Mulheres negras representam 70% das 2.730 trabalhadoras resgatadas em condições análogas à escravidão no Brasil entre 2003 e 2023, segundo dados inéditos do Projeto Perfil Resgatado, da Repórter Brasil, publicados pelo jornalista Leonardo Sakamoto em sua coluna no Uol. O levantamento, que cruza informações de sistemas oficiais do governo federal, revela que a interseccionalidade entre gênero e raça é um fator determinante na perpetuação do trabalho escravo contemporâneo no país.
Do total de mulheres resgatadas, 66% estudaram apenas até o ensino fundamental, e 16% eram analfabetas. A maioria (dois terços) atuava como trabalhadora rural, especialmente na pecuária e no cultivo de café, enquanto 8% estavam ocupadas no setor têxtil. Minas Gerais lidera o ranking de resgates, com 510 casos, seguido por Pará (419) e São Paulo (229).
A invisibilidade das atividades desempenhadas por mulheres, como serviços de cozinha, limpeza e cuidado, contribui para a subnotificação de casos. Natália Suzuki, gerente de Educação e Políticas Públicas da Repórter Brasil, explica que muitas mulheres nem sequer eram consideradas resgatadas e não eram vistas como vítimas do trabalho escravo. Além disso, mulheres grávidas ou com filhos pequenos enfrentam violências específicas. A falta de protocolos específicos para atender mulheres vítimas de trabalho escravo, especialmente aquelas que sofrem abusos sexuais ou violência de gênero, é outro desafio apontado por especialistas.
O setor cafeeiro, que concentra grande parte das vítimas, tem sido alvo de fiscalizações nos últimos anos. Em 2023, foram 316 resgates no setor, segundo dados do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). Grandes marcas globais, como Starbucks e Nespresso, já foram vinculadas a casos de exploração em fazendas fornecedoras. “Nas lavouras de café, há uma preferência por mulheres em etapas como a seleção dos grãos, sob a justificativa de que são mais cuidadosas”, explica Suzuki.
Desafios no combate ao trabalho escravo Desde 1995, o Brasil já resgatou mais de 65 mil pessoas em condições análogas à escravidão. No entanto, a luta contra o crime ainda enfrenta obstáculos, como a falta de políticas públicas que considerem as particularidades de gênero e raça. Tatiana Bivar, procuradora do Ministério Público do Trabalho (MPT), destaca a necessidade de incluir mulheres nas equipes de fiscalização, especialmente em casos que envolvem exploração sexual ou trabalho doméstico.
O caso emblemático de Madalena Gordiano, escravizada por uma família em Patos de Minas (MG) e libertada em 2020, trouxe visibilidade ao tema, mas a sociedade ainda enfrenta resistências. “Muita gente vê o trabalho doméstico como uma ajuda, uma caridade, e não como exploração”, afirma Jamile Virgínio, auditora fiscal do MTE.
Créditos: Arquivo/Estadão Conteúdo e Passarinha/Negana
Na data em que Carolina Maria de Jesus completaria 111 anos, em 14 de março, será inaugurada a exposição “Carolinas” na CAIXA Cultural São Paulo, realizada pela Via Press. A mostra reúne 11 artistas negras contemporâneas, vindas de diversas expressões artísticas, para homenagear uma das mais importantes escritoras, compositoras e poetisas do Brasil.
Com visitação gratuita de terça a domingo, das 9h às 18h, a exposição busca manter vivo o legado de Carolina Maria de Jesus, conectando sua trajetória inspiradora às novas gerações. Seu impacto na arte e cultura brasileiras ressoa por meio de obras que exploram diferentes técnicas, como pintura, escultura e bordado. Entre as artistas participantes estão Ana Paula Sirino, Antonia Maria, Bianca Foratori, Chris Tigra, Gugie Cavalcanti, Isa Silva, Mayara Amaral, Negana, NeneSurreal, Siwaju e Soberana Ziza, cujos trabalhos dialogam com o universo de Carolina, seja em cores, simbolismos ou narrativas.
A curadoria fica por conta de Thais De Menezes e Vera Nunes. Thais, curadora e pesquisadora, tem vasta experiência em exposições nacionais e internacionais voltadas à arte, cultura e educação. Vera, por sua vez, é uma das principais líderes de projetos artísticos de grande escala no país, além de pesquisadora nas áreas de arte pública, gênero, raça e interseccionalidades.
Obra: Alimentando olhos – Ana Paula Sirino
A vida e obra de Carolina permitem vislumbrar análises profundas da sociedade brasileira, bem como críticas à condição da negritude no país, construídas a partir de sua própria travessia por cidades, bairros, becos e vielas. Seu percurso é marcado pelo enfrentamento da precarização e pela luta diária contra a fome – um tormento que ainda ecoa em grande parte da população. “O que colocarei na mesa esta noite?” foi uma pergunta que a acompanhou ao longo da vida, destacam as curadoras, que completam: “Mas foi sobre essa mesma mesa que escreveu madrugadas inteiras, transformando em literatura suas vivências, indagações e, ao mesmo tempo, sua inabalável esperança”.
Com esse contexto, “Carolinas” é mais do que uma exposição: é uma celebração da vida, do brilhantismo e da audácia de Carolina Maria de Jesus, inspirando novas gerações de mulheres negras, periféricas e mães-solo a contarem suas próprias histórias por meio da arte.
Antes de desembarcar em São Paulo, “Carolinas” conquistou públicos na Bahia e no Ceará. Passando por Salvador, Feira de Santana e Fortaleza, a exposição agregou obras de artistas locais, ampliando as perspectivas sobre o legado da escritora e oferecendo novas experiências sob a mesma homenagem.
Obra: casinha – Bianca Fiorati (1)
Serviço: Exposição CAROLINAS Onde: Caixa Cultural São Paulo Praça da Sé, 111 – Centro Histórico de São Paulo Quando: de 14 de março a 18 de maio Valor: gratuito Horário: terça a domingo das 9h às 18h
Todo ano, o mês de março me remete ao vale comum da sororidade seletiva, mas neste março de 2025, na minha visão, o vale comum migrou para o da exclusão sistemática. Veja bem, não sou historiadora nem especialista, mas sou uma mulher preta que ocupa espaços onde “silenciar” ou “tokenizar” são práticas comuns. E é justamente nesses espaços que aplico estratégias para lutar e sobreviver de forma coletiva. Uma das minhas estratégias é buscar a verdadeira história do meu povo. E uma das minhas certezas é que, ao longo da história, as conquistas femininas frequentemente vieram acompanhadas de uma exclusão sistemática, cada vez mais tangível: os direitos alcançados por algumas mulheres não se estendem a todas.
Um exemplo é o direito ao voto feminino. No Brasil, a partir de 1932, onde a alfabetização era um requisito, mulheres pretas e pobres, que, devido à marginalização pós-abolição, tinham menos acesso à educação formal, foram excluídas. Em 2025, a exclusão sistemática continua, o que pode ser constatado por meio de uma pesquisa simples sobre a quantidade de mulheres pretas apagadas das redes sociais corporativas, da mídia em geral, de eventos de relevância nacional e internacional, da diminuição de “Jobs” para influencers e palestrantes pretas em assuntos técnicos, além do debate sobre reconhecer as mulheres pretas como parte fundamental das conquistas femininas. Retornamos à zona de conforto, em que mulheres pretas não são protagonistas, apenas espectadoras ou beneficiárias tardias da suposta sororidade.
A síndrome da sinhá repaginada tem uma nova faceta: a síndrome da aliada fashion, Aquela que, conforme o tema da moda, prioriza o comprometimento com a mudança, mas, quando a moda passa, guarda no armário para usar apenas quando for obrigatório. E aqui entra a importância de ressignificar as narrativas das mulheres pretas em nossa história. Começo ressignificando uma das maiores mulheres pretas que já tivemos: Francisca da Silva de Oliveira, que você conhece como Chica da Silva.
Em 2024, estive na casa dela, refiz alguns dos seus passos e fui à igreja onde ela está enterrada. Todos os relatos ouvidos durante esta visita eram sobre a Chica da Silva do imaginário, da maldade, da sexualidade ou da esposa, incluindo a exposição retratada nos quadros de cada cômodo da casa: Chica e os 7 pecados capitais. Nenhuma palavra sobre a potência dessa mulher ou sobre como a escolha das gigantes Zezé Motta e Taís Araújo para interpretá-la no filme e na novela ajudou a evidenciar o quanto essa mulher preta foi bela e potente, para além dos vieses de ambas as obras. Sua história foi resumida a relatos trágico-cômicos. O incômodo me fez agir e, ao menos para o grupo de 10 pessoas não negras que estavam comigo, a história da Chica da Silva foi ressignificada para a história de uma mulher preta, que desafiou narrativas convencionais e obrigou a todos a questionar a forma como interpretamos o poder feminino e a ascensão social de mulheres pretas ao longo do tempo.
Chica viveu no Brasil colonial no século XVIII, um período em que a escravidão não era apenas um regime legal, mas a base da sociedade. Ela alcançou um status que pouquíssimas poderiam sonhar naquela época, conquistou bens, poder e influência política em um contexto no qual a negritude significava subjugação e invisibilidade. Suas chamadas “controvérsias” são frequentemente julgadas sem o contexto histórico adequado e, fazendo um paralelo com os dias atuais, se Chica da Silva fosse uma mulher da geração X ou Z, talvez sua história fosse reduzida a um post polêmico, uma análise superficial de suas decisões ou uma avaliação binária de “certa” ou “errada”. Mas o que podemos aprender com essa mulher que, mesmo em um sistema brutalmente excludente, encontrou formas de existir, resistir e exercer poder?
É impossível não traçar um paralelo com a realidade das mulheres pretas no mercado de trabalho hoje. As síndromes foram repassadas como herança a algumas pessoas e a mudança que ocorreu não foi o suficiente para nós. A ascensão de mulheres pretas a posições de liderança ainda é tratada como uma exceção. O mesmo olhar que julgava Chica por buscar espaços de poder ainda recai sobre mulheres pretas que alcançam destaque em suas carreiras – seja no setor corporativo, na política ou no empreendedorismo.
Ela nos ensinou, e nos ensina até hoje, possíveis estratégias para subverter as regras do jogo, desde a construção de uma rede de influências até a ostentação de riqueza como forma de afirmação social, estritamente quando é necessário. Criou um legado e encontrou caminhos para existir em um mundo que tentava apagá-la, jamais sozinha, mas dentro das possíveis formas de aquilombamento da época. Agrupava poder, identidade e resistência em seus atos e, por isso, alguns dos nossos a excluíam também, pois o pensamento de que a causa serve ao individual e não ao coletivo, infelizmente, também era presente naquela época. Chica, ao seu tempo, era nossa representatividade tangível. A nossa capa de revista corporativa e a palestrante que falava e ecoava em nós.
O Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, por meio do documentário Chica da Silva – A descoberta do testamento, faz uma reparação histórica importante sobre sua vida e nos leva a uma reflexão que não pode faltar: qual é o nosso papel na mudança que tanto falamos? Estamos só compartilhando posts ou estamos de fato agindo para transformar o mundo ao nosso redor? Chica da Silva nos lembra que é possível desafiar as estruturas, mas isso exige mais do que palavras — exige atitude, coragem e, muitas vezes, uma boa dose de estratégia.
Dedico este texto a todas as Chicas brasileiras, as Chicas mulheres pretas da região de Serro e Milho Verde – MG, as Chicas do Coletivo Quilombo Ausente Feliz, as Chicas mães solos, CLT de sol a sol, cuidadoras diretas e indiretas do futuro preto do Brasil, as Chicas que sofrem apagamento e silenciamento de suas lutas diárias e as Chicas da Silva deste Brasil que chamo de mãe, irmãs, primas, tias, sobrinha, amigas e companheiras de lutas.
Documentário Chica da Silva – A descoberta do testamento
A ONG Me Too Brasil não forneceu à Polícia Federal (PF) informações detalhadas sobre os canais utilizados ou os dados das supostas vítimas que estariam acusando o ex-ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, de assédio sexual. A ausência de detalhes consta em relatórios da ONG que integram o inquérito, ainda em andamento, segundo informações publicadas pelo TAB Uol na manhã desta segunda-feira (10), que também revelou que a ONG brasileira não tem ligação com a organização Me Too, fundada por Tarana J. Burke nos Estados Unidos. Almeida depôs à PF no dia 25 de fevereiro.
Silvio Almeida foi exonerado do cargo em 6 de setembro, um dia após o portal Metrópoles publicar uma reportagem baseada em informações do Me Too Brasil. A matéria afirmava que a ONG havia recebido denúncias de assédio e importunação sexual contra o ex-ministro, e que havia ouvido de 14 fontes que um dos relatos seria da ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco. No mesmo dia, o Me Too Brasil emitiu uma nota pública confirmando a coleta das denúncias, mas os registros anteriores à exoneração de Almeida não foram repassados à PF.
A confirmação da ONG serviu de base para a instauração do inquérito pela PF. No entanto, até o momento, a organização não apresentou detalhes sobre como as denúncias foram coletadas ou os canais oficiais utilizados para isso. Em ofício enviado à ONG em 9 de setembro, a PF solicitou “todo o material” relacionado às denúncias. A resposta do Me Too, enviada em 13 de setembro, informou que a organização entrou em contato com as vítimas que utilizaram seus canais oficiais, mas apenas duas responderam, sendo que uma delas já havia prestado depoimento à polícia. Em 18 de fevereiro, a PF cobrou novamente o envio de “todo o material” sobre as denúncias. Dois dias depois, a ONG encaminhou um relatório de duas páginas, sem logomarca, com informações genéricas sobre cinco supostas vítimas, sem especificar datas, canais de denúncia ou detalhes dos contatos. Todas as informações apresentadas referem-se a contatos posteriores à exoneração de Almeida.
De acordo com o UOL, a decisão de confirmar as denúncias contra Silvio Almeida não foi submetida ao conselho da ONG, composto por quatro mulheres: Maria Amélia Teles, jornalista; Kenarik Boujikian, ex-desembargadora; Neon Cunha, ativista; e Silvia Pimentel, professora de direito. As conselheiras souberam das acusações pela imprensa e foram orientadas a não comentar o caso. Algumas delas, segundo a reportagem, também não sabiam que a ONG brasileira não tinha ligação com a organização norte-americana antes de integrar o conselho do Me Too Brasil.
Processo por difamação
Além das acusações de assédio sexual feitas pelo Me Too Brasil, o ex-ministro dos Direitos Humanos agora tornou-se alvo de uma denúncia-crime no Supremo Tribunal Federal (STF), apresentada pela ONG, segundo o colunista de O Globo, Ancelmo Góes. A ação acusa o ex-ministro de difamação e de uso da estrutura pública para ataques contra a entidade e sua diretora-presidente, Marina Ganzarolli. A denúncia foi motivada por declarações feitas por Almeida após a divulgação de denúncias de assédio sexual contra ele. Depois das denúncias, Almeida fez uma publicação nas redes sociais onde acusou a ONG de agir com interesses políticos e financeiros.
A ONG também acusa Silvio Almeida de ter divulgado uma nota oficial nos canais do governo federal, acusando a organização de tentar interferir em um processo licitatório do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC), sob sua gestão na época.
Estrutura e origem da ONG
O Me Too Brasil foi criado em 2019 pela advogada Marina Ganzarolli, de São Paulo, e possui CNPJ registrado desde junho de 2022. A ONG tem sede em um apartamento residencial na Vila Buarque, região central da capital paulista, e atua principalmente na defesa de direitos sociais. Em seu site, a organização afirma ter participado de denúncias importantes, como as que levaram à aposentadoria compulsória do juiz Marcos Scalercio e à condenação do empresário Saul Klein, fundador das Casas Bahia.
A defesa de Silvio Almeida afirmou que não comenta processos em segredo de Justiça. Ao UOL, o Me Too Brasil reiterou, em nota, que “segue firme em sua única missão de apoiar, preservar e cuidar das vítimas, mantendo em sigilo todas as informações que envolvem as vítimas do ex-ministro”.
O inquérito continua em andamento, e a PF aguarda novos esclarecimentos da ONG para prosseguir com as investigações.
O jornalista Igor Melo, baleado pelo policial militar reformado, Carlos Alberto de Jesus, após ser acusado de assalto no Rio de Janeiro por Josilene da Silva Souza, esposa do PM, foi contratado como correspondente da Rádio Craque Neto, do ex-jogador e apresentador Neto. O anúncio foi feito pelo próprio Neto durante o programa Os Donos da Bola, da Band, na última sexta-feira (7).
Igor, que é criador de conteúdo do canal Informe Botafogo e trabalha como garçom e inspetor na faculdade onde estuda, se emocionou ao receber a notícia. “Eu sonhei muito com esse momento. Sabia que eu ia conhecer um lugar maneiro, realizar meu sonho fazendo o que eu sempre quis. Agora, minha hora chegou”, disse em entrevista ao jornal O Dia.
Em entrevista para o Fantástico no último domingo (09), o Igor Melo desabafou sobre a perseguição sofrida por ele e pelo motociclista Thiago marques, e lembrou o momento em que foi baleado pelo PM reformado na madrugada do dia 23 de fevereiro, na Zona Norte do Rio de Janeiro. “Qual crime eu cometi? Crime de trabalhar? O crime de ser preto? O crime de estar em cima de uma moto de madrugada? Eu não entendi o porquê. Não entendi”, questionou.
A contratação de Igor por Neto marca também um novo capítulo em sua trajetória profissional como comunicador. Há cerca de 10 anos, ele busca se estabelecer no jornalismo esportivo. Igor já havia trabalhado em outros veículos, mas sem conseguir se sustentar exclusivamente da profissão ele mantinha o emprego de garçom em um bar, o mesmo onde trabalhava na madrugada em que o crime aconteceu. Agora, como correspondente da Rádio Craque Neto, Igor cobrirá os campeonatos brasileiros e outros eventos esportivos no Rio de Janeiro a partir de março.
Neto, que se sensibilizou com a história de Igor, destacou a importância de oferecer uma oportunidade real ao comunicador. “Ele vai ser meu correspondente e do Sidnei (Fraiole, sócio da rádio). Porque às vezes as pessoas usam muito. As pessoas vão te levar lá no Luciano Huck, para não sei onde, vão querer mostrar sua intimidade, sua humildade. Aí é só lá, depois esquece”, afirmou o apresentador.
Igor, que está em recuperação em casa após ser baleado no dia 23 de fevereiro, segue em tratamento psiquiátrico para lidar com o trauma do episódio. Apesar dos desafios, ele se mantém otimista e determinado. “Sinto que nasci para ser jornalista. Eu vou conseguir. Eu sou muito alegre e muito feliz. Agora, meu maior medo é perder essa alegria”, confessou.
Para o Fantástico, o motociclista de aplicativo que pilotava a moto na noite em que Igor foi baleado, Thiago Marques lembrou que ficou preso por dois dias, acusado de roubo e destacou: “Eu sou pai de duas crianças, trabalhador. Trabalho desde os meus 13 anos”, desabafou Thiago, que perdeu o celular no dia do ocorrido e está sem trabalhar desde então.
Pouco se fala sobre os alimentos não colonizados – aqueles utilizados pelos negros durante o período de escravidão, mas que não foram apropriados pela indústria. Esse é o tema do curso “Mato é Comida? Conheça as PANC Ancestrais”, da nutricionista e ativista alimentar Bruna Crioula, fundadora da Crioula Curadoria Alimentar.
“O sistema alimentar brasileiro foi construído a partir do racismo, onde os alimentos disponíveis e a segurança alimentar estavam diretamente ligados às classes sociais e à cor de quem se alimentava. Os efeitos da colonialidade nos sistemas alimentares vêm da colonização e muitos alimentos foram marginalizados nesse processo. Esse curso é um reencontro à ancestralidade africana”, destaca Bruna. Ela optou pela modalidade online para democratizar o acesso ao conhecimento, reduzindo os custos de produção do conteúdo e tornando-o mais acessível.
Em sua terceira edição, o curso é voltado para quem deseja desenvolver uma relação mais consciente e crítica com a alimentação. O conteúdo mergulha na história, nos saberes ancestrais e na potência dos alimentos da afrodiáspora, promovendo reflexões sobre sustentabilidade, diversidade cultural e autonomia alimentar.
A proposta apresenta um olhar crítico sobre a relação entre comida, território e ancestralidade, valorizando ingredientes e práticas transmitidas por gerações.
As aulas combinam reflexões teóricas, trocas de histórias e uma oficina culinária prática, organizadas para promover a conexão entre os participantes e o reconhecimento de suas vivências.
Todo o material de apoio – leituras, receitas e lista de ingredientes – será disponibilizado previamente, incentivando a autonomia dos participantes e permitindo que tragam suas próprias perspectivas para a roda de aprendizagem. A interação será conduzida em formato de diálogo horizontal, valorizando as contribuições individuais como parte essencial do processo comunitário e decolonial.
Programação
Módulo 1 – Comida é Memória e Resistência: Reflexão sobre alimentação, colonialidade e introdução às Plantas Alimentícias Não Colonizadas Módulo 2 – Histórias Vivas: A conexão entre plantas e povos Módulo 3 – Sustentabilidade e Autonomia: Práticas de valorização de plantas não colonizadas Módulo 4 – Reflexão e Diálogos: Discussões práticas e aplicáveis ao cotidiano Módulo Extra – Oficina Culinária Online: Lembretes culinários e experiências práticas na cozinha
Serviço
Mato é Comida? Conheça as PANC Ancestrais Datas: 13 e 14 de março (19h às 22h) | 15 de março (9h às 12h) Por: Bruna Crioula (@brunacrioula) | crioula.net
‘A Contagem dos Sonhos’, o novo romance de Chimamanda Ngozi Adichie, a premiada autora best-seller de ‘Americanah’ e ‘Sejamos Todos Feministas’, chega ao Brasil na próxima terça-feira, 11 de março, publicada pela Companhia das Letras, com tradução assinada por Julia Romeu. A obra marca o retorno da renomada escritora nigeriana após mais de uma década sem publicar um novo livro.
Em uma entrevista recente ao jornal O Globo, Chimamanda contou como foi descobrir que a sua nova ficção era sobre a perda da própria mãe. “A morte do meu pai (em 2020) foi muito difícil, mas pelo menos eu ainda tinha a minha mãe. Meses depois ela se foi (em 2021). A morte dela destruiu alguma coisa dentro de mim. Ainda não processei o choque. Até me arrependo de ter escrito que o livro era sobre ela, porque ter que falar sobre isso me emociona muito. Só no fim, relendo o livro, eu percebi que era sobre ela. Fiquei surpresa ao ver o quão presente ela estava ali”, disse a autora.
O novo romance conta a história sobre quatro mulheres e se passa entre os Estados Unidos e a Nigéria: Chiamaka, Zikora, Omelogor e Kadiatou —, cujas vidas se entrelaçam ao abordar temas como amor, arrependimentos e autoconhecimento. Chiamaka, uma escritora de livros de viagem que vive nos Estados Unidos, é uma das protagonistas e revisita suas escolhas de vida durante a solidão imposta pela pandemia. Ao lado dela, Zikora, advogada que enfrenta uma traição, Omelogor, uma especialista em finanças em crise existencial, e Kadiatou, que trabalha na casa de Chiamaka enquanto cria sua filha, formam o núcleo central da trama.
“A experiência feminina ainda não é entendida como universal. A história da literatura é ainda muito masculina, embora isso esteja mudando. Foi natural falar sobre expectativas maternas. De certa forma, as vidas das minhas personagens, e de muitas mulheres nigerianas, são moldadas pelo que nossas mães esperam de nós. Essa é uma experiência universal que devíamos ver mais na literatura”, contou a escritora, que traz reflexões sobre as escolhas que feitas por nós, sobre filhas e mães, no novo livro.
SERVIÇO:
A contagem dos sonhos, de Chimamanda Ngozi Adichie
Em 1958, um jovem togolês de 16 anos, Tété-Michel Kpomassie, teve um encontro que mudaria sua vida para sempre. Enquanto comia um coco no topo de uma palmeira, ele se deparou com uma cobra. Ao tentar escapar, caiu de uma altura de quase 10 metros. O acidente deixou marcas profundas: nos dias seguintes, pesadelos com serpentes o assombravam. Seu pai, um curandeiro e eletricista com oito esposas e 26 filhos, decidiu que a solução seria levá-lo a uma sacerdotisa do culto às pítons. Para Tété-Michel, no entanto, a ideia de dedicar sua vida à adoração de cobras parecia mais uma sentença de morte do que uma honra.
Foi em uma biblioteca missionária francesa, onde se refugiou para “recuperar as forças”, que ele encontrou um livro que o levaria a uma jornada extraordinária: Os esquimós da Groenlândia e do Alasca. Nas páginas da obra, descobriu um lugar onde não havia cobras nem lagartos — a Groenlândia. Naquele momento, decidiu que deixaria o Togo para viver no Ártico.
Aos 16 anos, sem recursos ou experiência, Tété-Michel começou uma viagem que duraria oito anos, passando por Gana, Costa do Marfim, Senegal e Europa, até finalmente chegar à Dinamarca, de onde partiu para a Groenlândia em 1967, de acordo com reportagem publicada pela BBC. Ele se tornaria o primeiro africano de que se tem registro a pisar na ilha gelada. Sua jornada foi transformada no livro Um africano na Groenlândia, publicado em 1981.
Ao desembarcar em Qaqortoq, no sul da Groenlândia, Tété-Michel foi recebido por uma multidão curiosa. Para os habitantes locais, ele era a primeira pessoa negra que viam. “Olhei pela janela do navio e vi toda a população reunida na costa”, lembra. As crianças, inicialmente assustadas, logo se encantaram com o “gigante africano”, como o apelidaram devido à sua altura de 1,80 m — imponente para os groenlandeses, que raramente ultrapassam 1,60 m.
Aos poucos, Tété-Michel foi conquistando a confiança dos moradores. Aprendeu a andar de trenó puxado por cães, caçar focas e enfrentar temperaturas de -40°C. “Mesmo a -30°C, eu estava sofrendo, mas feliz. Senti que havia conquistado minha liberdade”, relata.
Apesar das diferenças climáticas e geográficas, Tété-Michel encontrou semelhanças entre a cultura inuíte e a de seu país natal. “O que eu realmente amei na Groenlândia foi seu animismo, que me lembrou da África. Eles acreditam que cada coisa tem uma alma: focas, baleias, renas selvagens — todos os animais têm um espírito, assim como os humanos”, diz.
Após meses no sul da Groenlândia, ele seguiu para o norte, onde viveu em uma pequena vila com apenas 29 casas e 170 habitantes. Foi lá que dominou a arte de caçar no gelo e aprendeu a apreciar o inverno ártico. “No inverno, todo o Ártico se torna sua casa, seu reino”, descreve.
O retorno ao Togo e o legado Após anos na Groenlândia, Tété-Michel sentiu que era hora de voltar para casa. Retornou ao Togo como um homem de 28 anos, carregando histórias que encantaram sua família e comunidade. “A Groenlândia me tornou um homem. Tornei-me uma espécie de homem sábio, alguém a quem todos prestavam atenção”, afirma.
Em 1981, ele publicou Um africano na Groenlândia, livro que narra sua incrível jornada e se tornou um sucesso internacional. Hoje, Tété-Michel é convidado a palestrar em universidades e é referência para antropólogos e etnólogos. “Construí uma ponte entre a África e a Groenlândia”, diz.
A partir do dia 11 de março, a CAIXA Cultural São Paulo abre suas portas para a exposição Entre o Aiyê e o Orun, que reúne obras de 14 artistas inspirados nas narrativas e mitos da criação do mundo das religiões afro-brasileiras. A mostra, que fica em cartaz até 4 de maio, apresenta uma diversidade de técnicas e linguagens, incluindo pinturas, esculturas, fotografias e instalações, todas com entrada gratuita.
Com curadoria de Thais Darzé, a exposição tem como eixo central a cosmologia africana, destacando a influência das matrizes culturais afro-brasileiras na produção artística. A abertura contará com uma visita guiada pela curadora no dia 11 de março, às 11h, sem necessidade de inscrição prévia.
A seleção de obras inclui nomes consagrados das artes plásticas, como Emanoel Araújo, Mestre Didi e Rubem Valentim, além de artistas contemporâneos. “O eixo conceitual da exposição são os mitos da criação do mundo na visão afro-brasileira, e as obras selecionadas transitam por essa poética”, explica Darzé.
A exposição também celebra a diversidade de suportes e técnicas, reforçando a riqueza da produção artística oriunda da Bahia, considerada o berço da cultura africana no Brasil.
Serviço: Exposição Entre o Aiyê e o Orun Local: CAIXA Cultural São Paulo – Praça da Sé, 111 – Centro Histórico de São Paulo, SP Abertura: 11 de março (terça-feira), às 11h Visitação: 11 de março a 4 de maio de 2025 Horário: Terça a domingo, das 8h às 19h Classificação: Livre Entrada Franca Acesso para pessoas com deficiência Patrocínio: CAIXA e Governo Federal
A criação de um cardápio criativo é um dos grandes diferenciais quando falamos de restaurantes. Contratar uma consultoria para agregar novas ideias é um serviço cada vez mais requisitado na gastronomia. Quem já teve a experiência de saborear a coxinha de vatapá da Casa Sankofa, em Salvador, provou uma das várias receitas afrocentradas da Chef Manuela Gomes, mais conhecida como Chef Mannu Bombom.
“Eu tinha um vatapá congelado, que sobrou de um almoço que fiz em casa. Sempre busco inovar e criar novas receitas dentro da culinária afro-baiana, aproveitando ingredientes já conhecidos para surpreender com novos formatos e apresentações. Foi assim que surgiu a ideia da coxinha de vatapá”, detalha Mannu, nascida em Camaçari e com mais de 20 anos de experiência em gastronomia. “Após descongelar o vatapá, aqueci e acrescentei mais farinha de trigo para deixá-lo mais espesso, até atingir uma textura ideal para modelar a massa. Todos os ingredientes utilizados são os mesmos do vatapá tradicional baiano, com a diferença de que a massa precisa ser mais consistente e preparada com farinha de trigo sem fermento. O recheio escolhido foi de camarão seco defumado, processado, que combinou perfeitamente com a massa”, complementa.
Esse prato, além de fazer sucesso na Casa Sankofa, levou Mannu a participar do concurso Panela de Bairro, um quadro do jornal da TV Bahia, afiliada da TV Globo. “Participamos do concurso e vencemos! Foi uma vitória coletiva, pois, sem o espaço do estabelecimento, eu não teria conseguido divulgar a receita para um público maior”, celebra.
Além da coxinha, a chef criou outros pratos para o tradicional restaurante baiano. “Apresentei três pratos: a coxinha de vatapá, o arroz de xinxim e a carne seca com farofa d’água – essa última inspirada em uma receita da minha mãe, que aperfeiçoei. Essas três receitas passaram a fazer parte do cardápio da Casa Sankofa, onde também realizei um treinamento com a equipe, elaborando ficha técnica e orientações para que elas pudessem replicar os pratos sem minha presença”.
Coxinha de VatapáCeviche de manga à moda da chefeA Chef Mannu BombomQueijadona do reino com compota de goiaba
Mannu, que tem formação no Instituto Gastronômico das Américas (IGA) e estudos contínuos no Centro Universitário Cruzeiro do Sul, destaca a importância de reconhecer os conhecimentos técnicos das mulheres negras na gastronomia.
Recentemente, a chef ministrou uma oficina de comida baiana no Instituto de Ações Sociais Vó Tutu, em São Paulo, além de ter criado um cardápio para a Cozinha Ocupação 9 de Julho. Em 2023, participou do evento MESA ao Vivo Bahia, promovido pela revista PRAZERES DA MESA.
Consultoria para restaurantes e outros serviços
Sobre os trabalhos de consultoria para restaurantes, Mannu detalha os aspectos da precificação desse serviço. “Quando fecho um pacote de consultoria que inclui receitas de minha autoria, já considero todo o processo necessário para garantir a qualidade e a padronização. Isso envolve testes para aprovação da receita pelos envolvidos, seguidos do treinamento da equipe. O valor do pacote inclui um número determinado de aulas presenciais, geralmente seis visitas, para conferir se a receita está sendo replicada corretamente, seguindo a ficha técnica com medidas exatas e modo de preparo. Caso o estabelecimento deseje um acompanhamento contínuo para manter o padrão de qualidade, há a possibilidade de pacotes periódicos.”
Na parceria com a Casa Sankofa, as três receitas criadas pela Chef Mannu citavam sua autoria no cardápio. “Nem sempre há esse reconhecimento formal, pois, ao final da consultoria, o método e as receitas passam a ser do restaurante. No caso da Casa Sankofa, houve um acordo para que minha autoria fosse mencionada, mas isso não é uma prática comum.”
Embora tenha ficado famosa pela coxinha, o expertise de Mannu Bombom se traduz em uma diversidade de trabalhos, incluindo cursos e workshops que realiza na Bahia e em outros estados. “Meu carro-chefe é o serviço de buffet, no qual executo almoços, coquetéis e cafés nordestinos. Minha culinária é afro-brasileira, mas com um olhar especial para a valorização da gastronomia afro-baiana, destacando as influências africanas na culinária da Bahia.”