“20 pães por dia”: Ana Cristina batalha para criar seus filhos e valoriza o amor à negritude

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“20 pães por dia”: Ana Cristina batalha para criar seus filhos e valoriza o amor à negritude
Foto: arquivo pessoal

Uma casa com 5 crianças e uma adolescente, em São Gonçalo (RJ). Um único celular para as atividades online da escola durante o período de isolamento social. Uma mãe que espera o sétimo filho e se divide em muitas atividades durante o dia, com um olhar especial aos filhos autistas. A rotina de Ana Cristina Jesus de Souza, de 35 anos é insana. Porém uma luz de esperança e mudança surgiu quando sua filha mais velha, mais escura e de cabelo mais crespo, Nicole, de 15 anos recebeu o suporte da comunidade negra e artistas depois de ter sofrido racismo online.

Ana demonstrou publicamente o afeto e o apoio a filha, falando sobre a beleza do cabelo crespo, resistente e lindo da sua primogênita usando recursos de argumentação vindos do coração e da mente de quem sentiu falta desse acolhimento quando era mais jovem. “Quando eu era jovem, eu tinha vergonha do meu cabelo. Alisava desde a idade da Nicole. Na escola as pessoas sempre diziam que eu tinha cabelo de Bombril, que iriam usar meu cabelo para arear panela, grudavam chiclete no meu cabelo. Naquela época a gente não tinha o apoio que a gente tem hoje”, descreve Ana que sofreu até na mão da professora e diretora da escola que estudou.

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Moderna, Ana apoia, a paixão da filha mais velha pelas redes sociais. Nicole sabe que tem a mãe como porto seguro. “Aqui em casa depois do almoço a gente grava alguns vídeos para o Tiktok”, detalha com um tom tranquilo.

FILHOS NEGROS, FILHOS DIVERSOS, FILHOS ATÍPICOS

Quem tem mais de um filho ou filha sabe o quão exaustivo é tentar criar regras em casa e ao mesmo tempo lidar com personalidades e temperamentos diferentes. Em outubro, nasce mais um bebê de Ana. Ele se juntará ao time de irmãos compostos, além de Nicole, por Lucas (2), Julie (4), Gabriel (6), Júlia (7) e Lúcia (11).

Foto: Arquivo pessoal

Ana fala pouco sobre a presença paterna na casa e se limita a explicar que pai só tem folga aos domingos. Cabe então as filhas mais velhas ajudar essa mãe tão sobrecarregada.  

Depois de acordar, os mais velhos dobram sua roupa de cama. “Os mais velhos ajudam a cuidar dos pequenos, a lavar o rosto e escovar os dentes. Eu saio para comprar coisas para o café, o leite, são pelo menos 20 pães de manhã e para o almoço mais de um quilo de arroz por dia. As crianças comem muito e para economizar a noite a gente faz lanche”.

Os vídeos no TikTok fazem parte dessa rotina. “Aqui a gente faz tudo ao mesmo tempo”, diz ela rindo, mas admitindo que muitas das vezes ela acumula as tarefas para que os mais velhos possam estudar.

Um dos maiores desgaste de Ana, não romantizando a criação de crianças atípicas é a lidar com a necessidade de dois filhos que têm Transtorno do Espectro Autista (TEA).

“Eu tenho o Gabriel de 6 anos que tem transtorno global do desenvolvimento. A neuro fez um acompanhamento, mas estamos na fila de espera por um médico geneticista. Ele vai fazer os exames e confirmar o grau de autismo dele” relata Ana que ainda disse que o filho também está na fila de espera para reabilitação cognitiva por conta dos problemas severos de comunicação. Gabriel não fala, ele só repete algumas palavras e parece que também sobre de deficiência auditiva. “Estou luta porque são muitos exames. Ele faz acompanhamento no Hospital Ronaldo Gazola que tem a neuro que dá remédio para ele. Ele é muito agressivo e nervoso quando não toma um remédio. Ele grita muito e com a medicação ele fica calmo e consegue brincar com as outras crianças”. Gabriel também sofre de asma e se não tiver a medicação do posto, Ana não tem condições de comprar.

A pequena Julie também aguarda na fila por uma consulta ao neurologista que confirme o autismo, que de acordo com a mãe é mais “leve” que ao do irmão.

“CRIANÇAS TACAM PEDRAS NA GENTE”: NICOLE E LÚCIA FALAM SOBRE RACISMO NA RUA E NA ESCOLA

Online e off-line.  O racismo não dá trégua para as filhas da Ana que as defendem como uma leoa. “Na escola já me chamaram para dizer que o cabelo das meninas tinha piolho. Sempre disse que elas não tinham e que as professoras deveriam olhar o cabelo das outras crianças”.

Ana não admite racismo e ensinou suas filhas a fazerem o mesmo. “Na escola jogavam papelzinho no meu cabelo e me chamavam de mendiga”, revela Lucia a segunda mais velha.

Lúcia de 11 anos lindinha com borboletas no cabelo – Foto: Juliana Ferrer

Nicole também relatou uma experiência de horror onde ela e a irmã tiveram que fugir de pedras que foram tacadas nelas. “Na escola ninguém queria fazer trabalho comigo e nem me chamavam para times nas atividades da educação física”, conta Nicole. Reconhecer o racismo e saber que o problema está no outro e não na gente é resultado de uma educação racial dentro de casa.

TODOS MEUS FILHOS TÊM VACINA EM DIA

“Eu não eu não tenho tempo para me cuidar.  Muitas das vezes eu vou tomar banho muito tarde, a meia noite quando todo mundo está dormindo”, descreve Ana. Ela também comenta sobre a quantidade imensa de roupas para lavar e passar, atividade que ela faz a cada dois dias.


Mesmo com roupas limpas e cabelos cuidados e hidratados, os filhos de Ana lidam com algo que na realidade, todos nós negros infelizmente lidamos. O olhar de desconfiança e julgamento.

“Têm pessoas que quando me veem com meus filhos, ficam falando para eu cuidar deles,  dar banho neles direito, mas eu cuido do meus filho eles não estão descuidados. Eles dizem isso porque a gente é negro, porque a gente é simples, porque .meus filhos andam de chinelo”, diz Ana que complementa. “Eu cuido dos meus filhos, de todos os meus. Todos eles têm a vacina em dia no cartão do SUS,  na gravidez deles fiz  pré-Natal direitinho”.

VIDA ANTES E DEPOIS DO VÍDEOS VIRALIZADO, APOIO DA COMUNIDADE E SONHOS PARA O FUTURO

Como a maioria das mães, Ana quer um futuro melhor para todos os filhos, mas ela entende que Nicole, por ser a filha mais escura e que mais sofreu racismo merece uma atenção especial. “Ela por ter a pele mais escura e ter o cabelo black, ela sofreu mais preconceito e foi por isso que a coloquei no karatê, para ela aprender a se defender na rua”, justifica. Nicole acabou de apaixonando pelas artes marciais que lhe ensinou a ser disciplinada.

Entre os maiores sonhos dessa mãe está a casa própria. “No momento vivemos numa casa temporária alugada pelo grupo ‘Só vamos’, até o ‘Razões para acreditar’ terminar a vaquinha para nossa casa”. (Até o término desse texto, a família já tinha arrecadado R$ 90 mil em uma campanha com meta de R$ 100 mil).

Ana é grata pela ajuda das pessoas de dentro e fora da comunidade negra “Eles fortaleceram a Nicole. Isso deu uma esperança para ela. Deu também um novo rumo para nossa vida, para nossa autoestima. A gente vai poder ter uma nova casa e um lar de verdade”.

O produtor de conteúdo Roger Cipó tem assessorado a família com a avalanche de solicitações para entrevistas, trabalhos entre outras coisas. Junto a ele estão as influenciadoras Lorrane Caroline e Neggata.  

DICAS PARA MÃES NEGRAS

Ser a matriarca de um lar com tantos filhos e ainda fazer com que suas crias amem uns aos outros e a si mesmos, seus cabelos, suas origens é algo a ser admirado. E Ana deixa uma dica para as mães de crianças negras.

Ana e Nicole – Foto: Juliana Ferrer

“A dica que eu dou para as mães de crianças negras que não gostam de ser negras é apoie seus filhos. Mostre para elas que elas são lindas, que não tem que ter vergonha do seu cabelo e da sua pele. Apoie seus filhos no que eles precisarem”, reforça Ana.

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