Os efeitos do racismo na saúde mental da população negra são questões fundamentais para serem tratadas em terapia, já que causam grande sofrimento psíquico. Em conversa com a psicóloga Shenia Karlsson, ela explicou sobre a importância de olhar para a saúde mental da população negra, considerando o racismo como uma das questões centrais que atingem especificamente esse grupo.
A psicóloga clínica afirma que por muito tempo a psicologia ignorou que as questões raciais pudessem ter consequências para a saúde mental dos negros: “Questões raciais nunca foram um “recorte” e sim uma questão central para nós negros. Em países estruturalmente racistas como o Brasil, devemos considerar as dificuldades que pessoas negras enfrentam em seu cotidiano, visto que o racismo se impõe a todo momento atingindo assim todas as dimensões da vida. Historicamente, a psicologia têm negligenciado questões étnico-raciais, seja pela ideia de sujeito universal (branco, cis, heteronormativo e burguês), seja pela negação do racismo como estratégia de nos excluir também de lugares de cuidado. No entanto, graças aos esforços de muitos profissionais negros em propagar informações sobre a importância de se olhar para a saúde mental da comunidade negra, esse cenário mudou sua roupagem para a nossa sorte”, explica.
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Para Shenia, os profissionais devem acompanhar as mudanças sociais e colaborar para a construção de uma psicologia que esteja alinhada com questões sensíveis da sociedade, que no Brasil é formada em sua maioria por pessoas negras. “Qualquer profissional da área de saúde deve estar em consonância com as mudanças sociais, sendo assim, é necessário atualizar-se e instrumentalizar-se. Num país em que mais de 55% da população é negra e racializada, torna-se urgente a construção de uma psicologia mais parecida com a sociedade real, em que todos aqueles que procuram profissionais de psicologia possam ser representados e acolhidos. Vale lembrar que a representatividade é importante mas não sustenta tudo, o psicólogo que se propõe a receber pessoas negras deve estar comprometido com uma pesquisa séria e uma prática antirracista”, detalha Shenia.
Ela ainda explica que existem particularidades no sofrimento causado pelo racismo que devem ser consideradas durante a terapia. “Falando do lugar da Psicologia Clínica afirmo que existem peculiaridades no atendimento ao sujeito negro ainda que na maioria das vezes exista uma insistência em relativizar as diferenças e a enfatizar discursos prontos tais como “somos todos iguais”, “insconsciente não tem cor”, “não devemos segregar a psicologia”. A experiência de ser negro no mundo é algo único mesmo que tenhamos uma imensa diversidade entre nós”. Para Shenia, a terapia que considera as questões étnico-raciais reconhece as “experiências de silenciamento, invizibilização, deslegitimização e desumanização”.
”Uma terapia voltada para a comunidade negra reúne elementos fundamentais: lugar seguro, representatividade, humanização, liberdade de existência, construção de estratégias contra o racismo, descolonização do pensamento e dos afetos”, complementa a especialista.
Quando falamos sobre buscar o apoio psicológico de profissionais negros, Shenia enfatiza que a terapia também é quilombo. “A terapia com um profissional negro tem várias vantagens: identificação com alguém que parece com a gente, poder falar de racismo sem se preocupar se o profissional (branco) vai se ofender ou não, gozar de um serviço especializado feito para nós e o mais importante, a segurança. O consultório de psicologia para mim é um quilombo, um lugar de fortalecimento, de resistência. Uma frase que eu sempre repito “Se o corpo é político, a saúde mental também é”, finaliza.
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