Um episódio recente do programa Pesadelo na Cozinha , apresentado por Erick Jacquin, gerou polêmica nas redes sociais pela forma como um garçom foi tratado após discutir com uma cliente. O caso reacendeu um debate sobre gestão de pessoas, saúde mental e preparo de equipes em pequenos negócios do setor gastronômico.
Infelizmente, no Brasil, reality shows de gastronomia ainda insistem em validar homens estrangeiros para vender a ideia de profissionalismo, como se nossos talentos locais não fossem capazes de ensinar, com excelência, tanto técnicas culinárias quanto gestão de negócios.
Uma das edições mais comentadas da temporada traz a história de Maria Tereza, uma mulher baiana que abriu seu restaurante na zona norte de São Paulo com foco em comida baiana — especialmente acarajé, prato que inspirou o nome do local: Dona Acarajé.
É impossível não se emocionar com a trajetória dela. Formada em gastronomia e ex-funcionária do renomado chef Emmanuel Bassoleil, Tereza carrega traumas de ter trabalhado com o famoso chef em um hotel. Quinze anos depois de sua demissão, ela ainda se emociona ao relembrar a experiência. Apesar de Jacquin reconhecer sua habilidade na cozinha, confirmando que gostou do tempero dela, Tereza demonstra insegurança, exaustão mental e baixa autoestima, algo visível em suas lágrimas ao longo do programa.
A gastronomia é uma das áreas mais desafiadoras para o pequeno empreendedor. Além da comida, há questões financeiras, vigilância sanitária, marketing, precificação e, claro, gestão de pessoas. Quando o empreendedor não pode terceirizar parte dessas frentes, acaba sobrecarregado, o que afeta diretamente sua saúde emocional. Some-se a isso a falta de conhecimento em gestão financeira, e o prejuízo aparece mesmo com trabalho de segunda a segunda.
Durante as gravações, Tereza se mostra insegura e impaciente. Ela grita com a equipe, é sarcástica e, muitas vezes, crítica em público. A única pessoa que não perdeu o controle é Rita de Cássia, a auxiliar de cozinha. A situação atinge seu ápice quando um dos garçons, Francisco, discute com uma cliente. Com a casa cheia e apenas dois garçons, Gustavo (sobrinho de Tereza) e Francisco —, a chef decide chamar Gustavo para a cozinha, deixando Francisco sozinho no salão e também responsável pelos espetinhos. Sobrecarregado, ele se desentende com uma cliente. Em seguida, discute de forma ríspida com o próprio Jacquin, chegando a sugerir que iria passar por cima dele. Tereza, visivelmente irritada, demite Francisco aos gritos, na frente das câmeras e dos clientes. No fim do episódio, após a reforma e revisão do cardápio, Francisco retorna para pedir desculpas e desejar sucesso à ex-patroa.
A má gestão de pessoas azeda o negócio
Embora programas de TV passem por edição e não mostrem todos os bastidores, a forma como Tereza lidou com sua equipe foi o que mais repercutiu entre o público. A situação escancarou o despreparo de muitos empreendedores para lidar com pessoas e o impacto direto disso no sucesso (ou fracasso) de um restaurante.
“Em relação a uma gestão de restaurante, o gestor atento precisa entender sobre gestão de pessoas. Ele precisa atuar frente a frente, ombro a ombro, hands-on, para a formação de uma equipe. Então, isso começa no recrutamento na seleção. Se você não tem habilidade, não tem conhecimento para contratar, para fazer um processo seletivo decente, você corre o risco de afetar toda a operação do teu restaurante ”, explica Junia Mamedir, psicóloga especializada em desenvolvimento de lideranças no Outback Brasil e com MBA em Gestão de Bares e Restaurantes. “Se você não sabe contratar, se não conduz um processo seletivo decente, corre o risco de comprometer toda a operação. O sucesso do restaurante depende muito disso.”
Junia explica que a área de gastronomia tem alta rotatividade porque os gestores não sabem contratar, falham no processo seletivo ao negligenciar o perfil comportamental do candidato à vaga. “ Você precisa fazer com que esse futuro colaborador fale sobre ele, fale sobre a vida pessoal dele, sobre os conflitos dele, sobre aquilo que ele mais se identifica, sobre os maiores desafios. Tem que pedir para ele trazer exemplos de cada um. O gestor precisa saber se o candidato se identifica com atendimento, como é para ele trabalhar com alta pressão, como é para ele trabalhar numa estrutura limitada de operação e onde existe grande demanda, onde precisa de velocidade” detalha Junia que reforça que o contratante tem que “ saber exatamente o que você precisa”.
Sobre o caso do Dona Acarajé, Junia aponta a falta de treinamento como um erro grave. “Se tivesse havido um treinamento adequado, o garçom não teria direcionado aquele tipo de palavra à cliente. Ele teria seguido um protocolo, algo previamente definido.”
Tenha cuidado ao contratar amigos ou parentes
Muitos pequenos empreendedores acabam contratando amigos ou parentes por confiança ou falta de recursos — mas essa prática pode trazer sérios problemas. “Tem uma frase que levo comigo desde que ouvi do Salim Maron, que trouxe o Outback para o Brasil: contrate o sorriso, treine a técnica. Se a pessoa não tem sorriso, nem adianta tentar ensinar técnica. Às vezes o amigo é fechado, ranzinza, e espera-se que ele vá atender bem, não vai acontecer.” Se não houver outra opção além de contratar um parente, Junia orienta: “No mínimo, o gestor precisa saber o que quer para o seu negócio. Como essa pessoa deve atender? Se você não sabe, não entende de serviço, e ainda coloca um parente sem preparo, corre o risco de tudo dar errado.”
Em tempos em que a experiência do cliente é tão valorizada, saber liderar, contratar e cuidar da equipe é tão importante quanto cozinhar bem. Para além dos holofotes da TV, os bastidores mostram que um restaurante de sucesso começa com gestão emocional, escuta ativa e formação de um time comprometido com o propósito da casa.