Mirtes busca justiça, quer ser juíza, mas entende a importância de estudar e cuidar da mente e corpo

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Mirtes busca justiça, quer ser juíza, mas entende a importância de estudar e cuidar da mente e corpo
Mirtes Renata - Arquivo pessoal

Mirtes Renata, 34 anos, teve uma parte da sua vida marcada por uma tragédia.  Esse é o primeiro domingo do “Dia das Mães” que ela passa sem o seu filho, Miguel.  No dia 2 de junho de 2020, o garoto negro que tinha apenas 5 anos, entrou para o noticiário nacional ao falecer depois de cair do 9º andar de um edifício de luxo em Recife, enquanto procurava por sua mãe que teve que interromper seus serviços domésticos, para levar o cachorro da patroa para fazer as necessidades na rua.

 Sara Corte, a empregadora, é mulher branca de família influente em Pernambuco. Ela priorizou a beleza das unhas ao invés de zelar pela integridade física de uma criança que estava sob sua responsabilidade durante a ausência da sua funcionária.  

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Sem o seu único filho, essa mãe transformou esse pesadelo em uma batalha incansável pela condenação de Sara. Nessa trajetória, externamente ela se tornou símbolo de luta por justiça. Internamente ela viu nascer nela virtudes que ela não conhecia.

Mesmo tendo iniciado o curso de Direito há pouco tempo, ela já fala como uma advogada.  Os trabalhos braçais são coisas do passado. Seu intelecto é estimulado diariamente nas várias atividades que ela realiza no esquema home-office, incluindo um trabalho com um ONG internacional. Terapia, academia são indispensáveis para ela, mas a fé e o amor a Miguel são suas molas propulsoras.  

Mulher negra consciente do que sua figura representa nesse país, Mirtes já faz parte da história do Brasil. Por meio dessa entrevista, você vai conhecer um pouco mais sobre o lado pessoal de uma mulher que não considera o conformismo uma opção.

Mundo Negro – Domingo é Dia das Mães e a sua força e determinação por justiça têm sido uma luz para mães que perderam seus filhos de forma criminosa. De onde vem essa força? Onde entra a sua família e sua fé nesse contexto?

Mirtes – Olha primeiramente minha força vem de Deus. Ele é que está me mantendo de pé.  Ele está ouvindo as orações das pessoas, pedindo para me dar força, para me dar a sabedoria e conforto. Estou de pé graças a Deus e ao amor pelo meu filho. Eu só estou de pé ainda por ele, para lutar por ele.  Da mesma forma que eu lutava por Miguel em vida, eu estou lutando agora nesse momento para que o crime que que cometeram contra ele não fique impune. Então isso é o que me ajuda a seguir e me manter ainda de pé mesmo diante de todas as dificuldades. O que me mantém de pé é Deus, a minha fé e o amor que eu sinto pelo meu filho.

Como você tem sentido o apoio da comunidade negra e de ONG’s no geral?

Os movimentos negros, as ONGs, tudo relacionado ao povo negro estão juntos comigo nessa luta. Eles estão de mãos dadas comigo e não só os movimentos aqui do Brasil, mas também movimentos fora do Brasil também está junto comigo nessa luta. E é como eles me disseram e me dizem até hoje, “Mirtes ninguém solta a mão de ninguém”. Então esse apoio para mim está sendo muito importante mesmo. É o que está me ajudando a seguir nessa caminhada de luta de pedido de justiça.

O que mudou na sua vida profissional depois que você parou de trabalhar para família Corte? O que você tem feito?

Eu trabalhava de empregada doméstica, de serviço pesado. Eu já trabalhei de carpinteira, já trabalhei de auxiliar de cabeleireira. Eu sempre trabalhei em serviço pesado, muito braçal mesmo, de estar correndo para cima e para baixo fazendo uma coisa e outra sempre em pé.

Hoje eu estou trabalhando em 2 grupos.   Com o pessoal do Grupo Curumim que é um grupo feminista e antirracista e o Coletivo Afro Resistance que também é um coletivo feminista e antirracista, mas ele é internacional, é um coletivo Internacional resistência. Para mim é totalmente diferente, algo novo e por enquanto a gente está em home Office. O grupo curumim tem um prédio físico e por enquanto está sendo um home Office por conta da pandemia e o coletivo resistência é um coletivo Internacional com mulheres de vários para ir países e esse realmente é à distância mesmo. Para mim está sendo muito diferente. Aos poucos estou me adaptando porque estava acostumada a pegar pesado mesmo e assim pegar um pouco leve, só utilizando mais a cabeça e o raciocínio para mim é algo bem diferente é algo muito novo mesmo.

Como é a sua relação com a sua mãe? O que você acha que puxou dela?


A relação entre mim e mainha (Dona Marta Maria Santana, de 61 anos) é uma boa relação de amizade de força.  Dela eu puxei a força e determinação. Minha mãe é uma mulher forte guerreira. Da mesma forma que eu perdi um filho ela perdeu o neto e um filho.  Meu irmão foi assassinado quando eu tinha 14 anos. Foi morto por engano e infelizmente a gente não pode mexer com o caso porque a família toda foi ameaçada e a gente teve que se calar. Mas minha mãe conseguiu segurar a onda para poder continuar cuidando de mim.

Ela é uma guerreira ela é uma mulher muito forte. E graças a Deus ela está junto comigo nessa. Eu sinto que ela não está bem ela sofre muito, mas ela está se mantendo o mais forte possível para estar junto comigo.

Mirtes, dona Marta e Miguel – Arquivo pessoal

A faculdade de Direito surgiu agora na sua vida. Já sabe que área pretende seguir?

Sim estou na faculdade graças a Deus.  Estou no primeiro período, estou estudando, me esforçando ao máximo e graças a Deus tirando notas boas. Eu já tenho um ramo do Direito sim para seguir que é o direito penal. É algo que eu já estou vivendo. E estou estudando pra obter mais conhecimento para lá na frente estar trabalhando nessa área. Quero fazer concurso e ser promotora, ser juíza. Eu quero estar no lugar onde vou ter o poder nas mãos poder de julgar o poder de condenar, para que outras pessoas não passem pelo que eu venho passando hoje. Quando eu terminar minha faculdade eu quero fazer a diferença nesse judiciário classista e racista.

O que você faz para cuidar da sua mente e se divertir quando pode?

No momento estou fazendo terapia. E isso tem me ajudando muito. Logo no começo eu recusei, mas eu me senti numa situação que eu estava precisando muito e eu não estava mais conseguindo lidar com tudo o que eu estava passando. Então eu recorri a terapia. Graças a Deus a rede de mulheres negras me ajudou, com a terapeuta negra que a gente conversa e se entende.

Para cuidar do corpo eu corro, mas só que como tem essa questão da pandemia eu estou evitando estar na por conta desse vírus.  Eu estou frequentando que é um ambiente bem controlado bem higienizado. E é assim da academia para casa para casa trabalhar. O máximo que eu saio é para ir ao mercado ou para fazer a feira. Eu tenho muito medo de pega o COVID outra vez, mas é assim, eu preciso me movimentar cuidar um pouco da minha mente e do meu corpo para poder não cair. E a faculdade também está me ajudando a ocupar mente.  Os estudos aqui e o trabalho, tudo isso vai ajudando a aliviar um pouco a minha mente diante de toda essa situação

Qual a melhor forma de ser feita a justiça para o Miguel, na sua opinião?

A melhor forma de fazer justiça e que judiciário pode fazer nesse momento é deixar de lado essa questão de classe social dela (Sara) por ela ser branca, por ela ser de uma família influente dentro daqui do estado de Pernambuco.  O judiciário tem que deixar isso de lado e fazer o certo como foi feito nos Estados Unidos no caso de George Floyd. Eu admiro muito o judiciário dos Estados Unidos porque depois da morte de George Floyd com 10 meses e 26 dias foi feita a justiça. E aqui no Brasil o caso do meu filho já está em 11 meses não foi feito nada, só teve uma audiência e pronto. E o crime aconteceu no quase com os mesmos fatores, no período de pandemia, quem cometeu o crime for uma pessoa branca  e tem imagens provando o crime, tem testemunhas que provam o crime .

 O caso George Floyd já foi julgado o policial já foi condenado. Falta a sentença com o tempo que ele vai ficar preso. E no caso do meu filho, infelizmente não houve isso. Infelizmente o judiciário não está dando a atenção necessária ao caso do meu filho e nem o respeito necessário. Hoje eu travo uma batalha, uma luta pedindo por justiça e cobrando resposta das irregularidades que vem acontecendo no caso do meu filho. Eu queria muito, eu queria muito mesmo, que eles prestassem atenção e levasse mais a sério. Uma criança que partiu por causa do preconceito e do racismo. Eles agem de forma rápida no caso de uma criança branca. Eu queria que eles agissem rápido no caso dessa criança negra que é o meu filho.

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