O termo Necropolítica foi cunhado pelo filósofo social camaronês Achille Mbembe e fala basicamente sobre como a morte é utilizada como artifício político pelo estado. Em essência, a discussão da necropolítica é sobre a morte e apropriação dos corpos como um objeto de gestão.
O psicanalista Dr. Fábio Nóbrega Franco, em análise à obra de Mbembe, afirma que o estado se apropria da vida e, além de decidir quem irá morrer e quem irá matar, também decide a forma da morte segundo critérios diversos. Dentro dessa discussão fica fácil analisar que, em um país como o Brasil, onde a política de gestão se mescla a concepções estruturais de racismo, a necropolitica tenha um público alvo.
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A gestão necropolítica está essencialmente ligada a opressões estruturais de raça, classe e gênero e se apropria de ferramentas públicas para se efetivar.
No Brasil, a gestão de segurança pública segue sob comando de mãos violentas e racistas e, como consequência, temos o descaso total para com vidas negras nas periferias. E, como se isso não bastasse, temos um direcionamento racista das instituições para se efetivar a gestão da vida e morte dessas populações.
Essa administração da segurança pública que gere a vida dessas populações e define, a partir de ideais racistas, quem e como essa população deve morrer é a realidade necropolítica brasileira.
Sob o disfarce de uma guerra de combate às drogas nas comunidades periféricas, estados brasileiros promovem genocídio de populações sem pudor algum e mesmo que digam não direcionar suas políticas dessa forma os números nos mostram diariamente o contrário.
Em 2019, por exemplo, cerca de 5800 pessoas foram mortas pela polícia no país.
Entre 2017 e 2018, mais de 75% dos mortos pela polícia foram pessoas negras.
Notem: os mortos possuem cor e classe social. Em sua grande maioria eles são homens negros das periferias.
No Brasil, as chances de um jovem negro morrer são quase 3 vezes maiores que a de um jovem branco.
Na cidade de Campinas no interior de São Paulo, por exemplo, o comando da Polícia Militar deixou vazar em 2013 uma ordem que pedia para os policiais priorizarem abordagem à jovens negros.
A ordem do capitão Ubiratan de Carvalho Góes pedia a intensificação do policiamento em ruas próximas ao Colégio Liceu, no bairro Taquaral, aos sábados das 11h às 14h, “(…) focando em abordagens a transeuntes e em veículos em atitude suspeita, especialmente indivíduos de cor parda e negra com idade aparentemente de 18 a 25 anos”. Um exemplo explícito de como a gestão de corpos negros pelos agentes de segurança funciona.
Mas a necropolitica não fala apenas de ações de gestão da vida de forma direta produzindo diretamente a morte, mas também de forma indireta gerindo as condições de existência de certas populações para que estas estejam em situações mais vulneráveis e passíveis de serem mortas, gerando conflitos e manipulando o medo como forma de controle de comunidades.
Fábio chama nossa atenção também para uma análise mais ampla da necropolítica. Uma vez que a formação de condições mortíferas nas comunidades existe não só em função de ações promovidas pelo estado, a necropolítica pode ser vista também como uma gestão feita ou auxiliada por forças paralelas a ele. O narcotráfico e as milícias, por exemplo, são forças que promovem controle e gestão de vidas nas comunidades brasileiras e acabam por administrar essas populações a partir do uso, justamente, da necropolítica.
A necropolítica é um projeto e, como todo projeto, possui diversas formas de se efetivar e alcançar seus objetivos. Falamos muito sobre a gestão da segurança pública mas, a partir do momento em que temos um estado que não se efetiva em fornecer condições básicas de existência a determinadas populações, temos então ambientes que favorecem a efetivação de mortes e genocídio dessas populações.
A falta de investimentos em infraestrutura nas comunidades, bem como a má gestão da saúde pública funcionam como braços do estado na produção de ambientes que facilitam a necropolítica.
Indo ainda mais além, falando sobre um assunto que já abordei aqui com vocês, podemos analisar o descaso com o meio ambiente e a efetivação do Racismo Ambiental como formas de atuação necropolíticas.
Gerenciar a vida a partir de uma visão seletiva e racista de quem vive e merece – indiscutivelmente – atenção, ambientes saudáveis e proteção, bem como a seleção de quem e como morre abandonado pelas forças do Estado é, em essência, parte de um projeto necropolítico do estado com a sociedade enquanto conivente.
Mas afinal, por que o estado brasileiro promove a necropolítica? O que ganham os governantes promovendo este tipo de gerenciamento da morte? Por que alguns corpos são selecionados para esse tipo de gerenciamento e outros não?
Primeiramente os ganhos são diversos e posso citar alguns. O Estado brasileiro promovendo condições limítrofes de existência para algumas populações acaba por economizar, isso porque não há investimentos e estes repasses passam a ficar disponíveis para a politicagem e até mesmo a corrupção.
Além disso, com a criação de um inimigo e objetivos como as facções e o tal combate às drogas, o Estado consegue justificar suas atuações sem que todas as atenções sejam direcionadas a ele.
Em uma análise mais subjetiva, mas também assertiva, manter populações vulneráveis sob gerenciamento necropolítico acaba por colocar o Estado em controle do medo e submissão dessas populações que, muito numerosas, em levantes contra a força governamental, representariam ameaça.
Remover as esperanças de reação de grandes populações ajuda a blindar reações populares à má gestão do estado. Isso explica o porquê dessa necropolítica e tantas outras falências do Estado se concentrarem efetivamente nas populações pobres e pretas.
A sociedade brasileira possui uma sensibilidade muito baixa a injustiças direcionadas a populações negras. Como herança da escravidão nossa sociedade construiu uma empatia seletiva e com isso o Estado mantém suas falências direcionadas aos nossos grupos, já que as chances de reação popular são menores.
A soma do descaso estatal ao projeto de genocídio de nossas populações e existência quase nula da empatia de outros grupos sociais, gera opressões e cria ambientes perfeitos para a efetivação da necropolítica do Estado e outras opressões.
O Dr. Fábio Nóbrega Franco afirma, ainda, que a sustentabilidade e manutenção da necropolítica brasileira é a sua articulação com o discurso da saúde nacional, que promove uma ideologia nacionalista e errônea de que o Brasil só irá prosperar a partir de determinadas ações. Quase como se a morte de algumas populações fosse apenas um passo para se alcançar um objetivo ou plano maior da nação brasileira.
Em análise, o professor e doutor Silvio Almeida, afirma que a necropolítica serve como ferramenta de gestão de um capitalismo em crise e tem como principal sintoma opressão e o genocídio de grupos já vulnerabilizados, ou seja, a população negra e pobre brasileira.
Pensar a necropolítica é pensar sobre como o Estado, seus braços e suas ferramentas exercem poder político social administrando a vida e a morte de grupos marginalizados promovendo assim ainda mais opressões e efetivando o projeto de genocídio de populações negras no Brasil.
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