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Como nasceu o Julho das Pretas: da luta à mobilização nacional

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Foto: Divulgação/MNU

O Julho das Pretas tem movimentando as redes sociais. Mas você conhece a origem dessa história? Ou você estava achando que foram as redes sociais (quase deuses) que escolheram esse mês, aleatoriamente? Não. Não foi assim. O nascimento e batizado do mês de julho para marcar os movimentos de luta das mulheres negras no Brasil foi feito pelas protagonistas do movimento, por meio de articulação e organização social e política. E, falando nas protagonistas, estavam entre o elenco Lélia Gonzalez, Sueli Carneiro e tantas outras. Pois, como nos lembra Jurema Werneck: nossos passos vêm de longe! Se você, cara leitora / caro leitor, não conhece um ou dois desses nomes, não tem problema. Fica aqui, que você vai entender e conhecer essas estrelas (além do tempo). 

Para entender o Julho das Pretas, é preciso olhar para além das hashtags. Esse mês nasce da força histórica de articulação política das mulheres negras no Brasil, que transformaram suas vivências e teorias em organizações, comitês, núcleos, redes — enfim, num movimento social fundamental para nossa sociedade. Aqui, vamos revisitar alguns dos marcos dessa história, como o 1º Encontro Nacional de Mulheres Negras, em 1988, e a criação da Articulação de Organizações de Mulheres Negras Brasileiras (AMNB). Cada um desses momentos foi decisivo para que hoje pudéssemos nomear, celebrar e reivindicar essa história.

Mas vamos voltar um pouco no tempo, mais precisamente para as décadas de 1970. Em plena ditadura civil-militar, os movimentos negros e de mulheres, assim como outros movimentos sociais, estavam em pleno vapor. O ato de fundação do MNU (Movimento Negro Unificado) foi em 1978 — e as mulheres negras estavam lá. No movimento negro, lado a lado na luta. Mas, muitas vezes, ficavam atrás. Não porque queriam — mas porque o machismo fazia isso. Eram elas que organizavam, cuidavam, puxavam a base. Mas, nas decisões, quem falava eram os homens. No movimento feminista, encontravam outras barreiras. As mulheres negras estavam presentes, mas suas vivências não apareciam. A luta contra o machismo era urgente, sim — mas e o racismo? E a pobreza? E os corpos que nunca couberam no ideal branco de mulher? Ser mulher negra era viver numa interseção que ninguém queria ver. E foi desse apagamento duplo que nasceu a necessidade de construir outro caminho. Por nós. Com a nossa cara.

Um exemplo dessas tensões entre os movimentos aconteceu em março de 1979, no Encontro Nacional de Mulheres, no Rio de Janeiro. Na ocasião, a intelectual e ativista negra Lélia Gonzalez chamou a atenção para a importância da questão racial nas relações entre mulheres negras e brancas, lamentando que, na época, não houvesse o mesmo consenso sobre o racismo que existia em relação a outras pautas femininas. Lélia denunciou que o movimento feminista, ao negar o racismo, buscava esconder a dominação e a exploração que mulheres brancas exerciam sobre mulheres negras. Ela observou que, durante aquele encontro de 1979, as feministas brancas, mesmo alinhadas a ideias progressistas e de esquerda, não reconheceram a urgência de incluir a pauta racial. A unanimidade em torno da luta contra a exploração da mulher e do trabalhador desaparecia quando o tema era o racismo e a influência da raça na vida das mulheres negras.

Foi outra intelectual e ativista negra que tão bem sintetizou essas tensões. Foi Sueli Carneiro quem traduziu, com precisão política, essas tensões. Para ela, a luta antirracista precisava caminhar junto da luta feminista — não como complemento, mas como parte indissociável. E vice-versa. Era urgente enegrecer o feminismo e feminilizar o movimento negro. Sueli nos ensinou que enfrentar só uma parte da opressão era insuficiente.

Um marco fundamental para o movimento de mulheres negras foi a realização do I Encontro Nacional de Mulheres Negras, que aconteceu em dezembro de 1988, em Valença (Rio de Janeiro). Mas, para a concretização em nível nacional, foram meses de articulações municipais, estaduais e regionais. Em julho de 1988, Salvador sediou um dos marcos mais importantes da mobilização de mulheres negras no Brasil: o seminário “Mulher Negra Cem Anos Depois”, que reuniu cerca de 750 participantes. Organizado pela União de Mulheres do Nordeste de Amaralina, o evento abordou temas como mercado de trabalho, sexualidade, educação e trajetória histórica da mulher negra — desde a escravidão até o fim dos cem anos da abolição. Sueli Carneiro e Sonia Ribeiro contribuíram com análises fundamentais nesse processo. O seminário foi um dos principais impulsos para o I Encontro Nacional de Mulheres Negras, e suas participantes — vindas de entidades do movimento negro, feminista, sindicatos e associações — foram escolhidas em eventos preparatórios regionais.

Há quase 40 anos, o I Encontro Nacional de Mulheres Negras foi um passo fundamental para a luta pelos direitos diante das diversas formas de opressão. Passos coletivos — porque, para nós, o individual é coletivo e o coletivo é individual. Nas redes, nas ruas, nos sindicatos, no parlamento, nas novelas — juntas, de diferentes formas, construímos o movimento de mulheres negras com nossas vidas, militâncias e existências resistentes.

Carreira, empreendedorismo e beleza em pauta no Mundo Negro Talks especial de Julho das Pretas

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Com patrocínio da Vichy e apoio do Grupo Heineken, evento reuniu 30 mulheres negras em uma tarde de troca, inovação e cuidado

As mulheres negras são a potência do Brasil e o mês de julho, quando se celebra o Dia da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha, merece mais reconhecimento. Em um cenário de retrocessos nas pautas de diversidade e impacto social, são elas que sentem com mais intensidade os efeitos da desigualdade.

Foi nesse contexto que o Mundo Negro promoveu a primeira edição do Mundo Negro Talks | Julho das Pretas, um encontro intimista realizado no dia 23 de julho, na sede do Grupo Heineken, em São Paulo. Com uma curadoria voltada para mulheres negras do meio corporativo e empreendedoras, o evento reuniu um grupo de 30 convidadas em conversas que atravessaram temas como trabalho, autocuidado, tecnologia e representatividade.

A tarde começou com a fala da jornalista e head de conteúdo Silvia Nascimento, que trouxe reflexões sobre como a inteligência artificial pode ser uma aliada de mulheres sobrecarregadas. Em sua fala, Silvia apresentou exemplos práticos de uso de IA para gestão de tempo, saúde mental e produtividade. “Somos sobrecarregas e lidamos com uma carga mental absurda, então não tenha vergonha e nem culpa em recorrer a IA para te ajudar até no cardápio da semana da sua casa”. 

Na sequência, a executiva de RH Ana K. Melo conduziu um bate-papo com Vetusa Pereira, gerente de Diversidade, Equidade e Inclusão do Grupo Heineken. “Aqui na empresa hoje a gente chega em um estágio desenvolvimento muito maior. Se eu não estou vendo ninguém parecido como acima de mim, o que eu posso fazer para transformar essa realidade. Então vamos pegar uma galera boa e tentar fazer esse caminho juntos”. 

A segunda conversa teve como foco o empreendedorismo. A colunista do Mundo Negro Sauanne Bispo entrevistou Elaine Moura, CEO da PopCorn Gourmet, sobre os bastidores do crescimento da sua marca e os desafios enfrentados por mulheres negras no mundo dos negócios. “Apesar do que todo mundo diz, empreender não é para todo mundo. Essa ideia complica a vida de quem não tem características empreendedoras. Agora escalar, isso é para todo mundo na área que você está, você pode ser a melhor manicure, cozinheira, jornalista. Isso sim está ao nosso alcance.”. 

O encerramento das falas ficou por conta de Livia Ferreira, coordenadora de Valorização Científica da L’Oréal, que apresentou os bastidores da criação da nova Espuma de Limpeza Anticaspa Dercos para cabelos crespos e cacheados. O produto, inédito no Brasil, foi pensado para respeitar a saúde do couro cabeludo de pessoas que usam tranças e texturas naturais. “ Não existe nenhum estudo, pelo menos eu fiz uma população de literatura, que diga que pessoas negras vão ter mais ou menos caspa. Nós precisamos de um produto específico porque o nosso cabelo é diferente, e por conta do formato espiral dos nossos fios é muito comum a gente ver pessoas com o couro cabeludo mais oleoso, e as pontas bem seca”, explica Lívia.

Além dos talks, as convidadas participaram de um café da tarde exclusivo, com brindes das marcas parceiras e momentos de troca e conexão entre profissionais negras de diferentes áreas de atuação

Desejar é resistir: mulheres negras compartilham sonhos, demandas e esperanças para o futuro

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Foto: Reprodução/Baobá Brasil

O que mulheres negras desejam para o futuro? Quando se está apenas tentando sobreviver ao dia, o futuro parece algo distante e enxergar novas perspectivas cercada por tantos desafios emocionais, físicos ou financeiros é quase impossível. A chegada do 25 de julho, data que celebra o Dia da Mulher Negra Latino-americana e Caribenha, inspirou entrar em contato com mulheres negras de diferentes idades e que vivem em diferentes contextos para saber o que elas esperam e desejam para seu futuro. O que para algumas delas pareceu um desafio, se traduziu em respostas sinceras que mostram como somos múltiplas e, acima de tudo, que devemos manter a esperança em nós e nas nossas. 

Para Marciele Moreira, mãe solo do Emanoel, uma criança de 5 anos diagnosticada com autismo nível 2 de suporte, moradora da cidade de Mauá, região metropolitana de São Paulo, as perspectivas de futuro estavam todas relacionadas ao desenvolvimento do filho, mas ao responder minhas perguntas, ela mostrou que também tem esperanças para si: “Eu tenho sonhos de poder voltar esse meu olhar, futuramente, após trabalhar o que for necessário no Emanuel, de voltar esse olhar para mim, para o meu autocuidado, para o meu lazer, para minha vida profissional e pessoal, quero estudar algo, voltar a trabalhar, conquistar minha independência financeira e parar de depender de benefícios governamentais”, pontuou. 

Além das demandas individuais, as movimentações coletivas revelam que mulheres negras lutam para viver de maneira plena e feliz. “Hoje falamos de saúde integral, mental, soberania alimentar, economia do cuidado, justiça racial e comunicação como espaço de poder. As mulheres negras também exigem estar no centro das decisões, das tecnologias, da política institucional”, destaca Juliana Gonçalves, jornalista e uma das articuladoras da Marcha das Mulheres Negras por Reparação e Bem Viver, que terá sua segunda edição realizada no dia 25 de novembro de 2025, em Brasília.

Em diferentes frentes de atuação, como a espiritualidade e o acolhimento, outras mulheres também expressam seus desejos para o futuro:

“Onde tem a energia feminina eu estou cuidando”

Foto: Reprodução BdF/Arquivo pessoal

Líder espiritual do Axé Abassá de Ogum, a Ialorixá Jaciara Ribeiro é ativista no enfrentamento à intolerância religiosa e atua diretamente com o acolhimento de mulheres negras em situação de vulnerabilidade. Ela também é filha de Mãe Gilda, que inspirou a criação do Dia de Combate à Intolerância Religiosa no Brasil. 

Movida pela energia feminina, a religiosa destaca seus trabalhos: “Tenho vários projetos que culminam no autocuidado, no acolhimento das mulheres em vulnerabilidade, mulheres em território que são ameaçadas, como terreiro, como quilombo, como áreas indígenas. Enfim, onde tem a energia feminina eu estou cuidando”.

“Para mim, mulher de terreiro, espero para os próximos anos que a gente possa realmente ser incluída em todos os projetos que existem no governo, tanto no âmbito municipal, estadual e federal, com uma forma mais específica de cor, gênero, raça e a cuidado de tudo. A gente precisa pensar mais na nossa vida. Nossas vidas”, disse. “O que eu espero mesmo é que nesse mundo de tanta diversidade, as pessoas tentem entender que a gente precisa de uma secretaria, não só de reparação, de direitos humanos, de saúde e educação, a gente precisa de uma secretaria do amor, um ministério do amor. A gente não precisa ter o que está tendo no mundo agora, uma guerra entre povos, entre países, mas a gente vai conseguir, com ancestralidade, seguir”, afirmou a Ialorixá, que também é filha de Oxum.

“Prazer nos mantém vivas e merecemos mais do que sobreviver”

Foto: Reprodução/Instagram

Jornalista e escritora, Monique dos Anjos, que lançará no dia 2 agosto de 2025, durante a 23ª Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), seu livro de contos “Nós entre três”, uma literatura erótica decolonial que coloca o gozo no centro da narrativa, mostrando que o prazer também é um direito para as mulheres negras destaca como as mulheres negras querem ser tratadas:

“Queremos ser tratadas como únicas, mas não como diferentes. Existe esse mito marcado pelo racismo e machismo de que a experiência com uma mulher negra requer algum tipo de instrução, de preparo, de conhecimento. Não é pedir muito que, ao se relacionar com uma pessoa racializada, você tenha consciência racial. Da dela e da sua raça. E isso vai além do sexo. Tem a ver com vigiar dinâmicas que reforçam o preconceito, tem a ver com se posicionar, com não usar tantos termos e seguir condutas que, apesar de normalizadas, são problemáticas. Queremos ainda gozar sem a culpa de que deveríamos estar trabalhando, estudando, cuidando da casa… enfim, fazendo de tudo, menos algo tão egoísta, pessoal e supérfluo. Acontece que prazer nos mantém vivas e merecemos mais do que sobreviver”, reforça Monique. 

“O que nos faz seguir adiante é a resistência”

Foto: Arquivo pessoal

Empreendedora, Maria Luisa Souza olha para o futuro com a maturidade de quem chegou aos 60 anos: “Hoje com 60 anos olho para o futuro, um futuro próximo e eu já vejo isso onde passamos nós mulheres negras sermos vistas como pessoa digna para desenvolver e desempenhar na sociedade o nosso trabalho com autoridade e respeito, sem que nos subestimem por ser mulher negra”, pontuou.

Maria Luisa lembra que a sociedade está constantemente querendo definir como as mulheres negras devem ser, mas com a maturidade ela percebeu que pode ser quem quiser: “A maturidade nos reforça, claro que entre alguns receios e excitações, ela me deixa segura do que posso, devo e quero fazer por mim e sigo adiante no meu propósito. E nesse mundo e desde sempre a mulher negra é inferiorizada e o que nos faz seguir adiante é a resistência”.

De olho na sua saúde e bem-estar, a empreendedora diz: “com o passar do tempo, com a idade, eu quero estar bem com a minha saúde, onde eu possa comer com qualidade sem exageros, poder me exercitar, ter momentos de lazer, passeios, viagens, encontros familiares e ler livros.

Marciele Moreira, mãe solo de Emanoel Moreira

Desenvolvendo um dos trabalhos mais desafiadores do mercado, a maternidade, Marciele Moreira é a única responsável pela criação do filho Emanoel, de 5 anos, e contou seus anseios diante de uma sociedade que exclui as mães e crianças atípicas: “É difícil pensar em perspectiva de futuro, porque mal damos conta do hoje o que dirá o amanhã. Mas eu tenho sonhos de poder voltar esse meu olhar, futuramente, após trabalhar o que for necessário no Emanuel, de voltar esse olhar para mim, para o meu autocuidado, para o meu lazer, para minha vida profissional e pessoal, quero estudar algo, voltar a trabalhar, conquistar minha independência financeira e parar de depender de benefícios governamentais. Meu intuito para o Emanoel é desenvolver ele o suficiente para que ele consiga ter uma vida mais independente possível, sem necessidade de muito suporte.”

“Hoje, por exemplo, ele tem muita dificuldade em lidar com frustrações, com negativas, apresenta algumas dificuldades nas relações interpessoais. E o que a gente trabalha hoje é justamente para que lá na frente ele consiga criar estratégias para lidar com os sentimentos, as emoções que surgem dessas dificuldades, para que ele consiga se desenvolver muito melhor nas relações a partir de novas estratégias.”

“Gostaria, é claro, que num futuro distante eu não precisasse me preocupar se ele conseguiu acompanhar o conteúdo da escola. Que ele não seja excluído socialmente, não sofra bulliyng. Mas acima de tudo, gostaria que o Emanoel não precisasse de suporte, porque nessa sociedade em que vivemos já é difícil viver sem suporte algum, quem dirá quem precisa de um”.

Ela conclui ainda com um pedido importante: “Uma das coisas que eu tenho muita dificuldade hoje, e que eu espero que melhore a longo prazo, é que o mercado de trabalho se prepare mais e se torne mais flexível e inclusivo para as mulheres, mães solo que não possuem rede de apoio, mas que ainda assim desejam retomar sua independência financeira”.

Seja como mãe solo, caso de Marciele Moreira, como empreendedoras e mulheres negras que chegaram aos 60 anos, exemplo de Maria Luisa Souza, como mulheres que escolheram escrever contos sobre o desejo sexual feminino negro, como Monique dos Anjos, como Juliana Gonçalves, que enveredou pelos caminhos do ativismo social ou como aquelas que tiveram como missão liderar seu terreiro e lutar contra a intolerância religiosa, como a Ialorixá Jaciara Ribeiro, na Bahia, as mulheres negras sabem bem quais são suas demandas. Nós queremos ser ouvidas, atendidas e respeitadas e isso não é apenas um desejo, é sobre nosso direito de existir. 

25 Mulheres Negras do corporativo e necessidade de ressignificar a liberdade de quem nós somos

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Vetusa Pereira (Foto: Divulgação)

Por Vivi Elias Moreira

Já nos rotularam como resistência. Já nos rotularam como meninas-mulheres da pele preta. Já nos rotularam como as desejadas. Raríssimas vezes nos rotularam como as capazes. Raríssimas vezes nos rotularam como as inteligentes. Raríssimas vezes nos rotularam como as “promovidas”. Raríssimas vezes nos rotularam como as premiadas. Raríssimas vezes nos rotularam como padrões de beleza. Quem somos hoje, de forma coletiva, como mulheres pretas? O 25 de julho de 2025, o Dia da Mulher Negra Latino-americana e Caribenha não é somente um marco para reforçar a exaustão de sempre ter que lutar. É também um lembrete carinhoso (e teimoso) de que também podemos ressignificar a liberdade de ser quem nós somos.

Ressignificar a liberdade de ser quem somos como mulheres pretas de forma coletiva em um momento de nossa história em que retomamos a necessidade de voltar a falar sobre o que é obvio para desatar os nós da culpa e da obrigação de performar força o tempo todo. Sim, ainda há boletos, racismo e reuniões que poderiam ser e-mails, mas também há redes de afeto, trocas sinceras e autoestima sendo construída em pequenos gestos. A liberdade de ser quem nós somos agora tem playlist própria e, às vezes, até tem terapia em dia. É um exercício cotidiano de dizer sim ao que expande e não ao que corrói. Me permito dizer que a resposta para a minha pergunta segue mais ou menos esta linha: ser mulher preta em 2025 é mais do que sobreviver ao caos com humor e afeto, é também desenhar possibilidades e rotas para que mais mulheres pretas tenham mais possibilidade de sorrir do que ter gatilhos em uma segunda-feira qualquer.

Claro que ainda nos olham com desconfiança em muitos espaços. Conheço muitas mulheres pretas que ressignificaram quem elas são em 2025, observando se as escolhas profissionais ou pessoais que fizeram ao longo da sua vida eram realmente sobre elas ou sobre exigências e expectativas que outros ou o sistema tinham sobre elas. Em 2025 a liberdade também mora na escolha de ser quem se é, mesmo que isso signifique mudar de ideia no meio do caminho. Porque uma coisa é fato: ser mulher preta não é ter um roteiro fixo, é viver em uma série com várias temporadas, com plot twist, em busca de um final com descanso e feliz (ou pelo menos com menos drama e dores na temporada de 2026).

Se você ainda se pergunta o que celebrar, comece se perguntando o que precisa deixar para trás. Se dê um abraço, daqueles que a gente recebe de mãe ou de um afeto naquele dia chuvoso com direito a bolo e conselhos. Olhe ao redor, fortaleça outras mulheres pretas, crie novos espaços e uma playlist para a ressignificação, porque 2026 já está logo ali e com um pouco mais de cuidado e coragem, talvez seja o ano em que a liberdade de ser vire finalmente o nosso ponto de partida ou de recomeço, sem esquecer que a tecnologia viabiliza acessos, mas nem tudo que brilha na tela é conexão real. Hoje a gente sabe que tem filtro que engana, algoritmo que apaga e I.A. que ainda não entendeu o valor da existência preta. Só não esquece de dar mais like em você mesma do que no que os outros esperam que você seja. Desconectar também é liberdade. Só cuidado pra não dar match com quem ainda não aprendeu a respeitar mulheres pretas fora da bolha.

Nem sempre é fácil e, possivelmente nunca será, mas seguimos criando brechas em nossas barreiras diárias. Em 2026, que o mundo nos reconheça e que acima de tudo a gente nunca mais se esqueça de quem é. Que em 2026 a nossa ressignificação venha com leveza, playlist boa e um cabelo hidratado se não a gente nem sai de casa! Que a nossa liberdade floresça mesmo nas rotinas mais duras e que viver para mulheres negras não seja somente a exceção, mas se torne a regra.

25 Executivas Negras que Você Precisa Conhecer

Liderança, estratégia e impacto sob uma perspectiva que transforma empresas.

Alessandra Benedito | LinkedIn


Aline Lima | LinkedIn


Ana Flor Fernandes | LinkedIn


Ana Gaspar | LinkedIn


Chantal Pillet | LinkedIn


Cláudia Silva | LinkedIn


Cristiany Gomes Miguel | LinkedIn


Daiesse Jaala Bomfim | LinkedIn


Débora Ferraz | LinkedIn


Debora Mattos | LinkedIn


Emmely Marques | LinkedIn


Isabelle Christina | LinkedIn


Janaina Oliveira | LinkedIn


Junia Mamedir | LinkedIn


Karina Almeida de Souza | LinkedIn


Luciana Marcondes | LinkedIn


Luciene Malta Rodrigues | LinkedIn


Marianne Lucilio | LinkedIn


Marilucy Oliveira | LinkedIn


Mayara Marley | LinkedIn


Midiã Noelle Santana | LinkedIn


Rafaela Silva | LinkedIn


Rosi Teixeira | LinkedIn


Sônia Sousa | LinkedIn


Vetusa Pereira | LinkedIn

Iris Barbosa, ex-McDonald’s e Apple, assume a presidência do Instituto Pactuá com foco em educação e liderança negra

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Executiva reconhecida pela formação de mais de 100 mil profissionais em 20 países, Íris Barbosa construiu sua trajetória da operação ao topo em empresas como McDonald’s e Apple. Agora, como presidente do Instituto Pactuá, ela transforma sua história em estratégia de impacto social, apostando na educação, na conexão e na ancestralidade como caminhos para formar uma nova geração de lideranças negras.

Do balcão à alta Direção 

A trajetória de Íris começa no chão da operação. Ainda jovem, foi contratada como atendente de balcão no McDonald’s. Foi nesse ambiente, muitas vezes subestimado, que desenvolveu sua visão sobre excelência e propósito no trabalho.

“Ali, aprendi que todo trabalho tem valor e importância — não importa se é limpar o chão ou fritar batatas. O que realmente faz a diferença é como você se entrega àquilo que faz. Se você se propõe a fazer algo, faça bem feito.”

Ela conta que esse princípio a acompanhou durante toda a carreira. “Entendi que a excelência no que fazemos não apenas gera orgulho pessoal, mas também é reconhecida pela organização. E mais do que isso: nos conecta a um propósito.”

Ao reconhecer o investimento em qualificação feito pela empresa, Íris revela gratidão: “Sou grata ao McDonald’s por me dar a primeira oportunidade de trabalho mesmo sem experiência e por sempre investir em qualificação e desenvolvimento. Isso me permitiu não só desempenhar bem minhas funções naquele momento, como também me preparou para crescer dentro da empresa e trilhar uma trajetória sólida.”

Uma virada de propósito: a liderança no Instituto Pactuá

Depois de ocupar cargos de direção na América Latina e liderar estratégias de formação global, Íris sentiu que era hora de dar um novo sentido à própria trajetória. A presidência do Instituto Pactuá surgiu como resposta a essa inquietação.

“Construí uma carreira brilhante, mas marcada por muitos sacrifícios, desafios e renúncias. Em algum momento, me perguntei: como posso contribuir para que outras pessoas, especialmente mulheres negras como eu, também alcancem espaços de liderança, mas de uma forma menos árdua e solitária?”

Transformar a própria caminhada em ponte virou missão. “A missão de ampliar esse número, de abrir portas, de mostrar que é possível sim, chegar lá. E mais: que é possível chegar com dignidade, com apoio, com oportunidades mais justas.”

Educação como política de acesso

Desde que assumiu o Instituto, Íris tem reforçado o tripé que guia sua atuação: educação, conexão e ancestralidade. Para ela, a formação não se limita ao aspecto técnico, mas atua como catalisadora de poder coletivo e de memória.

“A educação é, sim, um dos pilares fundamentais do Instituto Pactuá — mas ela caminha lado a lado com a conexão e a inspiração. Nosso objetivo é que pessoas negras ocupem posições de liderança, mostrando, na prática, todo o seu talento, sua potência e sua força.”

Ela reforça que o problema nunca foi competência, mas oportunidade. “Muitas vezes, escutamos julgamentos injustos que dizem que pessoas negras não são tão competentes, mas o que nos falta não é competência e sim oportunidades. E é justamente isso que a educação tem o poder de transformar: ela potencializa aquilo que já existe dentro de cada um.”

Formação de alto impacto e proximidade com a base

Íris liderou a capacitação de mais de 100 mil pessoas em 20 países enquanto ocupava cargos de liderança na McDonald’s. Mas ela não se apoia apenas em grandes números — para ela, o impacto real está na metodologia e na presença.

“Sempre entendi que o treinamento precisa ser rápido, eficiente e, acima de tudo, atrativo. Porque para que alguém aprenda de verdade, essa pessoa precisa querer aprender. E nós criamos um sistema que despertava esse interesse, que fazia as pessoas se engajarem genuinamente no processo.”

Ela também destaca a importância da liderança próxima. “Acredito que performance só acontece com proximidade, com as pessoas, com a liderança, com o chão da operação. Ficar apenas no escritório, distante da realidade, é perder o pulso do negócio.”

Essa filosofia tem nome e história. “Sou fruto do treinamento. Jamais teria chegado onde cheguei se não tivesse sido capacitada, tanto tecnicamente quanto no desenvolvimento de habilidades interpessoais. Essa convicção de que o treinamento transforma me guiou como líder: eu queria que o meu time tivesse as mesmas oportunidades que eu tive.”

E o impacto é concreto. “Ao longo dos anos, reencontrei muitas pessoas com quem trabalhei e que disseram: ‘Ali foi minha grande escola’. E eu me orgulho profundamente de ter feito parte dessa transformação.”

Raça, gênero e merecimento

Aos 21 anos, Íris se tornou gerente de loja. Liderava mais de 100 funcionários e coordenava uma equipe de 10 gerentes. Sua unidade foi reconhecida como a melhor do Brasil, o que lhe garantiu um curso nos Estados Unidos. Lá, dividiu a sala com três homens brancos — um contraste que não a intimidou. “E eu estava ali, com muito orgulho. Mais do que isso: com a certeza de que eu merecia estar ali.”

A experiência não foi exceção. Como mulher negra, ela conheceu as barreiras invisíveis do mercado desde cedo. “Ser uma mulher negra em posição de liderança, em um país como o nosso, é um desafio diário. Mas desde o início da minha trajetória, enfrentei esse desafio com coragem.”

Ela reforça que nada foi dado. “Sempre fui movida por esse desejo de evoluir, de mostrar que, se eu sabia, então eu podia,  e devia, ocupar aquele espaço.”

O peso da entrega e o desafio do equilíbrio

Hoje, Íris fala também de saúde, um tema muitas vezes negligenciado no discurso sobre sucesso. “Conciliar os papéis de executiva, esposa, filha, mãe e ainda cuidar de si mesma sempre foi um grande desafio,  e confesso que nunca encontrei esse equilíbrio da forma ideal.”

Com uma agenda intensa e uma história de entregas em ambientes de alta pressão, ela reconhece que o autocuidado precisa entrar na agenda com a mesma prioridade. Não como um luxo, mas como um pacto com a longevidade.

Liderança como ato coletivo

À frente do Instituto Pactuá, Íris Barbosa representa um tipo de liderança que mistura método e afeto, técnica e política, história pessoal e responsabilidade coletiva.

“Me perguntei como poderia transformar minha trajetória em ponte. A missão agora é essa: contribuir para que outras mulheres negras cheguem lá, mas com mais apoio, menos sacrifício, menos solidão.”

“Nossa presença pavimenta caminhos para outras”: Head de Diversidade da Natura, Aline Lima acredita na potência do “é possível”

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Viola Davis já nos ensinou que o grande privilégio dessa vida é ser quem a gente é. Como mulher negra, esse conceito parece ainda mais desafiador, mas a trajetória de profissionais como Aline Lima, head de Diversidade, Equidade e Inclusão da Natura, mostra que as mudanças de carreira e a nossa origem nos tornam mais completos para desfrutar da nossa potência profissional quando a oportunidade certa aparece.

Filha de uma sacoleira e de um metalúrgico, a executiva de 40 anos hoje tem orgulho de onde veio, mas nem sempre foi assim. “Demorei muitos anos para aceitar minha identidade como mulher negra de origem periférica, porque a dor do não pertencimento me atravessava profundamente. Mas reencontrar minha ancestralidade foi o que me devolveu a potência.”

Para Aline, a liderança tem desafios peculiares. “Ocupar uma posição de liderança como mulher negra é simbólico e potente. Representa a possibilidade de abrir a porta por dentro e mostrar que é possível. Mas também carrega uma grande responsabilidade, porque ainda somos poucas nesses espaços.”

Sua existência e resistência trouxe para a Natura um olhar especial para o tema diversidade, mas sua vivência traz a vantagem de uma escuta atenta com um tipo de consumidor historicamente ignorado. Nessa entrevista, ela descreve um momento durante um evento relacionado ao projeto Dandara, uma pesquisa inédita da Natura para estudar os hábitos, desejos e necessidades das mulheres negras e pardas que resultou na celebrada linha Tododia Jambo Rosa e Caju. “Uma fala que me marcou profundamente foi de uma mulher que contou que, na infância, a mãe usava óleo de cozinha para hidratar sua pele, porque não havia produtos feitos para nós. Estávamos falando da chamada ‘pele cinza’, causada pela falta de hidratação e de acesso. Aquilo me atravessou. Porque nos foi negado, por muito tempo, o direito ao cuidado e ao prazer.”

Mundo Negro – Quem é a Aline Lima para além da liderança na Natura? Você pode nos contar um pouco sobre sua trajetória pessoal e as experiências que moldaram sua visão de mundo e de trabalho?

Aline Lima – Sou uma mulher negra, bissexual, de 40 anos, filha de um metalúrgico e de uma sacoleira. Cresci em um lar onde a luta por justiça social era parte do cotidiano, meus pais sempre foram militantes pelos direitos dos trabalhadores e da moradia. Foi nesse ambiente que aprendi sobre dignidade, coletividade e coragem.

Demorei muitos anos para aceitar minha identidade como mulher negra de origem periférica, porque a dor do não pertencimento me atravessava profundamente. Mas reencontrar minha ancestralidade foi o que me devolveu a potência. Foi nesse processo que compreendi que não há como negar quem somos sem, junto disso, negar o que podemos ser. Quando criança, eu sonhava em ser diplomata. Hoje, percebo que, de certa forma, realizei esse sonho. Aprendi a construir pontes, traduzir realidades e conectar mundos, e é isso que faço todos os dias.

Mundo Negro – Em sua caminhada profissional, quais foram os momentos ou decisões que mais contribuíram para você ocupar hoje um cargo de liderança em Diversidade, Equidade e Inclusão? E o que essa posição representa para você como mulher negra?

Aline Lima – Minha trajetória é tudo, menos linear, e eu tenho muito orgulho disso. Hoje estou na minha terceira carreira. Comecei como advogada, atuei em grandes empresas do mundo corporativo, passei pelo terceiro setor, empreendi com foco em impacto social… e cada passo dessa caminhada foi construindo a tecnologia social que hoje levo para dentro das organizações.

Essa pluralidade de experiências, junto com a minha história de vida, me permite liderar a agenda de Diversidade, Equidade e Inclusão com uma perspectiva de negócio, mas também com consciência crítica. Aprendi a traduzir e, muitas vezes, hackear o sistema para provocar transformações reais, aquelas que não são só discurso, mas que geram impacto concreto.

Ocupar uma posição de liderança como mulher negra é simbólico e potente. Representa a possibilidade de abrir a porta por dentro e mostrar que é possível. Mas também carrega uma grande responsabilidade, porque ainda somos poucas nesses espaços. E quando somos poucas, sentimos que tem que dar certo. Não por vaidade, mas porque nossa presença pavimenta caminhos para outras. Isso me move e me enche de orgulho.

Mundo Negro – O projeto Dandara nasce a partir da escuta profunda das mulheres pretas e pardas. O que mais te emocionou ou surpreendeu nesse processo de pesquisa? Há alguma fala ou insight que ficou marcado em você?

Aline Lima – O que mais me surpreendeu foi a potência. Em 2022, estive em Salvador para conduzir rodas de conversa com mulheres negras de diferentes idades e vivências. E, apesar de todo o racismo, exclusão e sobrecarga, o que emergia era uma força visceral, um desejo legítimo de se cuidar, de ser feliz, de dar certo. Era como se, ali, entre tantas histórias, eu estivesse ouvindo a mim mesma. É impressionante o quanto nossas experiências se cruzam enquanto mulheres negras.

Uma fala que me marcou profundamente foi de uma mulher que contou que, na infância, a mãe usava óleo de cozinha para hidratar sua pele, porque não havia produtos feitos para nós. Estávamos falando da chamada “pele cinza”, causada pela falta de hidratação e de acesso. Aquilo me atravessou. Porque nos foi negado, por muito tempo, o direito ao cuidado e ao prazer.

O projeto Dandara mostrou que, quando escutamos com verdade, essas histórias se transformam em inteligência coletiva, e é essa inteligência que guia a inovação. Mais de duas mil mulheres compartilharam suas vivências. E foi dessa escuta profunda, feita com afeto e ética, que nasceu uma solução que nos representa de dentro para fora.

Mundo Negro – Como você tem buscado manter o equilíbrio entre a intensidade do trabalho com pautas estruturais e o cuidado com a sua saúde emocional, seu corpo e suas relações? Quais práticas de autocuidado têm sido essenciais na sua rotina?

Aline Lima – Lidar diariamente com pautas estruturais que nos atravessam exige um compromisso constante com o autocuidado. A psicologia analítica junguiana tem sido um pilar para mim. Sou analista junguiana e faço análise há muitos anos. Escolhi um terapeuta negro, com quem compartilho uma visão política e social alinhada, o que torna a jornada ainda mais potente. Muitas vezes, o que levo para a terapia são os atravessamentos coletivos, e ter alguém que compreende isso com profundidade é essencial.

Minha família é minha base. É onde encontro ombro, riso, amor e sustentação. Tenho também uma rede de aliados e uma equipe incrível. Costumo dizer que minha equipe na Natura são mais de 15 mil pessoas, porque vivo um momento de trabalho em que a colaboração atravessa cargos, áreas e funções.

Respeitar meus próprios ritmos também é fundamental, ter meu momento de ficar em silêncio, de ver uma série, de dançar no samba. Tudo isso me reconecta comigo mesma. O equilíbrio nasce dessa escuta, do corpo, da mente e da alma. E do entendimento de que seguir inteira é também parte da missão.

Mundo Negro – O que você gostaria que outras mulheres negras sentissem ao usar um produto pensado para elas, como a linha Tododia Jambo Rosa e Caju? Mais do que consumo, o que essa experiência de cuidado representa?

Aline Lima – Eu gostaria que elas se sentissem amadas. Amadas por elas mesmas. Que, ao tocarem a própria pele, pudessem lembrar da nossa beleza, da nossa importância, e de como vale a pena se cuidar com afeto, com prazer, com dignidade. Que elas recuperem esse direito, o direito de se olhar com ternura, de sentir orgulho da própria pele, do próprio corpo, da própria história.

Foto: Divulgação

Quero que saibam que, ao passar esse creme, ao sentir essa fragrância, elas não estão apenas se cuidando, estão se conectando a uma rede de mais de duas mil mulheres que partilharam suas vivências para tornar esse produto possível. Isso é potência coletiva. É representatividade cosmética com propósito.

Cada vez que eu uso, eu me lembro, nenhuma mulher negra deveria sentir vergonha da sua pele. O autocuidado, para nós, é também um ato de resistência. É um jeito de dizer ao mundo que ninguém mais vai definir o nosso valor. Que a gente sabe quem é. Que a gente merece. E que, sim, o amor-próprio também pode nascer de um gesto simples, mas cheio de significado.

Os saberes das mulheres negras são valiosos

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Makota Valdina (Foto: Evandro Veiga/Arquivo CORREIO)

Você tem lido as histórias de nossas ancestrais negras? Ou pelo menos tem conversado com mulheres negras que vieram ao mundo antes de você ? 

Neste 25 de julho, data que celebra-se o Dia da Mulher Negra, Latino-Americana e Caribenha, é importante reforçarmos o protagonismo desempenhado por elas em nossas vidas. 

Esses dias li uma frase da educadora Makota Valdina: “Ação social, aprendi a fazer com a minha mãe: ela era parteira, se metia em clubes de mães, organizava as mulheres, fazia grupos para solicitar água, solicitar luz. Ela era semianalfabeta”. Lembrei da minha mãe, que no passado atuou tanto coletivamente no bairro. Ela chegou a São Paulo nos anos 70, fugindo da exploração dos patrões da cidade onde morava, em Minas Gerais. Na realidade, a cidade tinha pouco a oferecer no campo profissional para as pessoas pobres. Ou você é explorado no campo, ou em “casa de família”. Às vezes, os pais entregavam os filhos para trabalharem em troca de um prato de comida. Pode parecer absurdo, mas era assim que as coisas funcionavam. Suspeito que essa prática ainda persista.

Em São Paulo, considerada terra dos sonhos, poucas coisas mudaram para a minha mãe. O sofrimento continuou sendo a indesejável companhia. Dona Helena mal conseguia escrever o próprio nome, mas sabia manipular o pouco dinheiro que ganhava como ninguém. A escassez não atenuava a sua sede de sobrevivência. E da mesma forma que a mãe de Makota Valdina, e como tantas outras mulheres negras periféricas, utilizou a coletividade como resistência para não dobrar os joelhos diante do racismo estrutural. Quando penso nisso, observo que a comunhão das novas gerações está em decadência entre os desafortunados. Suponho que os instrumentos de dominação estejam mais sofisticados. Outra mulher negra, também mineira, como a Dona Helena, que vivenciou muitas agruras em São Paulo, foi a escritora Carolina de Jesus. A sua obra “Quarto de despejo: Diário de uma favelada” explicita de maneira sensível e honesta a dinâmica da vida na favela, nos anos 50.

Ao revisitarmos a história da população negra no Brasil, constatamos muitos pontos em comum. Com a abolição da escravidão, ela perdeu a condição de mercadoria, ingressou no mercado de consumo e conquistou a autonomia para comercializar a sua força de trabalho. Tristemente, nada disso garantiu que obtivesse menos sofrimento. E, mesmo soando inalcançável a eliminação do racismo, não podemos prescindir da organização. A lição de coletividade é a nossa bússola, precisamos colocar em prática. Sozinhos, as dores são insuportáveis.

25 de julho: a potência do feminino negro

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Foto: Divulgação

Por Rachel Maia

No dia 25 de julho, celebramos o Dia da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha. Essa data, mais do que uma homenagem, é um chamado à reflexão e à ação. Instituída em 1992, durante o 1º Encontro de Mulheres Negras da América Latina e do Caribe, em Santo Domingo (República Dominicana), a data marca a luta por igualdade de direitos, visibilidade e justiça social para mulheres que enfrentam múltiplas opressões: de gênero, raça e classe.

E, diante da importância dessa data, compartilho esse momento de luta, reflexão e muitas vitórias com duas profissionais distintas, mas que se complementam não apenas no momento histórico de suas existências — já que têm a mesma idade —, mas, principalmente, por seus feitos como potências sociais, culturais e afro-brasileiras.

Liana Santos, idealizadora e estilista da marca Liana d’Afrika — que está no mercado desde 2016 — já vestiu mulheres que representam, com muita importância, o dia de hoje. Suas criações carregam a missão de celebrar a autenticidade da moda africana e da cultura afro-brasileira, com um toque carioca. Com formação em Design de Moda pela Universidade Cândido Mendes e pós-graduação em Figurino de Artes Cênicas pela Universidade Veiga de Almeida, ela, que é nascida em Niterói, atua como consultora de moda, estilista, figurinista e militante afro, apresentando o que há de mais belo e potente na moda.

“A moda afro-diaspórica surge como ferramenta poderosa de revolução, que vai muito além da estética. Ela se estabelece como forma de expressão cultural, resistência e empoderamento, ressignificando narrativas e reafirmando identidades. Eu costumo dizer que foi na moda e na cultura de matriz afro-brasileira que me conectei com minhas raízes africanas — ‘renasci’. Minhas criações não são só vestuário: cada peça carrega consigo histórias, memórias, símbolos e uma rica herança cultural”, informa Liana.

Rosimeire Cruz é jornalista, graduada pela FMU – FIAM FAAM, atua como redatora e escritora, uma comunicadora que tem colaborado com o fomento da cultura, inserindo jovens periféricos no cenário cultural de São Paulo. Com especializações em Comunicação Digital pela ECA – USP, ela traz, em sua trajetória, expertises de suas vivências profissionais como técnica em eventos — formada pelo Centro Paula Souza —, produzindo e participando de eventos de médio e grande porte, como, por exemplo, a Virada Cultural.

“Escolhi ser jornalista pela convicção no impacto transformador que o trabalho pode gerar. Como comunicadora, vejo a oportunidade de trazer pautas como sustentabilidade, diversidade, equidade, inclusão e cultura para o centro das conversas — conectando essas temáticas a pessoas que desejam fazer a diferença”, afirma a redatora.

O protagonismo das mulheres negras na construção social, econômica e cultural da América Latina e do Caribe é inegável. No entanto, ainda hoje, essas mulheres seguem enfrentando racismo estrutural, desigualdade de oportunidades, invisibilidade na política, na mídia e no mercado de trabalho, além de violência doméstica e institucional.

“Através das estampas autorais africanas, cores vibrantes, adornos e modelagens sofisticadas, a marca promove a valorização da beleza e da identidade negra, desconstruindo padrões eurocêntricos e celebrando a ancestralidade. A moda é intrinsecamente política. Enfatizo: vestir mulheres intelectuais negras significa que as roupas se tornam um manifesto, um grito de resistência contra o racismo, a discriminação e a invisibilidade”, ressalta a estilista.

“O nosso poder está na construção de alicerces para criar nossas narrativas sem sermos interrompidas. Meus feitos são bem maiores que minhas dores — e são esses feitos, construídos com o protagonismo das mulheres da minha família, como a minha avó Maria, que me dizia insistentemente em nossos encontros: ‘minha filha, quem dá valor a nós, somos nós mesmas’, que me movem cheia de esperança”, ressalta a jornalista.

Toda vez que ouço histórias como essas, faço uma reflexão sobre tudo que construímos juntas até aqui. Liana, Rosimeire, Maria: por nossas mães, tias, avós, vizinhas, mestras. Somos muitas, e não vamos parar. Percebam a importância de darmos as mãos e seguirmos. A cultura que nos envolve é transformadora, e o nosso poder de criação nos oportunizou não apenas ocupar espaços, mas também reinventá-los — com afeto, coragem e propósito.

“Criar moda atemporal é um dos conceitos da marca, mas impactar mulheres periféricas, através da valorização da mão de obra local e prover inclusão oferecendo novas perspectivas, por meio de projetos sociais ofertados — como o Costurando Memórias Ancestrais —, demonstrando que costura e moda podem ser uma força transformadora, capaz de gerar valor cultural, social e econômico, é o meu grande feito”, enfatiza Liana.

“Há muitos talentos nas periferias, e eu acredito que há também uma oportunidade de conexão ampla entre realidades econômicas distintas. Acredito no acesso à pluralidade cultural, e isso só acontecerá de fato quando pararmos de isolar as pessoas e separá-las por estereótipos ou classe social. É preciso circular e conhecer a diversidade artística, musical e de vivência de cada indivíduo, e isso nos fortalecerá como nação. Nossa cultura é riquíssima, mas o acesso, limitado”, ressalta Rosimeire.

Esse não é apenas um desabafo ou uma homenagem. É um chamado. Um convite para reconhecermos, juntas, o que já conquistamos — e o quanto ainda podemos transformar. Cada nome citado carrega consigo uma história de luta, afeto, coragem e reconstrução. E por trás de cada nome, há centenas de outras mulheres que se levantam, todos os dias, com a força de quem cria o novo mesmo quando o mundo insiste em negar espaço.

Celebrar o Dia da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha é reconhecer uma história de resistência, ancestralidade e potência. É também uma oportunidade de rever nossos papéis sociais, ouvir novas vozes e fortalecer a luta por uma sociedade mais justa, diversa e inclusiva.

Seguimos, por aquelas que resistiram e abriram caminhos para que hoje possamos sonhar com mais liberdade — e porque o futuro que sonhamos é coletivo e já começou a ser tecido por nós.

Viva Tereza de Benguela!

“Raízes do Amanhã” reúne lideranças negras femininas para debater justiça climática e sustentabilidade em São Paulo

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Evento gratuito acontece no Centro Cultural São Paulo com presença de mulheres negras do Brasil e do exterior que atuam nas áreas de inovação, impacto social e equidade racial

No próximo sábado, 26 de julho, o Centro Cultural São Paulo recebe o evento “Raízes do Amanhã: Liderança, Justiça e Inovação para um Futuro Sustentável”, iniciativa que integra a agenda do Julho das Pretas com foco na valorização da liderança negra feminina frente aos desafios climáticos, sociais e estruturais.

Idealizado pelo Instituto Social Espaço Negro, por meio do coletivo Mulheres de Raça, em parceria com o Coletivo Nzinga, o encontro tem entrada gratuita e pretende reunir o público em um espaço de escuta, trocas e articulações sobre justiça climática, equidade racial e sustentabilidade, a partir de uma perspectiva interseccional, antirracista e protagonizada por mulheres negras.

A programação contará com painéis e rodas de conversa conduzidos por nomes que se destacam nos ecossistemas de inovação, tecnologia e transformação social. Entre as convidadas confirmadas estão:

  • Margaret Spence (EUA) – CEO da C. Douglas & Associates e fundadora do The Employee to CEO Project, que prepara mulheres negras para cargos de liderança;
  • Ana Minuto, da Minuto Consultoria;
  • Amanda Graciano, da Trama Consultoria;
  • Alessandra Benedito, da Fundação Lemann;
  • Bárbara Barboza, da Oxfam Brasil.

A mediação dos painéis será feita por mulheres negras com trajetória nos campos da sustentabilidade e equidade, como Giovana Santos, Ariene Salgueiro, Débora Souza, Jamile Barreto e Débora Montibeler. A condução geral do evento ficará por conta de Regina Costa, com acolhimento das anfitriãs Nalva Moura e Cris Filipe.

Além de destacar experiências e estratégias de atuação, o evento busca fortalecer redes de apoio, inspirar novas lideranças e ampliar o debate sobre a presença negra em espaços de decisão, com atenção especial à urgência da justiça climática como pauta transversal.

“O Raízes do Amanhã é mais do que um evento — é um espaço de afirmação, estratégia e conexão entre mulheres negras que estão pensando e construindo o futuro agora”, afirma a organização.

A iniciativa conta com o apoio de empresas como Endemol e Farmax, que se somam ao compromisso de fomentar ações voltadas à diversidade, justiça social e ambiental.

As inscrições são gratuitas e podem ser feitas pelo Sympla. As vagas são limitadas.


Serviço

Raízes do Amanhã: Liderança, Justiça e Inovação para um Futuro Sustentável

📅 Data: Sábado, 26 de julho de 2025

🕑 Horário: Das 14h às 20h

📍 Local: Centro Cultural São Paulo – Rua Vergueiro, 1000 – Paraíso, SP

🎟 Entrada gratuita – Vagas limitadas

🔗 Inscrições: [Sympla – Raízes do Amanhã]

“Eu não estou ali apenas para vender, estou para acolher”: Consultoras negras da Sephora transformam a jornada de beleza de outras mulheres negras

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Fotos: Divulgação

A experiência de compra de mulheres negras em espaços de prestígio ganha mais leveza em lugares onde há representatividade. As micro-agressões que muitas delas sofrem — ao serem subestimadas, ignoradas ou receberem um mau atendimento, geram frustração. É especialmente doloroso quando essa mulher conquista poder aquisitivo para consumir o que deseja, mas ainda precisa lidar com o racismo, comprometendo um momento que deveria ser agradável para todas.

A pesquisa “Racismo no Varejo de Beleza de Luxo” revelou que, para 59% dos entrevistados, os atendentes são os principais responsáveis pelas experiências de discriminação. Como resultado, 52% dos consumidores negros desistem da compra, 54% não retornam à loja e 29% optam por comprar online.

Ter vendedoras negras faz a diferença. “Eu não estou ali apenas para vender, estou para acolher, escutar e garantir que cada cliente negra se sinta pertencente”, explica Elisabete Souza da Silva, consultora de vendas da Sephora em Salvador. Ela relata como é gratificante perceber que clientes negras voltam à loja e a procuram, justamente por sentirem que há ali alguém que compreende não só os produtos, mas também suas necessidades e vivências. Nessas trocas, tanto a consultora quanto a cliente se sentem valorizadas.

Elisabete Souza da Silva, consultora de vendas da Sephora em Salvador – Foto: Reprodução

“Trabalhar em uma marca que valoriza a diversidade e a representatividade é, para mim, mais do que um emprego, é um espaço de afirmação. Como mulher negra, sei o quanto é importante nos vermos refletidas em todos os lugares, especialmente no universo da beleza. Isso influencia diretamente meu dia a dia, porque me sinto à vontade para ser quem sou, e isso se reflete no meu atendimento: natural, empático e verdadeiro”, detalha Elisabete. Segundo ela, é comum ver clientes retornando para serem atendidas por ela por se sentirem mais confortáveis e seguras. “Não é sobre aparência apenas, é sobre vivência compartilhada.”

A Gerente de Recursos Humanos da Sephora Brasil, Luciana Marcondes, comenta as estratégias da marca para garantir uma experiência que ainda é rara quando falamos da vivência de consumidores negros em espaços de prestígio. “Este é um tipo de experiência que vai além do produto: é sobre pertencimento, reconhecimento e negócio. Pessoas negras movimentam milhões no mercado de beleza. Quando o espelho reflete não só a beleza, mas também a identidade, a jornada de compra se transforma em um momento de cura e celebração”, detalha.

A Gerente de Recursos Humanos da Sephora Brasil, Luciana Marcondes – Foto: Divulgação

Luciana também destaca o poder da representatividade: “Ela gera conexão imediata. E muda tudo. Não só como colaboradora, mas também como consumidora de algumas marcas do grupo, é muito bom encontrar um consultor que entenda a textura do meu cabelo ou o produto certo para o meu tom de pele.”

Essa escuta qualificada também é praticada por Renata Helena de Azevedo, consultora de vendas da Sephora no Rio de Janeiro. “Vai muito além da estética. Saber que eu consigo ajudar alguém a revelar o cabelo natural, que antes era motivo de insegurança, ou mostrar que todas podemos usar um batom vermelho e nos sentir sensuais, é devolver a liberdade de se sentir bem na própria pele. Posso mostrar que podemos ousar, usar de tudo e estar em todos os lugares. Isso me dá muito orgulho do que faço.”

Renata Helena de Azevedo, consultora de vendas da Sephora no Rio de Janeiro.

Renata lembra da história de uma cliente que usava produtos que não gostava, com medo de mudar. A empatia da consultora, aliada ao conhecimento técnico, foi essencial. “Ela estava resistente a conhecer produtos novos. Eu sabia exatamente o motivo. Com muita conversa, ela foi se abrindo e percebendo que não precisava usar só blush laranja, que ela nem gostava. Saber que melhorei a relação dela com a beleza é desmistificar imposições e devolver a ela a segurança. É muito satisfatório.”

Principais dúvidas das clientes negras da Sephora

Ir a uma loja da Sephora em qualquer lugar do mundo é encontrar um espaço que investe na diversidade de produtos, seja por cor da pele, textura do cabelo ou idade. No Brasil, o país mais negro fora da África, atender à demanda de consumidores negros significa lidar com um público que só muito recentemente passou a ter produtos pensados para suas características.

Nesse sentido, a representatividade no ponto de venda ultrapassa o discurso cultural e se torna um diferencial de negócio. Consultoras que entendem a dor do cliente vendem mais, e antes de comprar, essas clientes se sentem mais seguras para tirar dúvidas quando veem diversidade no atendimento.

Mas afinal, quais são as dúvidas mais comuns? Elisabete, de Salvador, conta: “A maior dúvida está na tonalidade da base. Muitas ainda não sabem identificar o subtom da pele. Também perguntam muito sobre contorno e blush,  o que realça nossa pele sem apagar ou acinzentar.”

Em relação aos cabelos, ela aponta que a busca por definição para fios crespos e cacheados lidera os questionamentos. Renata, no Rio, complementa: “Muitas não sabem que a pele negra também tem subtom, e por isso não acham a cor ideal. E sempre perguntam qual o melhor pente, já que nosso cabelo tem diferentes texturas e, no geral, é mais fino.”

Para ela, o destaque de vendas entre clientes negras é a Fenty Beauty. “Não dá para falar de maquiagem para pele negra sem falar da Fenty. Ela revolucionou não só pela variedade de tons, mas por considerar subtons e texturas. Para pessoas negras, é a primeira marca de escolha.”

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