“Não recebi nenhuma mensagem e nenhum suporte em off.” A declaração é de Raphael Fonseca, comunicador e diretor criativo, que foi vítima de um caso de violência no dia 10 de abril, durante um desfile do SPFW. Em conversa com a editora-chefe do Mundo Negro, Silvia Nascimento, Fonseca confirmou que, mesmo após a cena, que viralizou nas redes sociais, em que foi agredido com gritos e empurrões pela médica neurologista Juliana Dias, durante o desfile do estilista Walério Araújo, nem a organização do evento, nem a equipe do estilista entraram em contato com ele.
A Dra. Juliana Dias, que havia trancado seu perfil nas redes sociais após a repercussão do vídeo em que ela e o marido partem para cima de Raphael, publicou um vídeo com sua versão dos fatos. Segundo ela, sua reação foi uma “resposta humana”, motivada pela frustração de não conseguir acessar seu assento. “Errei na forma, não no caráter. Não houve dolo, privilégio ou afronta. Houve humanidade”, declarou a médica, que atua em hospitais como o Santa Catarina e o Rede D’Or, em São Paulo.
Em uma resposta considerada tardia, o SPFW se pronunciou nas redes sociais apenas no fim de semana, afirmando: “Não é civilizado, tampouco aceitável, empurrar alguém ou insultá-lo publicamente, atos que ferem os princípios mais básicos de convivência e respeito.”
Sobre Raphael, a nota declarou: “Nos solidarizamos profundamente com o designer agredido, Raphael Fonseca, e reconhecemos o impacto emocional e simbólico de situações como essa. Infelizmente, não fomos acionados no momento do ocorrido para adotar uma ação imediatista segundo os nossos protocolos de proteção, acolhimento e escuta.”
Três dias após o episódio, no entanto, esse acolhimento ainda não aconteceu. Fonseca reiterou ao Mundo Negro que, até o momento, nem a equipe do SPFW nem o estilista Walério Araújo fizeram contato pessoal para compreender os acontecimentos ou oferecer apoio, como mencionado no comunicado oficial.
Raphael Fonseca já está amparado legalmente e pretende tomar as providências cabíveis.
Desde sexta-feira, o Mundo Negro aguarda resposta às perguntas enviadas ao time do Walério Araújo que nos respondeu dizendo que iriam alinhar uma resposta juntamente com SPFW.
Três deputadas estaduais — duas de Minas Gerais e uma de São Paulo — denunciaram ter sido vítimas de racismo durante o desembarque no Aeroporto Internacional de Guarulhos, na sexta-feira (11). Ediane Maria (PSOL-SP), Andreia de Jesus (PT-MG) e Leninha (PT-MG) relataram ter passado por uma revista discriminatória ao retornarem de um evento no México.
As parlamentares participavam do Painel Internacional de Mulheres Afropolíticas. Segundo Ediane, após passarem pelo scanner corporal, agentes federais as retiraram da fila de desembarque e as levaram para outra área da alfândega, sem solicitar documentação. “A revista aleatória, que de aleatória não tem nada, é mais uma prática discriminatória e racista. Eu estava na fila com mais duas deputadas, e, de todos os passageiros, só nós, três mulheres negras, fomos escolhidas”, relatou Ediane.
As três registraram um boletim de ocorrência por racismo e pretendem acionar a ouvidoria da Polícia Federal e outras autoridades. A PF afirmou que as deputadas não foram abordadas por seus agentes. Já a Receita Federal, responsável pela fiscalização aduaneira, disse em nota que vai apurar o caso e que 21 passageiros (18% do voo) foram selecionados para inspeção indireta.
Em publicação no Instagram, Andreia de Jesus criticou a abordagem: “Entre centenas de passageiros, só nós fomos selecionadas. É a lógica do ‘suspeito padrão’ que continua operando com pretas e pretos. Racismo é crime”.
As imagens do procedimento serão analisadas pela Corregedoria.
A Blue Origin, empresa espacial de Jeff Bezos, realizou nesta segunda-feira (14) a primeira missão tripulada composta exclusivamente por mulheres. Entre as seis passageiras estava a jornalista norte-americana Gayle King, de 70 anos, amiga próxima da apresentadora Oprah Winfrey, que acompanhou o lançamento pessoalmente.
O voo NS-31 decolou do Texas por volta das 10h30 (horário de Brasília) e durou cerca de 10 minutos, cruzando a Linha de Kármán — limite convencional entre a atmosfera terrestre e o espaço, a 100 km de altitude. A bordo estavam ainda a cantora Katy Perry, a ativista Amanda Nguyen, a produtora Kerianne Flynn, a cientista Aisha Bowe e a pilota e jornalista Lauren Sanchez, companheira de Bezos.
Após alguns minutos de gravidade zero e da contemplação da Terra do espaço, a cápsula pousou com segurança no deserto do Texas. O foguete New Shepard, reutilizável, também retornou intacto — prática que reduz custos nas viagens espaciais. Oprah Winfrey apareceu na transmissão ao vivo da Blue Origin para expressar apoio à amiga, com quem mantém uma relação de quase cinco décadas. “Nunca estive mais orgulhosa”, disse. “Ela tem pavor de voar, segura na mão de qualquer um com turbulência, e hoje superou esse medo”, destacou a apresentadora em entrevista à CNN.
King, âncora do CBS This Morning desde 2012, admitiu ter ficado nervosa, mas revelou que foi encorajada por Oprah: “Ela me disse: ‘Se não for, vai se arrepender pelo resto da vida’”.
A missão marca o 31º voo da New Shepard e reforça a aposta da Blue Origin no turismo espacial, agora com um time histórico de mulheres.
A comunidade senegalesa em São Paulo organiza para esta segunda-feira (14), às 15h, na Praça da República, um protesto para exigir justiça pela morte do vendedor ambulante Ngange Mbaye, de 34 anos, baleado por um policial militar durante uma abordagem na região do Brás na última sexta-feira (11). O caso, registrado como “morte decorrente de intervenção policial”, gerou comoção internacional e críticas de entidades de direitos humanos pela morte do imigrante, que deixou a esposa grávida de sete meses.
Um ambulante senegalês de 34 anos morreu nesta sexta-feira (11) após ser baleado durante uma ação de fiscalização da Prefeitura de São Paulo. Segundo testemunhas, ele foi atingido por um disparo abaixo do abdômen durante um confronto ocorrido na rua Viturali, no centro da cidade,… pic.twitter.com/aWQVRcdjF8
Um primo do senegalês e registros em vídeo confirmam que os agentes começaram a agredir Mbaye com cassetetes quando ele tentou impedir a apreensão de mercadorias de uma colega na Rua Joaquim Nabuco. Foi somente após receber múltiplos golpes que o ambulante pegou uma barra de ferro para se defender, avançando então contra os policiais – momento em que um dos PMs efetuou o disparo fatal no abdômen do vendedor.
O caso gerou comoção na imprensa do Senegal, onde a ministra senegalesa de Integração Africana e Negócios Estrangeiros, Yassine Fall, emitiu uma nota afirmando que o governo estava tomando “medidas, por meio da nossa representação diplomática, para elucidar as circunstâncias dessa morte trágica”. Um protesto realizado no Brás no sábado de manhã terminou com mais um ato violento da PM de São Paulo, que lançou gás lacrimogêneo contra os manifestantes após alegar que uma garrafa havia sido lançada contra os policiais.
Investigação em andamento A SSP informou que o policial envolvido foi afastado e que o DHPP investiga o caso como “morte decorrente de intervenção policial”. Entidades de direitos humanos classificaram o episódio como mais um exemplo de violência institucional contra imigrantes negros
O Centro de Direitos Humanos e Cidadania do Imigrante emitiu uma nota que destacou “o quanto a violência institucionalizada segue fazendo vítimas”:
“Recebemos com profunda tristeza e indignação a notícia da morte do comerciante senegalês Ngange Mbaye, ocorrida no dia 11 de abril de 2025, no bairro do Brás, em São Paulo. Mais uma vez, um homem negro, migrante e trabalhador tem sua vida interrompida de forma violenta em um contexto de repressão e abordagem policial desmedida.
Ngange Mbaye atuava como vendedor ambulante quando foi abordado por policiais militares.
Casos como este revelam o quanto a violência institucionalizada segue fazendo vítimas, especialmente entre as populações negras, periféricas e migrantes. São vidas tratadas como descartáveis, em um ciclo cruel de exclusão e negligência.
Expressamos nossa solidariedade à família de Ngange, à comunidade senegalesa e a todas as pessoas migrantes que, diariamente, enfrentam racismo, xenofobia e precarização em suas rotinas de trabalho e sobrevivência.
É fundamental que haja uma investigação rápida, transparente e imparcial sobre o caso, com a devida responsabilização dos envolvidos e adoção de medidas concretas para que tragédias como essa não se repitam.”
“O que é o funk?” Essa é a provocação central de “We Want the Funk!”, novo documentário da série Independent Lens, da PBS, disponível gratuitamente no site e no aplicativo da plataforma, em inglês. Dirigido por Stanley Nelson (vencedor do Emmy e da Medalha Nacional de Humanidades) e Nicole London, o filme mergulha na história do gênero musical que mistura R&B, jazz, gospel e blues, destacando seu papel como expressão de identidade e resistência negra.
O documentário traça a evolução do funk desde os anos 1950 e 1960, quando a música pop era dominada por artistas brancos e a Motown vendia um soul “palatável” ao público branco. E mostra como a ascensão do movimento Black Power e as lutas por direitos civis, colaboraram para que o gênero ganhasse força como voz de orgulho negro.
Um marco foi “Say It Loud, I’m Black and I’m Proud”, de James Brown (1968). No filme, o trombonista Fred Wesley relembra como Brown levou crianças ao estúdio para gritar o refrão, criando um hino atemporal. “Até o dia da minha morte, será a música mais significativa para mim”, diz o DJ Donnie Simpson. “Ela me ensinou o orgulho negro”.
A dificuldade em definir o funk é um tema recorrente no documentário. Em depoimento, Todd Boyd, professor da Universidade do Sul da Califórnia, resume: “É funky. Mas não sei descrever. Quando você ouve, sabe o que é — e, mais importante, sabe quando sente”.George Clinton, líder do Parliament-Funkadelic e um dos grandes nomes do funk, concorda: “É uma atitude. Funk é tudo o que precisa ser, no momento em que precisa ser.” Seu hit de 1976, “Give Up the Funk (Tear the Roof Off the Sucker)”, inclusive, inspirou o título do filme.
Funk, rock e afrofuturismo
O filme também mostra como o funk influenciou — e foi influenciado — por outros gêneros. O guitarrista Carlos Alomar revela que os riffs de “Fame”, hit que compôs com David Bowie, foram inspirados no funk. Clinton, por sua vez, admite que “Fame” o levou a criar “Give Up the Funk”.
Além disso, o documentário explora a conexão do Parliament-Funkadelic com o afrofuturismo — uma estética que mistura ficção científica e cultura negra. Clinton brinca que, se um dia encontrar alienígenas, só quer ter certeza de uma coisa: “Que eles saibam dançar.”
Para Nelson, o funk não é uma moda passageira, como a disco. “Depois que você lança o funk, ele não volta mais. Não dá para guardá-lo de volta na caixa.”
Com depoimentos de Questlove (The Roots), David Byrne (Talking Heads), Marcus Miller e outros, “We Want the Funk!” é tanto uma celebração quanto uma reflexão sobre um gênero que, mesmo sem definição clara, continua vivo — e essencial.
Assista: Disponível no app da PBS e no YouTube (Independent Lens).
Em uma entrevista no podcast Good Hang, da amiga Amy Poehler, a criadora e estrela de Abbott Elementary, Quinta Brunson, falou sobre a complexidade de receber críticas — especialmente de mulheres negras — em relação à sua personagem, Janine Teagues. Na conversa, a criadora da série destacou que “só colocar mulheres negras na tela como super-heroínas ou figuras impecáveis, estamos criando outro tipo de pressão, outra gaiola”.
“Ela é uma personagem negra. O público negro tem tão poucos personagens representativos na tela, e a identidade da mulher negra por si só já é um tema delicado. Então, quando muitas mulheres viram Janine não se comportando como elas esperavam, isso foi difícil — e eu entendo”, disse. “Mas acho importante termos personagens que sejam mais realistas do que a melhor representação de nós mesmos. Acho que isso cria camadas para nós, não apenas na TV, mas também aos olhos do público”, continuou.
Brunson explicou que, embora compreenda a frustração de parte do público, a imperfeição de Janine é proposital. “Ela é insegura, comete erros, muda de ideia — e isso é intencional. Se a gente só colocar mulheres negras na tela como super-heroínas ou figuras impecáveis, estamos criando outro tipo de pressão, outra gaiola”, explicou. A roteirista destacou que, embora Abbott Elementary não tenha sido criado como “um manifesto sobre representatividade”, a própria existência de Janine — uma professora comum, cheia de dúvidas e aprendizado — já é política e pontuou: “Personagens negros têm direito a uma jornada, não a um destino pronto. Janine vai mudar, vai crescer, vai falhar — e é isso que a torna real.”
A autora também comentou sobre a relação direta (e às vezes agressiva) que fãs estabelecem com criadores de séries. “Já recebi mensagens do tipo: ‘Por que você fez isso com o Gregory?’ ou ‘Janine não deveria ser assim’. E olha, eu respeito a paixão, mas acha mesmo que eu não pensei nisso? Que não há uma razão para ela ser como é?”
Em seu relato, Brunson contou que uma fã a abordou pessoalmente para repetir críticas que havia enviado por DM no Instagram. “Ela veio até mim numa balada e disse: ‘Você ignorou minha mensagem, então vou dizer na sua cara: não gosto do que está fazendo com a série’. É… intenso”, destacou.
Para Brunson, porém, o incômodo de algumas espectadoras é parte do processo. “Se estão discutindo, é porque se importam. E eu prefiro uma personagem que provoque debate a uma que passe batida.”
Com idealização e direção artística da escritora e atriz capixaba Elisa Lucinda, a 2ªFesta Internacional da Palavra reúne grandes nomes da literatura nacional, aliando arte, oralidade e resistência cultural em um evento que atravessa gêneros, gerações e território. Com programação gratuita, a segunda edição promete transformar Itaúnas, no Espírito Santo, em um polo de literatura entre os dias 21 e 24 de maio.
Este ano, a Festa homenageia dois grandes nomes da literatura e da luta pelos direitos culturais no Brasil: Nêgo Bispo e Bernadette Lyra. Antonio Bispo dos Santos, conhecido como Nêgo Bispo, foi filósofo, poeta, escritor, professor e líder quilombola, deixando um legado de resistência e pensamento crítico sobre identidade, terra e ancestralidade. Já Bernadette Lyra, uma das escritoras mais importantes do Espírito Santo, é reconhecida por sua vasta contribuição à literatura brasileira, explorando os gêneros de ficção e narrativa histórica.
Ao longo de quatro dias, escritores, poetas, artistas, educadores e leitores se reúnem para debates, oficinas criativas, lançamentos de livros e apresentações musicais. “Ler amplia nossos recursos para interpretar melhor a vida. Nos dá repertório. Nosso lema deste ano é: Ler a vida! A Festa da Palavra leva esse nome porque ali ela é a protagonista. Tão sutil, tão intensa, tão banal, tão discreta, tão densa… a palavra nos une e tem um grande potencial antibélico”, diz Elisa Lucinda.
A Festa Internacional da Palavra visa explorar a pluralidade de vozes e a inclusão cultural, dando protagonismo às narrativas decoloniais, indígenas, afro-brasileiras e quilombolas, trazendo autores que ressignificam a literatura e reafirmam a força da oralidade como um dos pilares da identidade nacional.
Com curadoria da escritora e dramaturga Guiomar de Grammont e Lívia Corbellari, o evento conta com participações de destaque, começando pela escritora, roteirista e ativista social cubana Teresa Cárdenas. Entre os escritores e poetas nacionais, estão nomes como a pedagoga Kiusam de Oliveira, o quadrinista Estevão Ribeiro, a escritora Marília Cafe, o jornalista e ex-deputado federal Jean Wyllys, a poeta e cronista Ediphôn Souza, a jornalista Livia Corbellari, o curador Saulo Ribeiro, a articuladora política Selma Dealdina Mbaye, a atriz e poeta Elisa Lucinda, o ganhador de dois prêmios Jabuti Itamar Vieira Junior, o poeta popular Arquimino dos Santos, a atriz Ingrid Carrafa, a roteirista e jornalista Eliana Alves Cruz, a homenageada da edição Bernadette Lyra, a atriz e poeta Suely Bispo, a autora Guiomar de Grammont, a escritora de literatura de cordel capixaba Katia Bobbio.
Também marcam presença o secretário de formação cultural, livro e leitura do MinC Fabiano Piúba, a deputada estadual do ES Camila Valadão, e o professor e slammer João Martins, além do dançarino e poeta Marceu Rosário, a escritora e jornalista Aline Dias, o professor e pesquisador Jeferson Gonçalves, a escritora e contadora de histórias Lilian Menenguci, Nando Rodrigues, Juane Vaillant, Geovana Pires e muitos outros artistas locais.
No campo do pensamento e ativismo, destacam-se e o escritor, pensador e ativista indígena Ailton Krenak, a pensadora e ativista indígena Yakui Tupinambá, o filósofo Renato Nogueira, a pesquisadora e filha do Nêgo Bispo Joana Maria, e a pesquisadora ambiental Marta Tristão. Já na música, o evento recebe a cantora e compositora Sandra Sá, a cantora Bia Ferreira, e o cantor Chico César.
A Festa também dialoga diretamente com a juventude e a educação, incentivando a formação de leitores críticos e conscientes. “Precisamos que nossas crianças e jovens tenham acesso às obras que reflitam suas realidades e heranças culturais. Quando um jovem negro, indígena ou quilombola se vê na literatura, ele entende que seu lugar no mundo também pode ser escrito, contado e celebrado”, completa Lucinda.
O evento é um ponto de encontro entre passado e futuro, ancestralidade e contemporaneidade, ampliando o alcance da literatura e seu papel como força transformadora. “Estou feliz por fazer, na vila de Itaúnas, esse movimento de literatura viva e, com isso, levar várias pessoas para tamanha beleza natural — uma vez que a vila é um parque ecológico. Será uma festa que encantará muitos através da literatura oral. Uma festa formadora de leitores, para melhor lermos a vida”, defende Lucinda.
Para quem acompanha os meus textos aqui no site Mundo Negro e nas minhas redes sociais, já sabe do diálogo que eu faço acerca das masculinidades e os elementos de validação social a que os meninos são submetidos, o tempo todo, para alcançar o reconhecimento. Desde muito cedo, os meninos precisam performar uma masculinidade que eles nem tiveram a chance de dizer se acreditam ou não. E no caso dos meninos negros, isso se torna, ainda mais compulsório. Já que eles aprendem, precocemente, por meio do racismo, que homem negro não é homem. Ser reconhecido como homem significa cumprir com alguns estereótipos. E um deles é o acesso a pornografia.
Em geral, segundo as pesquisas, o primeiro contato dos meninos com a pornografia é entre 09 e 13 anos. A relação de meninos e homens jovens negros e o consumo da pornografia é um tema que envolve diversas dimensões incluindo questões de raça, gênero, sexualidade e representações midiáticas. Vale ressaltar que há uma carência de estudos específicos focados exclusivamente nesse grupo racial, algumas pesquisas oferecem insights relevantes.
Alguns estudos apontam que a pornografia mainstream frequentemente perpetua estereótipos raciais, especialmente em conteúdos classificados como “interraciais”. Nessas produções, os homens negros são frequentemente retratados de maneira hipersexualizada e associados a estereótipos de virilidade exacerbada. Além disso, eles são colocados em cena numa perspectiva agressiva e violenta, fortalecendo a ideia de desumanização destes indivíduos, impactando a autoimagem e as relações interpessoais dos jovens negros. O consumo de pornografia irá influenciar a maneiro como jovens negros percebem e constroem as suas masculinidades. Ao internalizar padrões irreais e estereotipados, eles, certamente, enfrentarão conflitos com suas reais identidades e as expectativas impostas pela sociedade.
É impossível não entrar na polêmica de como os filmes pornográficos, também, moldam as relações afetivas sexuais e os desejos dos homens negros, em relação às mulheres brancas, em detrimento das mulheres negras. Aqui não há uma crítica, há uma constatação. Os filmes pornográficos interraciais que colocam a mulher branca na posição de submissão e de fragilidade criam nos homens negros uma espécie de fetiche de algo que eles precisam vivenciar.
Vale lembrar que masculinidade, tal como temos experimentado, até agora, é poder. Ainda que num aspecto ilusório o homem negro busca o exercício da masculinidade ideal (se você, ainda, não leu meus artigos aqui, te convido a ler e entender bem o que eu quero dizer), ou seja, sentir-se poderoso, em alguma medida. Logo, a experiência sexual interracial lhe dá essa falsa sensação. Como os desejos e os afetos são construções sociais, esse desejo se molda, também, por meio dos filmes pornográficos.
A promoção de discussões abertas e educativas sobre sexualidade, raça e mídia é fundamental para a desconstrução de estereótipos e fomento de uma compreensão mais saudável e realista da sexualidade entre meninos e homens jovens negros.
Maju Santos, uma jovem creator alagoana de 19 anos, tem um número expressivo no TikTok, onde seus vídeos somam mais de 2 milhões de visualizações. O foco dos seus vídeos são seus belos e longos cachos. A beleza do seu cabelo é frequentemente associada por ela mesma ao uso dos produtos da linha Tô de Cachos, da Salon Line. Além de não receber nenhum real por esse trabalho, Maju ainda foi humilhada pela marca com uma DM com palavras grosseiras.
Em seu fraco pedido de desculpas, a milionária marca usou a visibilidade do caso para divulgar o projeto Migs, que seleciona perfis de jovens criadores com base no que considera ser potencial de influência. Esses jovens acessam uma plataforma fechada, assistem a vídeos e, ocasionalmente, recebem kits de produtos — a critério exclusivo da marca. Em troca, cedem sua imagem, voz e conteúdos produzidos sem remuneração, mesmo que os materiais sejam usados em campanhas publicitárias em larga escala.
Esse tipo de atividade é nomeado pelo mercado como UGC Creator. A sigla UGC vem do inglês User-Generated Content, que significa “conteúdo gerado pelo usuário”.
“Originalmente, o termo UGC surgiu para descrever conteúdos espontâneos, criados por consumidores reais que compartilhavam suas experiências genuínas e impressões sobre produtos de uma marca. Eram depoimentos autênticos, nascidos da satisfação ou insatisfação com a compra”, explica Gleidstone Silva, estrategista de conteúdo, creator e fundador do Nossa Pele Negra.
Ele aponta várias problemáticas nessa prática, que muitos ainda acreditam ser vantajosa para as marcas. “É preciso alertar para um cenário preocupante que se instalou no mercado brasileiro. O modelo de UGC Creator que muitas marcas têm adotado, aliado ao surgimento de diversas plataformas de ‘brand lovers’, está comprometendo severamente a cadeia da creator economy. Ao oferecer apenas produtos em troca de conteúdo, essas iniciativas precarizam o trabalho dos influenciadores que dependem da criação de conteúdo para sua subsistência”, diz o publicitário, que complementa: “É fundamental que as marcas compreendam que investir em parcerias remuneradas com criadores autênticos não é um custo, mas sim um investimento estratégico que gera valor para ambos os lados e para o consumidor final”.
Aldine Paiva, Especialista em Influência & Mentor de Criadores de Conteúdo, traz constatações com alguns números que comprovam o fator exploratório das marcas, que acreditam que não devem investir em creators com poucos seguidores. “E esse tipo de engajamento (gerado por UGC) é o engajamento que é mais precioso. Porque a gente está falando de nano e micro influenciadores, que são os influenciadores que têm as maiores taxas de engajamento. Quanto menor a sua base, maior a sua taxa de engajamento. Um nano e um micro influenciador às vezes consegue ter 14%, 15%. Eu já rodei campanha com influenciadora que entregou no relatório final 14% de taxa de engajamento. Isso é altíssimo. Um engajamento de 2% já é um engajamento alto. Uma celebridade aí que tenha seus 3 milhões a 5 milhões às vezes tem 0,10, 0,20, 0,3% de engajamento. Então, para a marca fazer o uso de pessoas que têm um engajamento tão alto e uma relação tão próxima com a comunidade é algo que só favorece a elas — principalmente porque elas estão dando um shampoo em troca desse trabalho”.
Para Luciellen Assis, designer de moda e criadora de conteúdo desde 2013, marcas não devem ser vistas com valor afetivo. “Eu acredito que quem está entrando no mercado de influenciadores precisa entender que marca não tem coração. É só um CNPJ que precisa de lucro e ganha muito com publicidade gratuita. Quanto mais você trabalha de graça, menos eles querem pagar. É massa ter algum relacionamento e criar conteúdo orgânico se você gosta do produto sim (até porque, inclusive na publicidade paga, é importante gostar de verdade do que é divulgado), mas tudo tem que ser feito com cautela. Entenda que sua imagem é cara e eles precisam pagar por ela”.
Dá para produzir conteúdos de beleza sem ser explorado pelas marcas
Criar conteúdo pela internet é um trabalho que precisa ser reconhecido como qualquer outro. Comprar os produtos, usar, resenhar, gravar, editar, postar esse conteúdo — tudo isso demanda tempo e também dinheiro. Mesmo que o produto seja um recebido, o creator ainda investiu tempo para entregar algo com qualidade, além de engajar com seus seguidores sobre o produto.
Esse engajamento é fundamental para se destacar na internet, e gerar renda com esse trabalho tem sido o sonho de cada vez mais jovens. “Criação de conteúdo hoje no Brasil está num lugar que é ser o novo jogador de futebol, é ser a nova modelo, é um lugar onde você consegue ter mobilidade social, você consegue ajudar você, você consegue ajudar sua família, comprar sua casa própria — e aqui estou falando de nano e micro influenciadores, que são esses que são os mais impactados por UGC”, ilustra Aldine.
Uma dica é falar sobre temas e encaixar vários produtos, ao invés de se fixar em um só.
“Para os jovens criadores de conteúdo que almejam construir parcerias sólidas e duradouras com marcas de beleza, o caminho mais promissor reside na autenticidade e na genuinidade. Em vez de replicar formatos publicitários tradicionais disfarçados de UGC, o ideal é focar em compartilhar suas reais percepções sobre os produtos. Como aquele item específico se encaixa na sua rotina de cuidados com a pele ou cabelo? Quais foram os resultados práticos que você observou? Como tem sido a experiência de uso no seu dia a dia? Ao construir narrativas honestas e transparentes, esses jovens criadores se conectam de forma muito mais profunda com sua audiência, estabelecendo uma relação de confiança que é altamente valorizada pelas marcas”, ensina Gleidstone, que diz que as empresas possuem agências e profissionais dedicados à busca de criadores autênticos, que conseguem conversar de maneira verdadeira com seus seguidores e gerar um impacto real.
“O único jeito dessa pessoa que quer entrar no mercado e produzir conteúdo de beleza é produzir um conteúdo que tenha várias marcas. Eu sempre falo isso para as pessoas e para os criadores que eu agencio ou que eu tenho a chance de orientar por qualquer via que seja. Você está produzindo conteúdo sobre skin care, não usa uma marca só: usa a base de uma marca, o pincel de outra, o corretivo de outra, o finalizador de outra, a água termal de outra — e no final você tem um tutorial onde de fato está ensinando para sua base uma técnica que você realmente acredita e que você realmente usa, sem ficar refém de uma marca, sem aquilo virar uma publi gratuita”, finaliza Paiva.
A mulher loira que aparece gritando, empurrando e dando tapas no creator Raphael Fonsec durante o desfile do estilista Walério Araújo na São Paulo Fashion Week (SPFW), na noite de quinta-feira (10), é uma médica neurologista que atua em hospitais renomados em São Paulo, como o Santa Catarina – Paulista, Rede D’or São Luiz, A Beneficência Portuguesa e Oswaldo Cruz.
No perfil do Instagram, a Dra. Juliana Dias se apresenta como uma profissional que realiza “atendimento humanizado”. Após o vídeo da agressão viralizar nas redes sociais, a médica restringiu sua página apenas a seguidores.
Em uma das publicações mais recentes, ela aparece vestida com o jaleco do Hospital Santa Catarina – Paulista. Procurada pelo Mundo Negro, a instituição se pronunciou sobre o caso e afirma que “não compactua com qualquer tipo de discriminação e se solidariza com o jovem envolvido no episódio ocorrido durante um evento em São Paulo”.
“A conduta atribuída à médica, cadastrada no corpo clínico da instituição, está sendo apurada internamente. Reforçamos nosso compromisso com o respeito à diversidade e tratamento digno a todas as pessoas”, completa.
O estilista Walério Araújo e a SPFW não se pronunciaram sobre o ocorrido. A equipe deles foram procuradas pelo Mundo Negro e não responderam nossas perguntas até o encerramento desse texto.
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Entenda o caso
Fonsec compartilhou um vídeo em suas redes sociais mostrando o momento em que é empurrado e confrontado pela médica. Nas redes, ele descreveu a situação como “humilhação e ameaça” e afirmou que o casal o hostilizou por estar impedindo a visão do desfile.
“O desfile estava lotado, tinha gente sentada no chão. Eu fiquei em pé, assim como outras pessoas. Um casal, que estava sentado na última fileira, pediu para duas mulheres brancas se sentarem, e elas aceitaram. Depois, a mulher me disse: ‘Querido, você consegue sentar, por favor, para a gente assistir?’ Eu respondi que não. Ela insistiu, dizendo que eu estava atrapalhando. Virei de costas, porque achei um absurdo ela, sentada, exigir que eu me sentasse”, relatou.
Segundo ele, a situação escalou quando a mulher o tocou no braço dele. O marido dela então teria se aproximado e feito ameaças: “Ele chegou perto do meu ouvido e falou: ‘Você vai sentar agora, senão vai ver o que acontece com você. Quer um escândalo aqui?’ Fiquei com medo, porque se eu reagisse, ele poderia me bater. O desfile já tinha começado, e eu só queria assistir”. É possível então ver a mulher empurrando Raphael, que estava encostado em uma pilastra. Ele afirmou que, após a discussão, o casal voltou a assistir ao desfile como se nada tivesse acontecido.
Raphael Fonsec também questionou a seletividade dos convidados do evento: “Quem são essas pessoas que estão sendo colocadas ali? Corpos como o meu são nitidamente hostilizados. Eu estava em um espaço que não me favorece, e quem não podia errar era eu”, pontuou.