colegas têm que entender que propor ou fazer uma pauta como de saúde da população negra é um dever de todos.
Mundo Negro –Como seu trabalho e atuação vem contribuindo para que possamos ter uma realidade um pouco diferente?
Em todos os veículos que trabalhei, devido ao número pequeno de jornalistas negros, minha presença em si só já representava algum tipo de enfrentamento. Por outro lado, notei que a partir da minha presença e minha atitude muitas vezes de cobrança passaram a ocupar mais espaço nos noticiários algumas pautas caras ao movimento social negro, como o genocídio da população negra e o enfrentamento à violência contra a mulher. Também é importante pensar que, quando ocupamos espaço na mídia, podermos sugerir fontes negras, bem como a cobertura de atividades de artistas, pensadores e pesquisadores negros e negras. Isso não é só positivo para a comunidade negra, pois também o veículo de comunicação sai ganhando com a pluralidade de vozes e uma representação mais próxima da realidade do povo brasileiro.
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Historiadora destas que trazem a tona, as identidades invisibilizadas principalmente a partir do que esses não são. Flávia Rocha é mestre em linguagem e identidade, professora e coordenadora de um dos cursos da Uniafro e ativista plena de uma educação que resgate as identidades. Estamos falando de uma resgatadora de histórias negras, cuja atuação impacta principalmente em temas como: educação étnico-racial, historiografia acreana e análise do discurso. Reintroduzindo os valores e memorias negras nestas áreas, ela vem contribuindo para a reconstrução da história negra e a retraçando os caminhos esquecidos ou invisibilizados.
Mundo negro- Qual o papel da escola na discussão sobre as relações étnico raciais?
A escola tem papel primordial na discussão sobre as relações étnico-raciais, uma vez que é neste espaço que as mentalidades são primordialmente construídas e fortalecidas sobre conceitos, relacionamentos sociais, dentre outros princípios que podem contribuir para gerar relacionamentos respeitosos, mesmo com a diversidade na qual estamos todos inseridos. Bem como, a falta de educação étnico-racial no ambiente escolar também contribui para a propagação do racismo, para o fortalecimento e a naturalização das desigualdades e as discriminações raciais.
Mundo Negro – Você coordena um dos cursos da Uniafro. Como vê a aplicação da 10.639/03 e da lei 11.645/08 nas escolas? Ela está, efetivamente, sendo colocada em prática?
A aplicação das Leis 10.639/2003 e 11.645/2008 ainda estão muito longe de serem devida e amplamente aplicada, uma vez que a referida legislação não veio com os devidos incentivos para formação de professores e formação de profissionais da educação no geral. Os próprios materiais didáticos produzidos ainda não têm muita divulgação e nem existem em quantidade suficiente para que as escolas os usem em favor de uma educação antirracista.
Mundo Negro- O que você percebe de mudança no discurso social desde aplicação da lei?
Bem pouca e de caráter muito superficial. O discurso da comunidade escolar com relação ao negro, sobretudo com relação ao aluno negro ainda é extremamente discriminatória e as práticas racistas ainda são muito violentas. Entretanto, como temos em nosso país o mito da democracia racial, que tem como uma das características o “racismo cordial”, estas práticas, embora humilhantes e desumanas, se manifestam em forma de brincadeiras e numa cruel descontração.
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Dizem que a arquitetura é o jogo sábio, magnífico e correto onde as fantasias e sonhos ganham vida. É através deste que se engenha e arquiteta futuros, tendo como base os sonhos e fantasias. Esse é o desafio constante de Thaise Machado Arquiteta Urbanista, design de interiores e Criadora de Projetos como Negra Ativa, Coletivo Três Tons de Preto além de Produtora Cultural.
Ativista desde período universitário, foi fundadora do Coletivo de Negritude da FeNEA (Federação Nacional de Estudantes de Arquitetura e Urbanismo).Desejando ampliar ainda mais sua voz e inquietudes cria o seu blog pessoal Negra Ativa, onde pauta as demandas da população negra, indígenas e grupos marginalizados, tendo como foco mulheres negras. Mundo Negro – Qual o seu olhar sobre o mercado e a carreira de produção cultural voltado para os segmentos negros no Brasil?
Hoje o protagonismo de Produtores Culturais negros, vem crescendo cada vez mais. Não podemos deixar de atribuir esse crescimento, ao acesso a informação e as ferramentas de captação de recursos. Vivemos em um período de grande avanço, já que podemos desenvolver projetos de forma autônoma e sem auxílio externo. Antigamente artistas negros não tinham muita autonomia na criação e gerencia para execução de suas obras/eventos, visto que esse conhecimento não chegava a nós. Hoje essa realidade mudou, felizmente!
Mundo Negro- Como está sendo produzir campanhas com a temática Negra?
Em um estado de colinização alemã e italiana, qualquer afirmação negra é uma conquista. Produzir conteúdo para a nossa população, é transbordar a cada evento. Transbordar afeto, dores, alegrias, ritmos e sorrisos. É enriquecedor! A cada evento saio com um aprendizado novo. Fora a troca de vivências, que isso dinheiro nenhum pode comprar!
Mundo Negro- Você atua com projetos bastante interessantes, quando começou esse amor pela área de produção cultural?
Após concluir a graduação em Arquitetura e Urbanismo, começei a estudar sobre produção cultural. Acredito que o amor maior, tenha vindo do fato de sempre está inserida no meio artístico. Isso fez com que a paixão por produção cultural, fosse aumentando e fazendo com que eu começasse a dar meus primeiros passos. Minha primeira produção foi um ensaio fotográfico com mulheres negras,neste queria enfatizar a existência de pessoas negras na região Sul do País. Essas mostraram uma beleza única que através da página “ Negra Ativa”, ganhou proporção internacional. Enquanto mentora da mesma, foi um momento de grande alegria.Ver mulheres negras estampadas com a dignidade que merecem.
Mundo Negro- O que te torna entusiasta de projetos tão diversos? Quais gostaria ainda de desenvolver?
O que me estimula a elaborar projetos que tenha como base a população negra, é poder quebras padrões impostos pela sociedade. Criar eventos com temáticas que contemplem a todos, e não uma pequena parcela é de uma riqueza que mostra o que o brasil tem de melhor, sua diversidade de possibilidades.
Eu gosto da diversidade, das várias formas de percepções. O senso comum me incomoda, é muito estático e sem cor. Quero poder trabalhar de forma afetiva, com grupos que precisem de mais espaços. Colocar esses em primeiro plano, mostrar a especificidade de cada ser. Em 2018 isso irá acontecer, podem esperar!
“Nos emocionamos vendo uma senhora negra subindo as ladeiras de Santa Tereza só para ver nosso trabalho”. Noemia Oliveira descreve com muita alegria suas percepções sobre os convidados de todas as origens e idades, que prestigiaram as mostras fotográficas do Projeto Identidade a qual é uma das idealizadoras e curadora juntamente com Orlando Caldeira, desde o final de 2014. O projeto, que já teve duas exposições, se baseia no enegrecimento de personagens clássicos da literatura, cinema e cultura pop, que são originalmente brancos.
Projeto Identidade (clique a para ampliar)
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Idealização e Curadoria: Noemia Oliveira (@nonoemia ) e Orlando Caldeira (@orlandocaldeira )
Produção Executiva: Drayson Menezzes, Noemia Oliveira e Orlando Caldeira
Vídeo: Marcela Rodrigues
Assistente de Produção: Drayson Menezzes
Foto: Faya
Assistente de fotografia: Luiz Brown
Creative Retouch: Raphael FS
3D: Felipe Eckhardt
Figurino/ Concepção Visual: Hebert C. Correia e Fabi Costa
Caracterização/ Maquiagem: Paula Cris
Maquiagem: Aline Oliveira
Cabelo: Luz Pereira .
Com uma equipe majoritariamente negra, o PI tem a produção executiva de Drayson Menezzes e contou com a colaboração de muitas celebridades como Sheron Menezzes, Lellezinha, Juliana Alves, Ruth de Souza e Milton Gonçalves. Guilherme Silva e Faya foram os fotógrafos que fizeram o registro histórico, que resultou em 30 fotos impecáveis.
Felizmente não se trata de blackface. Eles convidaram pessoas negras e as caracterizam como Mulher Maravilha e Chaplin, por exemplo, mas sem perder seus traços negros. “A Lellezinha fez uma foto com a gente e fizemos questão que ela usasse o cabelo bem armado. A gente não afina o nariz, não expomos o corpo das mulheres fotografadas, mantemos as características natural dos atores. Temos muito cuidado com isso. Também nunca teremos personagens que são empregados ou escravos”, explica Noemia.
“Precisamos de projetos de auto-afirmação para sabermos que somos bonitos. Para gente o protagonismo negro tem que ter pessoas negras, sempre, então escolhemos pessoas como a gente e que falam a nossa língua”, destaca Noêmia.
Estudo, suor e resistência
“De 2016 para cá nós tentamos voltar, mas não conseguimos. Fizemos questão de fazer fotos grandes e empoderadas, mas tivemos dificuldades em encontrar pessoas que valorizassem nosso trabalho como uma exposição de arte, com todas as suas demandas.” Eles receberam propostas, conforme conta Noemia, mas nenhuma contemplava as especificidades de uma exposição fotográfica, como iluminação e adaptação de espaço.
“Estamos agora numa tentativa de voltar com a exposição, por que hoje as pessoas falam mais sobre racismo e representatividade nas redes sociais, que são o nosso tema”, detalha.
Noemia Oliveira e Orlando Caldeira (Foto: Divulgação)
O Projeto Identidade também é fruto da rejeição que Noemia e Orlando, enquanto artistas. “Nós somos atores e a ideia do projeto surgiu, primeiramente das nossas experiências pessoais, dos tantos nãos que tivermos que ouvir, por conta dos personagens que não nos cabe por conta da nossa melanina. E a gente queria muito falar sobre isso. Sobre quais os papéis que nós podermos fazer. Partimos desse princípio de como transformar esse absurdo que a gente viveu, em arte”.
Eles buscaram referência na literatura e estudaram o Teatro Experimental do Negro. “O Abdias é uma grande representação para gente e uma frase que a gente leva é: até quando nós vamos retratar um Brasil que não é nosso? Por que não um Antígona ou Hamlet negro?”.
As fotos trazem essas questões para a atualidade e as fotos são em maioria, de personagens comtemporâneos, como Superman ( Taiguara Nazareh), Frozen (Juliana Alves) e Harry Potter (Maicon Rodrigues).
Se adultos se encantam em ver rostos reais negros como ícones pop, para as crianças a experiência vai além. “Eu lembro de um menino que viu a nossa foto do Frozen e única coisa que ele disse que estava errada era a cor do cabelo, que originalmente é branca”. descreve Noemia.
Graças a projetos como esse, crianças negras se sentem representadas no mundo da arte e fantasia, assim como as brancas se sentem desde sempre. E o impacto disso a longo prazo é no mínimo uma dose extra de autoestima.
Até os dias de hoje a homossexualidade é crime, punível com prisão em Uganda! Em 2010 um jornal ugandense, chamado “The Rolling Stone”, publicou uma lista com 100 nomes de homossexuais e incitou seus leitores a enforcar os mencionados. Baseando-se neste episódio, e em outros com o mesmo teor homofóbico, o roteirista britânico Chris Urch deu vida a peça “O Jornal – The Rolling Stone”.
Lázaro Ramos e Kiko Mascarenhas
A montagem que estreou em 2015, em Londres, agora aterrissa no Teatro Poeira, no Rio de Janeiro. No Brasil Kiko Mascarenhas e Lázaro Ramos são os produtores da peça, além de ocuparem a direção e codireção, respectivamente. O elenco é formado pelos atores: André Luiz Miranda (Joe), Danilo Ferreira (Dembe), Heloísa Jorge (Mama), Indira Nascimento (Wummie), Marcella Gobatti (Naome) e Marcos Guian (Sam).
A peça conta a história de um amor proibido que acaba por afetar a vida de todos ao redor. Após a morte do pai, três irmãos – Joe, Dembe e Wummie – precisam reconstruir suas vidas.
Joe se prepara para ser reverendo enquanto Dembe e Wummie estudam para progredir diante da desigualdade. Dembe conhece Sam e eles se apaixonam. Condenados pela lei, pela sociedade e pela religião, eles terão de optar entre se separar ou arriscar a própria vida para viver esse amor.
Danilo Ferreira (Dembe) e Marcos Guian (Sam)
“O Jornal – The Rolling Stone” está em cartaz desde o dia 3 de novembro de 2017 e vai até o dia 25 de fevereiro de 2018 – de quinta a sábado, às 21h, e domingo às 19h, exceto feriados de Natal, ano novo e carnaval. No Teatro Poeira – Rua São João Batista, 104, Botafogo, Rio de Janeiro (RJ). Ingressos R$80 inteira e R$40 meia, à venda na bilheteria do teatro ou pelo site www.tudus.com.br.