Mãe, esposa, empresária, Youtuber, estilista, influenciadora, linda no seus dreads e a partir do dia 10 de agosto apresentadora de TV, do programa “Se Essa Roupa Fosse Minha”, no badalado canal da TV paga, GNT (do grupo Globosat).
Ana Paula Xongani é assim, ambiciosa, sem perder a doçura e muito conectada com sua comunidade, sua família e sua ancestralidade como uma boa pisciana.
Sua pele escura, seus dreads, sua dislexia e a carga mental das mães que empreendem, não impediram esse paulistana de vibe africana de correr atrás dos seus sonhos.
Nessa entrevista, Ana Paula nos ensina que tudo tem o seu tempo, que trabalhar é fundamental para o sucesso, mas que para se colher os bons frutos, uma rede de apoio é fundamental.
Ela ainda explica que sustentabilidade, tema do seu programa no canal GNT, é uma coisa que a comunidade negra já pratica há um tempão.
1. 2019 está sendo um ano incrível para você. Além de mais publicidade e parcerias agora você participa de um programa no GNT. Como está sendo essa nova fase profissional.
Eu traduziria o ano de 2019 como o ano da colheita, mas sempre gosto muito de falar dos processos, para além dos resultados. Então falar do Ateliê Xongani que é minha grande fonte de inspiração há 10 anos. Falar de todo esse conhecimento acumulado com esse trabalho. Falar que meu trabalho como criadora e produtora de conteúdo já tem 4 anos. Anos de muita dedicação, postando, produzindo vídeos, pesquisando, indo a eventos e tudo mais. Aí, chega o ano de 2019 e entendo que começo a colher com as realizações que começam a acontecer. Mas, falar do processo é muito importante para entender o tempo das coisas, os tempos de construir lugares. Mas, claro, tá tudo bem incrível. Considero que tá incrível desde meados de 2018, quando comecei as parcerias com grandes marcas. Parcerias estruturadas numa forma de criar que eu acredito, que é a co-criação. Os trabalhos que fiz existem também graças a processos criativos feitos por mim e pela minha equipe. Porque a gente entendeu que ser propositiva era o que fazia sentido para ter parcerias que tivessem a minha cara, a cara das pessoas que me acompanham e que também entregassem valor para as marcas, fizessem sentido para elas. Quando dá esse match é demais!
2. Quais são as dores e delícias de ser uma mulher preta em evidência.
Nas áreas que atuo, sobretudo marketing de influência, as dores têm sido mais relacionadas à percepção de que eu ainda digo mais não que sim. Eu sendo uma mulher preta ativista, antes de todas as coisas que eu sou, significa que eu parto desse lugar, sabe?E é desse lugar que eu reflito os conteúdos que fazem sentido pra mim, pra quem me acompanha, para as nossas existência pretas, pretas empreendedoras, entende?Eu de verdade tenho orgulho das marcas que trabalho. Porque são as marcas que estão ousando, em alguma medida. Pensando não apenas numa representatividade, mas numa representação positiva, marcas que estabelecem contato para a co-criação, para que a gente pense junto. Então, concluo que a dor é perceber que, em razão de poucas marcas terem entendido o produtor de conteúdo preto, eu ainda digo mais nãos que sins. EU QUERO DIZER MAIS SIM!
Agora, entre as delícias está me sentir vanguarda em alguns processos e saber que assim como outras mulheres negras construíram caminhos e abriram portas pra mim, neste exato momento eu também estou fazendo isso. E falo isso de forma bem ampla, desde escolher ter mulheres, sobretudo negras, trabalhando comigo nas duas empresas que hoje tenho, e também as delícias ligadas aos aspectos emocionais, né? De acessar lugares que nunca acessei, que não esperava acessar, que minha família está orgulhosa por me ver acessando, porque é construção deles também. Cada lugar que acesso, eu acredito que é um lugar que está se transformando, que está minimamente aberto pra se repensar, repensar as estruturas que tem mantido pessoas como eu fora destes espaços. Então, isso é algo que me deixa feliz e orgulhosa também.
3. A maternidade é uma das suas pautas frequentes. Como sua filha lida com a sua maior exposição e como você gerencia essa parte mãe, já que agora sua agenda é mais corrida?
Ela não lida. Para a Ayoluwá eu sou a mãe dela. Estar na TV não é exatamente uma novidade para ela. Porque o YouTube ela vê na TV. Ela e seus cinco anos já me viram na TV muitas vezes. Ela sente orgulho do meu trabalho, mas ainda não tem a exata dimensão do que isso significa, não de forma objetiva. No entanto, são signos né? Mensagens de beleza, auto-estima, de pertencimento a estes espaços. Costumo dizer que a gente não sonha com o que não conhece.Então, eu quero que ela, uma criança preta escura, veja a mãe dela, uma mulher preta escura, em todos os espaços mesmo.Fazendo o que quer da vida. E eu falo sobre isso com ela também, estimulo essa percepção positiva de forma proativa mesmo. Quero que ela valorize nossa estética, nossa criatividade, nossa potência.
Sobre gerenciar a parte mãe, é o seguinte. Eu abro mão da ideia de que nós, mulheres, temos super poderes. Abdico da ideia de que sou ou devo ser uma “super mãe”, uma “super mulher”. Entendo e aceito que não preciso e nem tenho que fazer tudo sozinha. Divido responsabilidades com meu companheiro, meus pais, meus amigos e as pessoas que trabalham comigo. Somos uma grande rede que se apoia no dia a dia. Não me sinto obrigada a fazer tudo, meu companheiro também não.
4. Fale um pouco sobre o seu canal no Youtube. De onde vem suas inspirações para pautas?
Da minha vivência, do meu dia a dia. O ateliê é minha grande fonte de inspiração, em primeiro lugar. Porque lá estou SEMPRE em contato com mulheres negras, conversando. Mas, qualquer diálogo me inspira. É meio cíclico, porque quanto mais meu canal e meus outros trabalhos alcança pessoas, mais gente eu conheço, mais papos eu tenho e, portanto, mais ideias pra vídeo. Todo e qualquer diálogo pode virar um vídeo. Esta entrevista inclusive!
5. O seu programa no GNT trata da questão do consumo consciente. Você chegou a refletir sobre esse assunto, dentro de uma perspectiva racial, de como a comunidade negra lida com essa questão?
Sim, refleti. E te digo uma coisa! A gente faz isso, de ser sustentável, há muito tempo. O Ateliê Xongani, por exemplo, sempre teve um “fazer” sustentável, especialmente se entendermos a sustentabilidade em toda sua capilaridade, social, econômica, ambiental. A forma como a gente distribui os ganhos lá, a forma como a gente contrata pessoas e serviços, quem são os nossos fornecedores, sabe? Mas, para além do Ateliê, uma coisa que eu venho batendo muito na tecla é que os saberes sustentáveis estão na periferia e nas comunidades negras há muito tempo. A reciclagem, o upcycling, que nada mais é que a “reutilização criativa”, criar uma peça a partir de outras que já existem, a moda brechó, uma perspectiva compartilhada de consumo e de vida mesmo, de responsabilidades… a gente faz isso desde sempre. O que a gente precisa estar atenta é aos códigos, no sentido de sabê-los e entender e valorizar que a gente já faz isso. Que já detemos esse saber. Pra saber real que nós já fazemos muitos destes movimentos essencialmente, de forma orgânica e cotidiana. Seja por oportunidade, por necessidade ou por criatividade.
7. Você é uma negra retinta e com dreads, a única do canal GNT com esse perfil. A TV, de forma geral, tem poucas pessoas com este perfil. Você sente mais pressionada ou privilegiada por essa representatividade?
Nem uma coisa nem outra. Me sinto desafiada. Me sinto desafiada a fazer um bom trabalho, a me qualificar nas coisas novas que tenho feito, a abrir novos caminhos. A palavra é essa. Me sinto desafiada.
“Se Essa Roupa Fosse Minha” estreia dia 10 de agosto às 19h30, no GNT.
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