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Na fila da adoção, crianças negras são maioria

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Toda criança só quer um lar. Foto: Freepik.

Em uma palestra realizada para pais que pleiteiam a adoção, Paulo Sergio P. dos Santos, filho adotivo e pai adotivo, falou sobre a importância de pais de adoção compreenderem que crianças adotadas têm uma identidade, uma origem, um passado. Ou seja, em uma adoção inter-racial, tentar apagar ou fingir não existir a identidade negra dessa criança apaga parte de quem ela é.

Dia 25 de maio é o Dia da Adoção, e quando falamos em adoção estamos falando de famílias negras e crianças negras, principalmente. As condições do negro pós-escravidão geraram efeitos desastrosos na família negra, empurrando milhares de crianças para a fila da adoção em busca de um lar. No Cadastro Nacional de Adoção do Conselho Nacional de Justiça, das 8.476 crianças cadastradas para adoção, 65,93% são negras e pardas, um total de 5.588 crianças no Brasil.

Cada vez mais aumenta o número de pretendentes que não têm preferência pela cor das crianças, em 2015 eram 15.594 e hoje, a CNJ contabiliza que dos 46.390 cadastrados, 24.047 aceitam crianças de todas as raças. Apesar de parecer que há um excedente de famílias que aceitariam crianças negras e pardas, há outros impeditivos que dificultam essa adoção como idade, doenças e gênero dessas crianças, itens de critério que constam na ficha cadastral dos adotantes.

Estar na fila de adoção, para muitas famílias, tem como foco encontrar crianças que se adaptem ao “perfil do filho imaginado”. Com essa mentalidade, optam por crianças que se pareçam com elas, principalmente na estética, para assim, essa criança, completar a família. A regra é: quanto mais nova melhor e quanto mais parecida com a gente melhor. Essa cultura da adoção no Brasil, enxerga a criança como mercadoria – um objeto a ser desejado – e ignora, muitas vezes, a necessidade que essas crianças têm de um lar, independentemente de sua idade, gênero, doença ou raça. Somado a isso o racismo que cria uma hierarquia racial entre as crianças, onde as negras são descartas, tudo acaba por empurrar as crianças negras para o final da fila, tirando a possibilidade de terem um lar.

Quando a adoção inter-racial acontece

O ideal seria que todas as famílias em processo de adoção, não fizessem distinção de raça, assumindo uma mentalidade antirracista de compreender que a cor da criança não vai interferir em quem ela, humanizando assim esse processo e compreendendo que ali há apenas uma criança.

Quando pais na fila de adoção optam por adotar, independentemente da raça, há uma chance maior dessa criança ser negra, haja visto que são maioria na fila da adoção. Nesses casos, quando a família é branca e adota uma criança negra ou vice-versa, como fica a questão do pertencimento racial e do racismo para essas pessoas? Perguntamos para três pessoas que vivem essa realidade e elas deram seus depoimentos, veja a seguir:

Carolina de Biagi Pereira, 38 anos, negra adotada por uma família branca. “Acho que as questões de racismo levaram mais tempo pra serem entendidas, eu sofri muito bullying e por muitos anos levei como um ataque pessoal e não como algo estrutural. Minha mãe é cabeleireira e sempre se esforçou pra que eu amasse meu cabelo natural, o mais difícil era a falta de referências (mesmo as mulheres negras que eu conhecia alisavam o cabelo). A melhor parte é que meus pais sempre me incentivaram a ir atrás do que me interessasse culturalmente. Acho que a dificuldade era uma coisa da época, de falta de acesso mesmo. Hoje eles entendem melhor questões raciais e eu também, acho que fomos aprendendo juntos.”

Luana Paulino Mariano, 30 anos, branca adotada por uma família negra. “Pra mim, nunca houve diferença alguma em fazer parte de uma família com pessoas negras. Sempre houveram questionamentos das pessoas comigo, de o por que eu era branca e minha mãe negra? Minha resposta sempre foi, porque vivemos no Brasil, onde existem diversas misturas de cores de pele. Confesso que sou apaixonada pela cultura negra. Amo um bom samba, samba-rock, black. Tranças, cabelos cacheados, blacks power. Minhas referências sempre foram voltadas para a cultura negra. Minha melhor amiga é negra. Confesso que nunca me atentei ao preconceito, acredito, por estar muito inserida, não tenha percebido algo explicito para com a minha mãe ou família. Mas me lembro da minha mãe indo para cabeleireiros, passando, as vezes, o dia todo para alisar seus cabelos e me dizendo sempre que se ela tivesse os cabelos iguais aos meus estaria no céu! E agora, depois de praticamente 28 anos, ela conseguiu finalmente aceitar os cabelos da forma que são. A luta é grande! Contudo, tenho fé que pelo menos na geração dos meus filhos que são negros, fruto de um casamento inter-racial, eles possam ter a liberdade de serem como são e acima de tudo respeitados, não pela cor da pele e sim como seres humanos.”

Paulo Sergio P. dos Santos, negro adotado por uma família branca. “Minha experiência de adoção, traz um traço particular de ter sido feita no início dos anos 60 e na condição inter-racial com a família adotante, o que era raríssimo. A origem da situação não foi muito diferente do cenário atual, uma família negra de recursos limitados e, em situação de dificuldades de sustento dos filhos, a genitora surpreendida pela condição de viuvez fez a entrega dos filhos ao Estado na esperança que teriam melhores cuidados. Numa época em que não havia sequer base de sustentação jurídica para garantia dos direitos aos adotados e regido pelo antigo Código de Menores, o processo foi longo e somente aos dez anos de idade foi concluído com a certidão definitiva e sobrenome da família adotiva. Apesar de ter recebido total suporte afetivo, fundamental na construção dos vínculos e estabilidade emocional nas relações familiares e sociais, houve a ausência do elemento étnico de origem como base de sustentação do ser humano. Em momento algum, isto foi motivo de condenação aos meus pais, visto que eles não possuíam elementos e nem recursos culturais de entendimento desta necessidade. No entanto, o suprimento afetivo familiar foi suficiente para o desenvolvimento do meu projeto de vida e o reencontro com a realidade da identidade negra, veio a partir da universidade, na formação da minha família e na militância junto aos grupos de apoio à adoção. A temática da adoção inter-racial, tem sido muito frequente nos fóruns de discussão da Adoção e, por parte dos interlocutores, quase sempre abordada considerando a importância de as famílias estarem atentas com o valor étnico de origem dos seus filhos, na implementação de uma cultura antirracista e o empoderamento dos filhos aos enfrentamentos que surgirão.” Paulo também é pai adotivo, ex-presidente da ANGAAD-Associação Nacional de Grupos de Apoio à Adoção, atual diretor financeiro e conselheiro. Palestrante e incentivador de diversos grupos de apoio à adoção no Brasil, nos últimos 30 anos).

Antirracismo na adoção

No que podemos observar no relato desses hoje adultos adotados, enquanto que para a Luana, branca, adotada por negros, a cultura negra tem forte influência em seu gosto, para os negros adotados por famílias brancas, Carolina e Paulo, a compreensão da negritude não foi algo dado pela família, mas sim uma construção ao longo da vida, assim com diz Neusa Santos Souza em seu livro Tornar-se negro “Ser negro não é uma condição dada a priori. É um vir a ser. Ser negro é tornar-se negro.

É unânime que todos eles são imensamente gratos pela família que os acolheram e os ajudaram em seu desenvolvimento humano, econômico e social e no seu pertencimento enquanto seres humanos, crianças que eram. Nesse dia adoção o desejo é que mais crianças possam encontrar um lar. Para as famílias que adotam crianças negras é essencial iniciar, para ontem, uma luta antirracista conscientizando familiares e amigos para que essas crianças não sofram violências racistas no núcleo familiar e sejam ensinadas sobre a beleza e a potência de sua origem negra.

Fonte dos dados: https://www.cnj.jus.br/cnanovo/pages/publico/index.jsf

Carla Akotirene e Rita Carreira estrelam nova campanha da TRESemmé

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A escritora baiana Carla Akotirene e a modelo plus size e empresária Rita Carreira estrelam a mais recente campanha da TRESemmé. Com o mote “Não foi sorte, eu estou pronta”, a campanha enfatiza o preparo e a dedicação por trás das conquistas das mulheres, que frequentemente são atribuídas à sorte.

Os cabelos longos e volumosos de Carla e o curto ‘loiro pivete’ de Rita mostram um pedacinho da diversidade que existe entre as mulheres negras, e que tanto gostamos e merecemos ver nas propagandas.

Carla Akotirene é militante do movimento de mulheres negras, e pesquisadora do feminismo negro e interseccionalidade no Brasil. Rita Carreira é modelo, e reconhecida entre as personalidades da Forbes Under 30, que destaca empreendedores, criadores e personalidades de destaque com menos de 30 anos de idade.

Rita Carreira é modelo e destaque da Forbes Under 30. Foto: Divulgação.

PESQUISA — A TRESemmé, em parceria com o International Center for Research on Women (ICRW), realizou uma pesquisa com 5.550 mulheres de 18 a 35 anos do Brasil, EUA e Reino Unidos em 2019, que mostrou uma problemática comum unindo mulheres de diferentes idades, países, etnias e classes sociais: a deslegitimação de suas conquistas.

Apesar de 71% das entrevistadas sentirem que conseguem alcançar mais coisas quando tem Presença – ou seja, capacidade de se expressar com confiança – e de 8 em cada 10 acharem que isso é algo alcançável, apenas 30% afirmam conseguir colocar esta postura em prática.

A pesquisa demonstrou que o primeiro fator que mais afeta a confiança das mulheres é quando têm sua voz menosprezada ou se sentem desmerecidas de alguma maneira: 92% das entrevistadas duvidam de si e sentem sua confiança minar nessas situações.

Lil Nas X é o ícone gay (e pop) que a gente precisava

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Foto: Kelia Anne

Não são muitas as referências de homens gays ou bissexuais negros fazendo sucesso no mundo do rap e do pop, só por isso a presença de Lil Nas X (que tem apenas 22 anos) já é mais do que necessária e ele sabe disso. Logicamente, o cantor não é o único. Artistas como Kevin Abstract e Todrick Hall já falam abertamente sobre sexualidade, em suas músicas, há anos. Temos nomes como Frank Ocean, que assumiu sua bissexualidade em 2012 e, no Brasil, os cantores Rico Dalasam e Hiran, entre outros.

O fato é que, apesar da pouca idade, Lil Nas se mostra muito consciente do tamanho da sua plataforma e audiência (que conquistou com o hit “Old Town Road”). Recentemente, com o single “call me by your name” ele – corajosamente – decidiu cantar sobre e expressar sua sexualidade, o que – logicamente – incomodou conservadores e homofóbicos. Apesar das ameaças de boicote, o single se tornou um grande êxito comercial elevando a carreira do cantor a outro patamar (quem achou que ele teria apenas um hit, se enganou).

Tem sido divertido e emocionante acompanhar a evolução de um artista ainda tão novo, mas que tem quebrado barreiras num universo ainda muito homofóbico do rap (e da música como um todo). Lil Nas tem levado com maestria sua arte para uma grande audiência jovem (muitos deles negros e LGBTs). Ele é, sem dúvidas, o ícone pop que eu queria ter tido na adolescência e demorou um pouco para aparecer, mas apesar do delay chegou… ainda bem. E que venham muitos outros!

Um ano depois dos protestos nada mudou para os ‘George Floyd’ brasileiros

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Imagem: Nicolas Pfosi/ Reuters

Há exato um ano atrás,o ex-segurança George Floyd foi assassinado pelo policial Derek Chauvin. O funcionário de uma loja chamou a polícia alegando que Floyd usou uma nota falsa para pagamento e o que veio em seguida foi o pescoço do policial branco por mais de nove minutos contra o pescoço do homem negro de 46 anos que, apesar dos apelos por ar, só teve sua agonia interrompida pela morte.

O mundo estava em quarentena por uma doença que poucos entendiam, mas a força da filmagem daquele homem pedindo para respirar inspirou uma onda de protestos que começaram nos Estados Unidos e se espalharam pelo mundo. O movimento “Black Lives Matter” chegou ao Brasil com a exata tradução de “Vidas Negras Importam”, inspirando pessoas a irem para as ruas fazer frente à manifestação de apoiadores do governo, assim como artistas de várias áreas emprestaram suas redes sociais para influenciadores negros a fim de que falas antirracistas tivessem voz e rostos pretos.

Após essa onda, o que mudou? Qual a relação entre a morte de George Floyd e o racismo estrutural e institucional no Brasil? Para a pesquisadora de Relações Raciais e professora da Universidade de Brasília (UnB), Kelly Quirino, o mundo está em quarentena, prestando atenção às notícias, com pessoas angustiadas, ver a gravação foi um catalisador para as ações que seguiram. “A morte do George Floyd ano passado na realidade ganha contornos mundiais por causa da questão da pandemia naquele momento  e tem a questão da gravação. A gravação e a forma com que foi gerou uma comoção mundial”, diz.

A professora lembra que o movimento “blacklivesmatter” surge antes, por exemplo já há protestos espalhados pelos Estados Unidos com a morte do jovem Michael Brown, alvejado por um policial com apenas 18 anos de idade. Com mais pessoas conectadas às redes sociais e maior velocidade de conexão, as pessoas sofreram o choque ao mesmo tempo daqueles nove minutos.

Apesar da comoção com a morte de um homem negro em outro país, não tivemos nada parecido quando perdemos o garoto João Pedro ou a menina Agatha.As informações vindas dos Estados Unidos parecem ter maior efeito no imaginário brasileiro quando se trata de compelir pessoas a se indignarem. “Os Estados Unidos e o Brasil têm processos diferentes em relação ao racismo. Nos Estados Unidos a abolição começa com a guerra de secessão. Os Estados do norte ganham dos Estados do sul que são obrigados a acatar, mas instalam leis segregacionistas como a Lei Jim Crow que legalmente colocam os negros em espaços diferentes dos brancos. Elas vigoram até os anos 50 onde acontece o caso da Rosa Parks  parte que se recusa a levantar do ônibus”, explica. 

Michael B. Jordan Speaks at Black Lives Matter March in LA | POPSUGAR  Celebrity UK Photo 2
Artistas como Michael B Jordan participaram ativamente dos protestos de maio do ano passado (Imagem: Getty Images)

As leis segregacionistas dos EUA geram um forte marcador racial que acaba por influenciar em como os negros norte-americanos se entendem dentro daquela sociedade, o que explica a razão dos protestos mais numerosos serem mais comuns por lá. “O próprio fato  de ter universidades para negros no século 19 diz muito sobre o processo de formação histórica dos Estados Unidos. As pessoas terem saído á rua pelo direito a  acres de terra diz muito desse processo que é um processo de segregação racial, mas que também é colocado como componente a educação por meio das Universidades o direito ao comércio, a uma casa, à condições mínimas de sobrevivência”, diz a professora, que explica que o Brasil não explicitou o racismo  juridicamente explícito como nos Estados Unidos, mas que perpetuou a violência contra o negro por meios de códigos jurídicos como a Lei do Capoeira e a Lei de Terras.

No Brasil, um ano depois da comoção causada pelas ‘vidas negras importam’, tivemos a polícia matando 24 moradores do Jacarezinho, no Rio de Janeiro, e os artistas que levantaram a antiga hashtag pouco se mostraram indignados em suas redes sociais. “Historicamente a classe artística que sempre foi comprometida com o povo preto é o rap. Você tem Racionais, MV Bill, Facção Central, que é a música de preto feita por preto. Agora a classe artística mainstream é uma classe média branca que está em espaços que a população negra está em situação de subserviência”, aponta a pesquisadora.

George Floyd died May 25, 2020, after a Minneapolis police officer held his knee on Floyd's neck for several minutes.
George Floyd em momento com uma de suas filhas (Imagem: Acervo da família Floyd)

Para quem viu esperança nos espaços cedidos durante o fatídico maio de 2020, o que se seguiu foi o contínuo morticínio de pessoas negras, seja por formas violentas, seja por causa da negligência do Estado com a pandemia do coronavírus. No entanto, diante da normalização da morte de pretos brasileiros, não houve comoção. “A nossa formação enquanto país é uma formação extremamente violenta com pessoas negras, com indígena, com mulheres, e com crianças, só não somos violentos com homens brancos quando essa violência chega no homem branco, aí vem as passeatas da paz, querem reduzir a maioridade penal. O nosso projeto de país na questão racial é nosso calcanhar de Aquiles”, diz Kelly.

Ao contrário do Brasil, há uma classe média negra influente e personalidades influentes, como a cantora Beyoncé e jogador de basquete Lebron James, que não deixam arrefecer a lembrança das violências pelas quais passam os negros. Ainda assim continuam morrendo pretos, mas a luta parece mais delineada pela transparência das posições dos indivíduos que a compõem. A polícia toma decisões contra os seus apenas após muita pressão das ruas e algumas reformas são previstas em departamentos marcados pela violência policial. A própria condenação do assassino de George Floyd é incomum no judiciário norte-americano.

Kelly Quirino rumo à Columbia University
Professora e pesquisadora de Relações Raciais Kelly Quirino (Imagem: Acervo pessoal)

“Uma reforma no judiciário brasileiro não seria suficiente. Teria que ser uma reforma no judiciário e na polícia”, aponta como solução a pesquisadora.  “A polícia no Brasil serve para manter os espaços brancos numa lógica do período colonial. Tinha a figura do capataz que protegia a casa grande e hoje a polícia serve para manter a estrutura da elite”, conclui.

Nunca saberemos como seria a extensão das manifestações aqui no Brasil se não estivéssemos no decorrer de uma pandemia sob um governo conservador, mas ao menos já é uma demanda dos movimentos negros que a base da sociedade seja transformada para que mais pretos não sejam assassinados e quando ocorrer que a injustiça não vença. Se a estrutura se mantém branca nada muda. “Nós pretos. Tentamos entrar no judiciário nos lugares para fazer mudanças, mas tem que ser estrutura total de cima para baixo. Sem ser com uma revolução completa fica muito complicado evitar que nossos George Floyd não morram”, conclui.

Após um ano do pico de indignação, o Brasil da elite voltou ao patamar de antes, mas os coletivos e a mídia negra continuam com esse trabalho de mostrar que as vidas negras importam para além de um único momento de catarse coletiva. Para a pesquisadora o jornalismo tem uma responsabilidade muito grande de fazer denúncia, conscientizar a população e fomentar o debate “Enquanto a gente não tiver matérias que mostram que os jovens morrem por ser negros, não conseguiremos avançar ainda, não estamos conseguindo e isso é muito ruim. ”A gente repete que ‘vidas negras importam’, mas nesse  atual momento político a polícia segue muito forte, fizendo incursões ilegais no Jacarezinho e matando. Temos muito que avançar. Enquanto isso, a gente continua fazendo essa resistência seja na academia, ou seja no jornalismo alternativo. Porque temos que acabar com a necropolítica. É a necropolitica que coloca corpos negros para serem assassinados como de George Floyd”, termina.

A justiça e o racismo: de George Floyd a João Pedro

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Foto: Acervo Pessoal.

Por Zaira Castro – advogada e jurista

O contexto histórico e fático do sistema de justiça no Brasil ou nos Estados Unidos abarca uma estrutura de práticas discriminatórias e racistas. Um país permeado pela escravidão e o outro pela segregação racial. Apesar da legislação de ambos os países garantirem que todos são iguais perante lei, a discriminação racial ainda é latente, todavia, similarmente diferente.     

Em  25 de maio de 2020, o mundo presenciou a morte de George Floyd em  Minneapolis nos Estados Unidos, que foi brutalmente detido e imobilizado por um policial branco que pressionou o joelho sobre o pescoço dele por volta de 9 (nove) minutos, deixando-o sem respirar e desfalecido, assim se tornando mais uma vítima do racismo.

Em paralelo, no dia 18 de maio de 2020, a sociedade presenciou a morte de João Pedro baleado pela polícia do Rio de Janeiro no Brasil, quando ele estava dentro de sua casa com amigos, e foi atingido por um projétil de fuzil, em razão da operação policial. Mais um adolescente negro com apenas 14 anos, vítima do racismo enraizado na estrutura policial.

Depois de onze meses, a justiça dos Estados Unidos condenou o ex-policial Derek Chauvin declarando-o culpado por homicídio em segundo e terceiro grau e homicídio doloso em segundo grau pelo assassinato de George Floyd.  Após três semanas de julgamento o júri composto por mulheres e homens de diferentes raças decidiu unanimemente pela condenação de Chauvin.

No entanto, no caso de João Pedro, após um ano do ocorrido, as investigações sequer foram concluídas e vemos várias irregularidades. Além disso, os policiais que participaram da operação que sequenciou a morte do adolescente não foram afastados da atividade policial. Logo, a justiça no Brasil tem sido morosa sobre a investigação da morte do João Pedro, que está longe da conclusão.

Outro caso que vale ser relembrado, similar ao de George Floyd  e de João Pedro, ocorreu em fevereiro de 2019 na Barra da Tijuca no Rio de Janeiro, quando o jovem Pedro Henrique Gonzaga,  foi imobilizado por um segurança no supermercado, vindo a falecer asfixiado por estrangulamento, e até o momento os agressores não foram julgados.  Apesar das similaridades com o caso ocorrido nos Estados Unidos, a justiça no Brasil limita-se à estagnação atribuída ao racismo institucional.

Nos Estados Unidos, todos os policiais que participaram da morte de George Floyd foram demitidos.  Incumbe que destacar o vídeo gravado pela jovem Darnella Frazier que evidenciou a violenta detenção policial, foi fundamental nesse processo, culminando numa decisão histórica na luta do  combate ao  racismo, na qual as vidas negras querem respirar e viver sem ser discriminado por sua cor. 

A morte de João Pedro teve comoção nacional e foi denunciada à Organização das Nações Unidas, além de causar consternação da sociedade em relação às operações policiais no Rio de Janeiro. Infelizmente, a justiça, no caso do jovem e em episódios similares, ainda é falha e morosa no Brasil.

Contudo, o homicídio de George Floyd provocou protestos antirracistas nos Estados Unidos, o que desencadeou o debate sobre o racismo no mundo, e a condenação do ex-policial demonstrou a justiça prolatando um veredito histórico na luta contra a discriminação racial, relembrando a tamanha mobilização desde o assassinato de Martin Luther King, concluo com uma de suas frases “A injustiça num lugar qualquer é uma ameaça à justiça em todo o lugar.”

“Só demonstrar preocupação com a causa, não resolve”, diz publicitário Ricardo Silvestre sobre marcas brasileiras

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O publicitário e fundador da Black Influence , Ricardo Silvestre - Foto: Bruno Gomes

Quem aqui se lembra das ocupações de perfis nas redes de celebridades brancas por pessoas negras, do “Black Out Tuesday” e Facebook, Instagram e Twitter mudando seus logos para cor preta? O assassinato de George Floyd que completa um ano nesse 25 de maio, fez da Internet um palco de protesto e revolução e as marcas não tiveram como fazer vista grossa a essa conversa.

A agência Black Influence do publicitário Ricardo Silvestre, nasceu um pouco antes desse do ano que mudaria a história da comunidade negra e como sua empresa trabalha com um casting de pessoas pretas e periféricas, ele pode sentir, literalmente na pele, os impactos midiáticos de um novo momento da discussão sobre a importância da vida das pessoas negras.

“Não sei se a publicidade se tornou mais consciente, mas posso afirmar que notamos uma maior preocupação por parte das marcas principalmente no que se refere à movimento negro e comunidade negra brasileira”, detalha o publicitário.   Para ele a morte de Floyd trouxe à tona um tema que é muito sensível “que é visto muitas vezes como um tabu por muitas pessoas e por muitas marcas”.  Silvestre acredita que os olhos do mundo para as questões sobre violência contra a comunidade negra fizeram com “que as marcas ampliassem seus esforços para demonstrar um maior engajamento pelo tema e mostrar que de fato é algo relevante para elas”.

Ricardo destaca a importância de ações que incluam, além da discussão de temas sociais sensíveis, a contratação e remuneração honesta de pessoas negras. “Só demonstrar preocupação com a causa não irá resolver o problema que notamos nas dinâmicas de contratação de influenciadores negros, por exemplo. Acho que esse ocorrido deve trazer toda a necessidade de se repensar a forma como influenciadores negros e não negros são contratados e remunerados de maneiras tão discrepante e diferente infelizmente”, reflete Silvestre.

“Essa revolução, entre aspas, que a morte de Floyd causou não pode ser adormecida, ela precisa resistir.  Essas grandes marcas precisam entender também o seu papel fundamental nessa transformação da sociedade. Um ano da morte de Floyd o que mudou? Aqui no Brasil nós conseguimos algo positivo desde esse episódio?  São esses questionamentos que a gente sempre faz no dia a dia e geralmente a resposta é não. Nada mudou, infelizmente”, finalizada Ricardo.

Foto: Bruno Gomes

Coletivo “Mulheres Negras na Biblioteca” lança primeira plataforma para troca de livros de autoras pretas

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Imagem: Marina Souza

O coletivo Mulheres Negras na Biblioteca lançará pelo site (www.mulheresnegrasnabiblioteca.com.br) a primeira biblioteca on-line, do Brasil, de troca de livros escritos por autoras negras. O lançamento da plataforma  será no dia 27 de maio, às 15h, via Zoom, em um evento em parceria com o SisEB (Sistema Estadual de Bibliotecas Públicas de São Paulo), com as participações de Ola Ronke (‘The Free Black Women’s Library)  que serviu de inspiração para o projeto brasileiro , Carine Souza (‘Mulheres Negras na Biblioteca’) e Semayat Oliveira (‘Nós, mulheres da periferia’). O bate-papo online sobre ações de incentivo à leitura de obras de autoras negras abordará experiências realizadas nos Estados Unidos e no Brasil.

“Em 2020 fomos contempladas do edital do Programa VAI, da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo, com um proposta de biblioteca itinerante de trocas de livros de autoras negras, inspirada na ‘The Free Black Women’s Library’. mas tivemos que adaptar a proposta devido à pandemia. Então, pensamos em criar um site para a realização da troca, que será concluída via Correios”, explica a produtora cultural Carine Souza, uma das organizadoras do coletivo.

Carine Souza, uma das integrantes do coletivo Mulheres Negras na Biblioteca (Imagem: Acervo pessoal)

Para que haja a troca dos livros, Carine explica que, no site cada pessoa poderá selecionar dois títulos por mês. Para que fazer a troca, ela deve se cadastrar e informar dois livros de autoras negras que ela tem e quer dar em troca; a solicitação será avaliada e ela receberá uma notificação de confirmação e um prazo para o envio das obras; quando os livros dela chegarem um prazo de envio é gerado.

O  acervo contará, inicialmente, com aproximadamente 200 livros de escritoras negras nos gêneros ficção-científica, ensaios, poesia, biografias e romances nacionais e internacionais. Em conversa com a escritora Ola Ronke, Carine não vê diferenças significativas no processo de invisibilização de autoras negras e que o objetivo comum de ambos os projetos é combater o apagamento das mulheres pretas no âmbito literário.

O coletivo Mulheres Negras na Biblioteca é um projeto de incentivo à leitura de obras de escritoras negras, idealizado e organizado por profissionais de Biblioteconomia e Letras, que se dedicam, desde 2016, a promover atividades culturais a fim de contribuir para a formação e aumento do público leitor de autoras negras, com o objetivo de tornar notável a importância da inclusão dessas obras nos acervos das bibliotecas.

“Costumamos dizer que o nosso trabalho é de formiguinha. Mas como estamos na base da pirâmide social, qualquer movimentação que fazemos, por menor que pareça ser, abala toda a estrutura. Para citar exemplos: em 2018, fomos convidadas pela coordenação do Sistema Municipal de Bibliotecas para um evento que eles estavam promovendo; aceitamos o convite, mas em contrapartida pedimos que considerassem uma lista com aproximadamente 200 títulos de autoras negras que enviamos para incluir nas listas de novas aquisições das bibliotecas; eles aceitaram. Após isso recebemos relatos de bibliotecas que receberam uma quantidade significativa de livros de autoras negras”, aponta, Carine.

SERVIÇO

Lançamento do projeto Mulheres Negras na Biblioteca de Trocas (MNBT)

Quando: 27 de maio

Horário: 15h

Onde: http://siseb.sp.gov.br/…/webinar-autoras-negras-nas…/…

Apoio: Programa VAI, da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo

Instagram: @mulheresnegrasnabiblio

Banda congolesa Jupiter & Okwess lança disco com participação de Marcelo D2

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Imagem: AMP Concerts

O grupo Jupiter & Okwess lançou recentemente o disco ‘Na Kozonga’ com produção de Mario Caldato Jr, responsável por discos de Bjork, Beastie Boys, Jack Johnson, Seu Jorge, entre outros. O grupo congolês contou a paricipação do rapper brasileiro Marcelo D2 na faixa “Telejayi”, que já tem videoclipe disponível no canal oficial da banda.“Quanto mais a gente consegue unir as nossas  culturas, mais elas se tornarão universais. “Esse encontro vai influenciar tudo o que vem daqui para frente na minha música”, comenta D2.

‘Na Kozonga’ é uma expressão africana que significa “volta para casa” o que explica as participações brasileiras no novo trabalho, que tem também participação do sambista carioca Rogê, na música “Bolingo”. “Não há como esquecer o passado tão facilmente. As pessoas do outro lado são nossos descendentes distantes”, explica o vocalista da banda.

Imagem: Marcelo Quiñones

Esse é o terceiro disco da banda liderada Jupiter Bokondji e mistura estilos como jazz, rock,funk, salsa e ritmos africanos. O disco anterior, “Kin Sonic” (2017), foi parar na playlist ex-presidente americano Barack Obama e no top 10 de discos daquele ano pelo jornal norte americano The New York Times. O suingue presente nas músicas dançantes do disco não conferem falta de conexão com temas sombrios e importantes da nossa atualidade.“Abordar temas relacionados aos problemas da sociedade, como a colonização, os problemas climáticos e ambientais, as injustiças sociais com ritmos emocionantes, nos permite curar as nossas almas nos libertando de todos estes males”, conclui Jupiter.

“Na Kozonga” está disponível no Spotify.

Brasileira Aretha Duarte é a primeira mulher negra latino-americana a chegar ao topo do Everest

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Aretha Duarte/ Reprodução: Instagram

A brasileira Aretha Duarte se tornou a primeira mulher negra da América Latina a chegar ao cume do Monte Everest (8.849m). Alcançando o feito no sábado (23).

O montanhismo ainda é uma categoria de composta por maioria de homens, com poucas pessoas negras e muito menos mulheres. Por isso o feito de Aretha é histórico. Em 2006, a norte-americana Sophia Danenberg foi a primeira mulher negra a escalar o Monte Everest. Depois, em 2019, foi a vez de Saray Khumalo, foi a primeira africana negra a subir o Monte Everest e agora a de Aretha.

Essa era a segunda vez que ela tentativa chegar ao topo da montanha de maior altitude do mundo. Na primeira, a montanhista teve problemas de tosse e sintomas de mal de altitude, de acordo com o “Blog Descalada”.

Nas redes sociais – que ainda não estão sendo guiadas por ela – os administradores celebraram “Essa conquista é nossa, da Aretha e de cada um de vocês, que acreditou e confiou nesta mulher sem paralelos e em sua jornada de auto-transformação e regeneração socioambiental.”.

Após ser baleada na cabeça, líder do movimento Black Lives Matter, está em estado crítico no hospital

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Sasha Johnson em protesto / Imagem: Divulgação

Ativista britânica do movimento “Black Lives Matter”, Sasha Johnson, foi baleada na cabeça na madrugada de domingo no Sul de Londres, segundo o partido em que a jovem faz parte, o “Tomando Iniciativa”.

Johnson tinha recebido o apelido de “Pantera Negra de Oxford” por sua atuação no movimento e histórico acadêmico. Ela está na unidade de terapia intensiva em um hospital da região e os médicos não liberaram mais informações sobre seu estado de saúde, as informações passadas são de que o “ataque brutal” ocorreu em Peckham, no Sul de Londres, após “numerosas ameaças de morte”. 

Sasha Johnson (centro) em protesto do movimento Black Lives Matter em Londres em junho de 2020

Em entrevista à BBC, Imarn Ayton fundadora do Movimento Reformista Negro britânico, afirmou não crer que sua amiga tenha sido um “alvo proposital”. Segundo ela, tudo indica que houve uma briga de gangues rivais na festa onde Johnson estava:

Sasha estava em uma festa e uma gangue supostamente ouviu que uma de suas inimizades também estava lá, então passaram de carro pelo local e atiraram no jardim — disse Ayton. — Um desses tiros obviamente atingiu Sasha Johnson, mas eu não acredito que ela tenha sido um alvo proposital.

A policia londrina afirmou que as investigações estavam tendo bom progressos por causa das testemunhas, mesmo sendo um incidente chocante e doloroso. “Eu reconheço que esse incidente vai chocar a comunidade local e alé, mas pedimos que as pessoas evitem especular sobre os motivos ou as circunstâncias por trás dele.” disse o superintendente da polícia, Jimi Tele.

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