Diretor artístico de ‘Volta Por Cima’ celebra avanço da representatividade na TV: “Estamos realizando esse desejo”

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Diretor artístico de ‘Volta Por Cima’ celebra avanço da representatividade na TV: “Estamos realizando esse desejo”
Jéssica Ellen, André Câmara e Fabrício Boliveira (Fotos: Rede Globo/Divulgação)

Misturando referências inspiradoras, ‘Volta Por Cima’, novela das 19h da TV Globo, está sendo sucesso de audiência e também tem chamado atenção por retratar fielmente o subúrbio do Rio de Janeiro e por ter o trama amorosa envolvendo protagonistas negros, com a Jéssica Ellen, Fabricio Boliveira e Amaury Lorenzo.

“Acho que uma produção como ‘Volta Por Cima’ é um belo exemplo de avanço no quesito da diversidade, com histórias que exploram diferentes regiões, personagens de variadas origens que são tratados com profundidade e protagonismo. Procuro subverter o imaginário que coloca pessoas pretas apenas em papeis de servidão, submissão ou marginalidade — uma herança colonial que precisa ser desconstruída”, celebra André Câmara, diretor artístico da novela, em entrevista ao Mundo Negro.

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André também já trabalhou em outras novelas da Globo como ‘Avenida Brasil’ (2012), ‘Boogie Oogie’ (2014), ‘Novo Mundo’ (2017), e também foi diretor artístico de ‘Amor Perfeito’ (2023), que também contou com elenco negro com destaque na trama.

“Quando dirigi ‘Amor Perfeito’, a atriz Iza Moreira mencionou a importância de termos mais casais afrocentrados protagonizando na TV, e eu concordei plenamente com ela. Naquele momento, porém, não era possível porque a história não era focada em um casal afrocentrado. Mas, ‘Amor Perfeito’ foi fundamental para que hoje pudéssemos abrir espaço para novas representações. Agora, com ‘Volta Por Cima’, estamos realizando esse desejo, trazendo protagonistas negros para o centro da narrativa”, explica André Câmara.

Leia a entrevista completa abaixo:

1 – Qual foi a inspiração para a concepção artística de “Volta Por Cima”?

Buscamos captar o espírito dos subúrbios cariocas para dar vida a esse cenário: cores intensas, o calor e a energia comunitária. Também trouxemos referências do cinema e das artes plásticas. No cinema, Almodóvar foi uma grande influência, especialmente em sua paleta vibrante. Nas artes plásticas, o trabalho de Zeh Palito, com seus murais celebrando “pessoas do povo” em ambientes repletos de cor, otimismo e positividade, foi essencial. Nosso diretor de arte, Billy Castilho, trouxe Zeh Palito como uma referência para a novela, traduzindo o visual do subúrbio com detalhes que remetem ao calor e à vida cotidiana. A mistura de influências cria um cenário fictício que, ao mesmo tempo, é imediatamente familiar e reconhecido para o público.

2- Como você vê a importância de protagonizar um romance negro em horário nobre, e qual tem sido o impacto dessa representatividade no público?

O Chico, personagem do Amaury Lorenzo, é um antagonista romântico. Mas, isso não tira a importância de termos três atores negros no centro da narrativa da novela. Certamente isso representa um avanço na construção de uma televisão mais inclusiva e genuinamente brasileira. É uma oportunidade de contar histórias de amor e humanidade que também pertencem a esses personagens, ampliando as perspectivas sobre a identidade brasileira, diretamente ligada ao público. Cada passo nessa direção é transformador e nos ajuda a repensar lugares historicamente impostos às pessoas negras. Além disso, é um grande prazer trabalhar com a Jéssica, o Fabrício e o Amaury Lorenzo, que são três artistas talentosíssimos – não somente eles, mas todo o elenco está fazendo um trabalho incrível, que contagiou o público.

O retorno tem sido extremamente recompensador. Um comentário que me emocionou foi o de uma mãe, que disse que, ao ver o casal protagonista, sentiu que sua filha podia sonhar em ser heroína da própria vida. Outra mãe contou que, após muito tempo, sua filha decidiu soltar o cabelo para se parecer com Madalena. Esse tipo de conexão é muito poderosa, lembrando a importância de uma televisão que dialogue com um Brasil onde 56% da população é negra. Acredito que o público de hoje quer se ver bem representado na tela, se reconhecer, se inspirar e sonhar.

3 – Na sua visão, qual é o papel de uma novela como “Volta Por Cima” na promoção da diversidade racial e social?

Acho que uma produção como “Volta Por Cima” é um belo exemplo de avanço no quesito da diversidade, com histórias que exploram diferentes regiões, personagens de variadas origens que são tratados com profundidade e protagonismo. Procuro subverter o imaginário que coloca pessoas pretas apenas em papeis de servidão, submissão ou marginalidade — uma herança colonial que precisa ser desconstruída.

Além da presença marcante de personagens negros, temos outras representações na novela: personagens asiáticos, entre eles alguns que são descendentes de coreanos, japoneses e chineses. Também temos um indígena, o Sidney. Entendemos que o Brasil é plural e também precisamos avançar nas representações de outras etnias. Ao abrir espaço para narrativas variadas e investir em estéticas brasileiras, como a da novela, a TV se torna um reflexo mais autêntico da sociedade. E a presença de profissionais negros, amarelos e indígenas em papéis criativos é essencial para que essas representações reflitam melhor o Brasil.

André Câmera (Foto: Divulgação)

4 – Ao longo da sua carreira, você trabalhou em produções com diferentes estilos e narrativas. Como a sua experiência em obras como “Amor Perfeito” e “Lado a Lado” influenciou a abordagem em “Volta Por Cima”?

Quando dirigi “Amor Perfeito”, a atriz Iza Moreira mencionou a importância de termos mais casais afrocentrados protagonizando na TV, e eu concordei plenamente com ela. Naquele momento, porém, não era possível porque a história não era focada em um casal afrocentrado. Mas, “Amor Perfeito” foi fundamental para que hoje pudéssemos abrir espaço para novas representações. Agora, com “Volta Por Cima”, estamos realizando esse desejo, trazendo protagonistas negros para o centro da narrativa.

“Lado a Lado” também foi uma obra que levou muito da cultura negra e é particularmente interessante pois, como foi retratada no início do século XX, foi como uma oportunidade de mostrar uma parte da história que não é tão contada: a afirmação da cultura negra no Brasil após o fim da escravização. Com isso, vários elementos como a importância cultural da capoeira, do Morro da Providência, o nascimento das favelas, o surgimento do samba e a introdução do futebol, foram inseridos na narrativa. Então, vejo “Lado a Lado” como um trabalho que conversa muito pela parte da valorização cultural negra que “Volta Por Cima” também traz com a representação contemporânea do subúrbio carioca.

5 – A novela tem sido um sucesso de audiência. Como o público tem reagido ao retrato da cultura e dos desafios da população negra e periférica do Rio de Janeiro?

Tenho recebido muitos retornos positivos. Claudia Souto foi muito feliz ao criar essa novela protagonizada por pessoas do povo, o que permite que o público se sinta representado. Já ouvi muitos dizerem que se reconhecem na novela, que enxergam um parente ou até mesmo um vizinho nas histórias.

6- Além de ser diretor artístico, você também atuou em iniciativas sociais importantes no teatro, como no Complexo da Maré e Morro dos Prazeres. De que maneira essas experiências impactam o seu trabalho e sua visão sobre a representação das comunidades nas novelas?

Minha experiência em favelas, como no Complexo da Maré e no Espaço de Construção da Cultura da Ação da Cidadania – que atendia criança e adolescentes do Morro dos Prazeres, Coroa, Fallet e Santo Amaro, todas favelas adjacentes a Santa Teresa -, me proporcionou uma visão mais profunda sobre a força, a riqueza e a diversidade cultural que existem nesses espaços. Esses lugares são centros vivos de arte, cultura, resistência e criatividade. O trabalho com crianças e jovens dessas comunidades me ensinou a importância de respeitar a autenticidade das histórias e das pessoas e de representar suas vivências de forma humanizada e verdadeira.

Essa convivência moldou minha visão sobre a relevância de dar voz a personagens e histórias do “povo”, como uma maneira de refletir o Brasil em toda a sua complexidade. No meu trabalho, sempre busco priorizar uma representação que mostre a beleza e a profundidade de personagens que vivem e crescem em espaços semelhantes. Essas experiências foram fundamentais para minha trajetória, incentivando-me a criar narrativas que ressoem com o público e que levem à tela uma visão inclusiva e realista da nossa sociedade.

Jéssica Ellen e Fabrício Boliveira em ‘Volta Por Cima’ (Foto: Rede Globo/Divulgação)

7- Como o subúrbio carioca e a cultura preta foram trabalhados para retratar uma representação fiel e autêntica? Quais foram os maiores desafios na produção de uma novela que propõe uma visão mais realista e empoderada da vida no subúrbio carioca?

O maior desafio é criar uma conexão genuína do público com os personagens e elementos da novela. Acredito que “Volta por Cima” se diferencia pela forma autêntica com que retrata a vida do subúrbio e pela abordagem de temas cotidianos com leveza, humor e profundidade. Tudo isso contribui para essa conexão. O objetivo é que o público se veja nas histórias e dilemas dos personagens, como um reflexo de sua própria vida.

A Vila Cambucá, por exemplo, inspira-se em elementos característicos do subúrbio carioca, como o comércio local, as festas de rua, a música dos bares e as interações cotidianas — seja no transporte público ou nas esquinas. Incorporamos também referências icônicas como o baile charme de Madureira, o Jongo da Serrinha, o jogo do bicho, o carnaval, o Mercadão de Madureira, a Igreja da Penha, o forró, o bate-bolas e as rodas de samba. Esses detalhes trazem autenticidade e ressoam com quem conhece e valoriza o subúrbio, mostrando-o como ele é: um lugar de luta e resistência, mas também de pertencimento, culturas, arte, alegria e criatividade.

Texto: Halitane Rocha

Entrevista: Ariel Freitas

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