Na edição 2025 da CASACOR Bahia, o protagonismo negro também se faz presente no campo da arquitetura e do design. À frente do escritório Mázia Arquitetura, duas mulheres negras apresentam o ambiente “Rito Selvagem — da mulher contemporânea”, um lavabo que propõe mais do que funcionalidade: oferece uma experiência sensível, simbólica e profundamente conectada com o feminino.
O espaço nasce como abrigo poético para a mulher contemporânea, múltipla, intensa, criativa, exausta, contraditória. Aquela que carrega o peso da sobrevivência e, ao mesmo tempo, a beleza dos gestos que vêm de longe.
“Rito Selvagem” é um convite à pausa. Um território de reconexão, onde a cartela de tons terrosos e a iluminação intimista criam uma atmosfera de introspecção, silêncio e delicadeza. Ali, a arquitetura se torna um gesto de cuidado, um espaço onde o tempo desacelera e a presença ganha corpo.
A escolha dos materiais e acabamentos reflete uma busca estética que dialoga com o natural e o afetivo. Cada detalhe carrega camadas do que é ser mulher: força e suavidade, coragem e vulnerabilidade, caos e beleza.
Além da proposta sensorial, o ambiente também valoriza a produção artística feita por mulheres. Uma artista visual, também mulher, foi convidada a colaborar com o espaço, somando formas e texturas que evocam a potência de quem sabe criar, nutrir e transbordar.
O trabalho da Mázia Arquitetura reafirma que o feminino não se desenha apenas em traços. Ele se constrói em ritos, gestos, fluxos. E neste “Rito Selvagem”, a arquitetura se torna travessia íntima, feita por mãos negras que sabem que criar também é um jeito de resistir.
A maioria das pessoas negras no Brasil nunca teve acesso a um dermatologista. É o que revela uma pesquisa inédita do Datafolha, realizada em parceria com a divisão de Beleza Dermatológica do Grupo L’Oréal no Brasil e a Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD). O levantamento mostra que 58% dos brasileiros negros afirmam nunca ter se consultado com um dermatologista, enquanto entre os brancos esse índice é de 42%.
O dado escancara um recorte importante sobre o acesso desigual a cuidados dermatológicos e reforça a necessidade de ampliar a inclusão e a representatividade na área da saúde. Ainda mais considerando que no Brasil, a sociedade é majoritariamente preta ou parda, com 56% da população brasileira se identificando com esses grupos, segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
Nesse cenário demográfico, um levantamento realizado pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2022 ressalta a relevância das mulheres negras, que, por si só, compõem cerca de 28% da população brasileira, evidenciando ainda mais a urgência de abordar as disparidades na saúde.
Para o Dr. Carlos Barcaui, presidente da Sociedade Brasileira de Dermatologia, os dados reforçam a necessidade de ampliar o acesso à especialidade médica. “A SBD tem um compromisso genuíno com a inclusão social e com a ampliação do acesso da população à dermatologia. Nosso foco está no fortalecimento da atenção especializada, garantindo que mais pessoas possam contar com o diagnóstico precoce e o tratamento adequado das doenças dermatológicas”, afirma.
Como forma de contribuir para essa transformação, a divisão de Beleza Dermatológica do Grupo criou o “Dermatologia + Inclusiva”, uma iniciativa que visa ampliar a pesquisa e o conhecimento sobre pele e cabelos de pessoas não brancas e transgêneras, promovendo diversidade, equidade e inclusão na área da dermatologia. A proposta busca avançar no estudo de questões específicas dessa população, como fotoproteção e hiperpigmentação, acne e pele oleosa, barreira da pele, couro cabeludo e fibra capilar.
“Estamos empenhados em mudar esse cenário de desigualdade racial e ampliar o acesso à saúde. Por isso, temos investido tempo e esforços para aprofundar o conhecimento sobre a pele e os cabelos de pessoas negras, contribuindo para a inclusão dessa população por meio da dermatologia. Nosso objetivo é ampliar o debate, fortalecer a relevância do tema e promover a excelência no atendimento, incentivando também a ciência por meio de pesquisas voltadas à diversidade”, afirma Hanane Saidi, diretora-geral da divisão L’Oréal Beleza Dermatológica no Brasil.
“A L’Oréal Beleza Dermatológica está comprometida em ser parte da solução, promovendo cada vez mais inclusão e equidade. O ‘Julho das Pretas’ é um momento importante para reforçar esse compromisso, destacando a relevância da saúde e da beleza da pele negra. Sabemos que a pele negra possui particularidades que demandam atenção e cuidados específicos, por isso, nosso objetivo é oferecer, cada vez mais, soluções dedicadas e eficazes aos nossos consumidores,” conclui Eduardo Paiva, Diretor de Diversidade, Equidade e Inclusão do Grupo L’Oréal no Brasil.
Em uma noite marcada por afeto e sofisticação, o Instituto Desvelando Oris reuniu, na terça-feira (29), celebrou mulheres negras que ressignificam poder, memória e transformação em seus territórios. O coquetel do Prêmio Mulheres Dissonantes 2025 aconteceu no espaço Claraboia, em São Paulo, como parte da programação doJulho das Pretas— mês de celebração das Mulheres Negras, Latino-Americanas e Caribenhas — e foi também uma homenagem à líder quilombola Teresa de Benguela, símbolo de resistência contra a escravidão no Brasil.
Com curadoria sensível e iluminação acolhedora, o evento reuniu lideranças, artistas, empreendedoras e pensadoras que transformam suas vivências em potência coletiva. A condução da noite ficou por conta de Juliana Souza, presidenta do Instituto Desvelando Oris, que guiou o encontro com escuta generosa e firmeza. Ao lado da cofundadora Tercília Conceição e do vice-presidente Jálisson Mendes, reafirmou o compromisso da instituição com a construção de espaços de memória, afeto e protagonismo negro.
Foto: Divulgação
O ponto alto da celebração foi a entrega do prêmio Mulheres Dissonantes 2025 para a empresária Luciana Pereira, CEO da Maria Produções — única empresa autorizada a realizar celebrações no Santuário do Cristo Redentor, no Rio de Janeiro. Nascida no Lins de Vasconcelos (RJ), Luciana é formada em Direito e Educação Física e construiu uma trajetória admirável no empreendedorismo de alto impacto. Sua empresa realiza eventos para marcas prestigiadas, transformando espiritualidade em experiência com excelência e propósito.
A noite também contou com homenagens especiais e uma apresentação emocionante do Duo Amanda Maria & Leandro Cabral. Finalista do The Voice Brasil 2023, Amanda se apresentou ao lado do pianista premiado internacionalmente, interpretando faixas do elogiado EP Encontro. A performance trouxe lirismo, emocionando o público.
Foto: Divulgação
Com lotação esgotada e um público formado por vozes inspiradoras, o evento reafirmou o compromisso do Instituto Desvelando Oris com a promoção da diversidade, da ancestralidade e da construção coletiva de um mundo mais justo.
No último final de semana, o Mundo Negro participou da coletiva online de imprensa do filme “A Última Missão” (The Pickup), produção de comédia e ação estrelada por Eddie Murphy(Um Príncipe em Nova York) e Keke Palmer (Um Dia Daqueles), que estreia no Prime Video no dia 6 de agosto.
Keke compartilhou a sua admiração por uma das maiores lendas da comédia: “Acho que eu estava apenas observando ele”, disse a atriz sobre a sua experiência com Eddie Murphy durante as gravações. “Então eu fiquei feliz porque perguntei a ele qual era o seu filme favorito que ele já fez. E eu pensei, era o mesmo filme meu que ele já fez, que é ‘Professor Aloprado’. Porque aqueles personagens que ele fez eram tão reais”, revelou entusiasmada.
Eddie Murphy, Keke Palmer e Pete Davidson em ‘A Última Missão (Foto: Prime Video)
“Por anos, quando eu era pequena, eu pensava: ‘É mesmo o Eddie interpretando?’, ‘Essa não é uma mãe de verdade?’ Tipo, cada personagem era tão verdadeiro. Era comédia, mas era verdadeiro. E eu realmente sinto que trabalhar na captação me preparou para um desses dias, porque pude assistir a uma aula magistral dele tocando a verdade sem parar”, relembrou a sua infância ao assistir os trabalhos do ator. “Cada improvisação, cada piada. A situação era comédia. E ele sempre sabia como acrescentar algo da maneira certa. Então, quer dizer, foi uma honra. Mal posso esperar para fazer isso de novo. Me liga, Eddie!”, disse Keke com uma brincadeira ao ator.
Durante a coletiva, Eddie relembra que não conhecia muito do trabalho da Keke Palmer, mas já gostava do trabalho dela de atuação em ‘PIMP Rainha do Gueto’. “Então, quando ela entrou no set, foi tipo ‘uau’. Sim, essa garota é boa”, elogiou a colega.
Keke Palmer em ‘A Última Missão (Foto: Prime Video)
Depois ele assistiu o programa Password, apresentado por ela. “Aí eu assisti a um game show, e era completamente diferente. Um ser humano totalmente diferente como ela. Ela tem uma persona que ela cria para o game show, e é uma ótima apresentadora”, disse impressionado. “Não é nada parecido com o que ela é no filme. Ela não é nada disso fora das câmeras. Então eu estava viajando”.
Keke ficou emocionada com as palavras do seu ídolo. “Sabe, eu só estou tentando ser como você, cara. É difícil para nós aqui. Você coloca o padrão tão alto.” E completou: “Eu poderia chorar. Para ser bem sincera com você. Não há nada melhor. Quer dizer, o Eddie é literalmente o modelo. Cresci com todos os filmes dele e seu impacto. Ele fez coisas que nunca seriam feitas novamente.”
Eddie Murphy e Pete Davidson em ‘A Última Missão (Foto: Prime Video)
‘A Última Missão’
Pete Davidson (O Esquadrão Suicida) se junta ao elenco de ‘A Última Missão’, interpretando Travis. Na comédia uma coleta de dinheiro de rotina toma um rumo radical quando dois motoristas de caminhão blindado, Russell (Eddie) e Travis, são emboscados por criminosos implacáveis liderados por uma mente brilhante, Zoe (Keke), com planos que vão muito além da carga de dinheiro. À medida que o caos se instala ao redor deles, a dupla improvável precisa lidar com perigos de alto risco, personalidades conflitantes e um dia muito ruim que só piora.
Dirigido por Tim Story (Pense Como Eles), o filme também é estrelado por Ismael Cruz Córdova, Eva Longoria, Jack Kesy, Marshawn Lynch e Roman Reigns.
Fotos: Divulgação / Paróquia de Areial; e Divulgação
“Cadê esses orixás que não ressuscitaram Preta Gil?”Durante uma missa na cidade de Areial (PB), no último domingo (27), o padre Danilo César fez ataques preconceituosos contra religiões de matriz africana, ao criticar uma oração feita por Gilberto Gil para a filha, que faleceu no último dia 20. As declarações foram registradas em vídeo e geraram forte reação nas redes sociais e entre representantes de terreiros.
A Associação Cultural de Umbanda, Candomblé e Jurema Mãe Anália Maria de Souza formalizou um boletim de ocorrência por intolerância religiosa nesta terça-feira (29) e também vai levar o caso ao Ministério Público da Paraíba (MPPB).
O padre ainda associou práticas religiosas de matriz africana à morte e ao sofrimento, e disse desejar que o “diabo levasse” católicos que recorrem a outras crenças. “Tem católico que pede essas coisas ocultas, eu só queria que o diabo viesse e levasse. No dia seguinte quando acordar lá, acordar com calor no inferno, você não sabe o que vai fazer. Tem gente que não vai aqui (Areial), mas vai em Puxinanã, em Pocinhos, mas eu fico sabendo. Não deixe essa vida não pra você ver o que acontece. A conta que a besta fera cobra é bem baratinha”, declarou com mais ataques.
A missa foi transmitida ao vivo pelo canal da paróquia no YouTube, mas o conteúdo foi retirado do ar após as falas repercutirem.
A Diocese de Campina Grande, responsável pela Paróquia de Areial, declarou que o sacerdote prestará os devidos esclarecimentos e reafirmou compromisso com a liberdade de crença e a dignidade da pessoa humana.
Em nota de repúdio, a associação religiosa criticou a postura do padre: “Deus é amor e respeito ao próximo, onde infelizmente esse senhor que se diz sacerdote prega o ódio e o preconceito e ainda amedronta em pleno culto em sua igreja”, disse em um trecho.
Até o momento, o padre Danilo César não se pronunciou publicamente.
O astroDaniel Kaluuya (Corra!) foi anunciado no elenco do novo longa-metragem da A24, dirigido e estrelado por Chris Rock. Ainda sem título oficial, o filme marca a estreia de Rock na direção de um projeto com o selo do prestigiado estúdio e traz Kaluuya ao lado de outros grandes talentos como Rosalind Eleazar (Slow Horses), Adam Driver (Infiltrado na Klan) e Anna Kendrick (A Escolha Perfeita).
A trama gira em torno de Misty Green (Eleazar), uma atriz promissora cuja carreira foi interrompida — até que alguém de seu passado surge com a promessa de uma nova chance. Os detalhes sobre os personagens de Kaluuya, Driver e Kendrick ainda não foram revelados.
O retorno de Daniel Kaluuya às telas era muito aguardada por fãs desde sua atuação em ‘Não! Não Olhe!’, de Jordan Peele, em 2022. Um ano antes, ele já havia feito história ao conquistar o Oscar de Melhor Ator Coadjuvante por interpretar Fred Hampton em ‘Judas e o Messias Negro’.
Desde então, Kaluuya vem construindo uma trajetória sólida e versátil no audiovisual. Ele deu voz ao Punk-Aranha em ‘Homem-Aranha: Além do Aranhaverso’ e co-dirigiu ‘The Kitchen’, ao lado de Kibwe Tavares — um longa que imagina um futuro distópico em Londres, onde a resistência e a comunidade negra ocupam o centro da narrativa. Em breve, o ator também assina a produção de um live-action de ‘Barney’, por meio de sua empresa 59% Productions, em parceria com a Mattel e a A24.
O longa dirigido por Chris Rock está sendo produzido em Los Angeles, com ele também assinando o roteiro. O filme tem produção de Rock, Peter Rice e David Worthen Brooks, além da produção executiva de Nelson George, Shaum Sengupta e Miles Alva.
A culinária afro-brasileira é um patrimônio cultural vivo que atravessa gerações, e entre os nomes que representam essa continuidade com força, Solange Borges se destaca. Chef, empreendedora e mulher de terreiro, Solange transforma a tradição da “Culinária de Terreiro” em um projeto contemporâneo de valorização cultural e inovação social.
Com formação em Letras e Fitoterapia, ela une saberes acadêmicos aos conhecimentos ancestrais herdados da mãe, valorizando a oralidade e o legado ancestral. Sua trajetória inclui o pioneirismo de levar a culinária preta para novos espaços, como a abertura de um restaurante em shopping, um marco importante para a gastronomia afro-brasileira:
“As pessoas querem saber como consegui colocar um restaurante ‘Culinária de Terreiro’ em um shopping.”
Nesta entrevista exclusiva ao Guia Black Chefs, Solange reflete sobre ancestralidade, tecnologia, racismo religioso, festivais, empreendedorismo negro e o papel da gastronomia preta na resistência cultural.
1. Como você descreve a relação entre a culinária de terreiro e sua ancestralidade, especialmente em pratos como acarajé e dendê de pilão?
“Eu tenho dito, né, que hoje a culinária de terreiro… eu faço pratos que mainha me ensinou, né? São receitas que mainha me ensinou. Então, a minha ancestralidade está conectada, especialmente com o acarajé e o dendê de pilão, nessa questão de ser continuidade, de trazer algo que meus ancestrais já faziam. Nós estamos na quarta geração fazendo o acarajé.
O dendê de pilão entrou na minha vida a partir da Agrovila Pinhão Manso. Quando cheguei na agrovila, eu vi os pés de dendê, e ali eu fui buscar como aprender. Aprendi com uma família que também era ancestral nisso, nesse preparo, que foi a família de Orlando, que já fazia há muitos anos, e eu fui aprender com eles. Depois, eu fui também pegar aprendizado aqui na minha comunidade, com as mulheres que já faziam dendê. E junto com elas, eu comecei a trabalhar o dendê aqui na minha comunidade.
A gente valorizou esse dendê, porque muitas mulheres não queriam mais fazer, já que as pessoas não queriam pagar o valor de um litro de dendê. A partir do momento que eu fui para as redes sociais e mostrei como é o trabalho de fazer dendê, isso modificou muito. Elas vendiam a R$25; hoje, elas vendem a R$60, R$70, R$80. Então, mudou muito essa realidade. Eu me conectei com o acarajé e com o dendê de pilão nessa perspectiva desses ancestrais que vieram antes de mim, e eu sigo ainda essa continuidade.”
2. Você aprendeu as práticas de preparo no terreiro com sua mãe e ascendeu isso em conhecimento acadêmico em Letras e Fitoterapia. Como essa formação dialoga com os saberes transmitidos oralmente pelos terreiros?
“Eu aprendi as práticas do terreiro tanto com mainha quanto nos terreiros que eu comecei a participar, na vivência na cozinha. Em vários terreiros, eu consegui ver como era o preparo, participar, né? Porque o terreiro é assim: as comunidades fazem. Então, você vai para outro terreiro, você tem a sua habilidade, o pai, a mãe, convida você a participar e você faz. Quando corta para santo de alguém e você tá lá, você vai, você trata, você cozinha. Nesse meu trabalho comunitário, eu consegui entender essas práticas.
O conhecimento acadêmico em Letras, por exemplo, me trouxe o entendimento que eu avancei, mas que não precisava só avançar. Por exemplo, eu aprendi na faculdade a palavra “cotidiano”, e eu me senti importante. Fui me sentar com minha vizinha na porta de casa para poder falar e ensinar, e ela ficou me olhando com cara de paisagem. Então, eu entendi ali que esse saber… eu preciso entender ele, mas eu preciso também compartilhar de forma diferente com as pessoas que não têm o conhecimento acadêmico.
Existe uma Solange que conversa com gente que não tem conhecimento acadêmico e uma Solange que conversa com gente que tem. Esse conhecimento acadêmico me ajudou nesses avanços, mas também me fez entender que, para me relacionar com povos e comunidades tradicionais, ou com pessoas que não têm o letramento, eu precisava ser uma Solange sem esse conhecimento científico.
Agora, a Fitoterapia: quando eu fiz Fitoterapia na UFBA, eu entendi perfeitamente que todo aquele conhecimento era tradicional, ancestral. Porque mainha nunca cozinhou mastruz, por exemplo. E lá, eu vi na aula que mastruz a gente não cozinha, porque, se cozinha, perde os óleos voláteis, perde os benefícios.
Então, o que está na academia são os conhecimentos tradicionais; são os saberes que as nossas comunidades têm, e que os estudantes, os pesquisadores, sistematizam e colocam no livro. Eu entendi isso perfeitamente. Ali eu fiquei muito mais forte no meu saber. Muito orgulhosa de que esses saberes vieram para o livro didático, como são os saberes das comunidades tradicionais.”
3. O Festival do Dendê celebra a força da cozinha preta, que carrega orixás, axé, memória e resistência. O que significa pra você ocupar esse espaço como parte dessa herança viva?
“Olha, significa pra mim que a gente tem que sair desse lugar. A gente tem que falar do nosso negócio, do nosso lugar, do nosso propósito, do nosso conhecimento ancestral.
O Festival do Dendê, pra mim, foi a oportunidade de mostrar o nosso dendê, o dendê de pilão, que é a base da culinária baiana. O dendê é o ouro da Bahia. Você chega na Bahia, você encontra as baianas de acarajé, que são as herdeiras, as primeiras mulheres a empreender, as primeiras a mercar. As primeiras empreendedoras desse país.
O Festival do Dendê veio como oportunidade de visibilizar esse lugar e falar da importância de valorar esse trabalho, esse ingrediente que é tão importante pra gente. Então, eu trouxe o Festival com essa perspectiva, de visibilizar essa questão, inclusive trazendo chefs de nível nacional e referências de nível nacional, para a gente conseguir realmente furar essa bolha, não falar somente para a gente, mas para um grupo maior de pessoas.”
4. Num país onde o racismo religioso e a intolerância ainda tentam apagar o candomblé e as contribuições das mulheres negras, o que significa para você levar a cozinha de terreiro e saberes ancestrais para o mundo?
“Significa que depende de nós. Quando eu comecei a fazer culinária de terreiro, eu pensei na importância de fazer isso e sonhei bastante alto. Mas a gente fica focando só na intolerância. A gente não foca que precisa visibilizar nossos conhecimentos, mostrar nosso saber, reforçar nosso conhecimento.
Então, eu não foquei no racismo e na intolerância. Eu foquei em levar o saber que a gente tem para outras pessoas saberem o que estamos fazendo, para outras pessoas tomarem parte. Porque, às vezes, as pessoas são intolerantes ou racistas mesmo, às vezes é porque não conhecem. Foi nessa perspectiva que eu me coloquei para sair do meu lugar, da minha comunidade, na Agrovila Pinhão Manso. Com uma antena via satélite, eu comecei a falar, mesmo sabendo que ia ter hater, que iam me criticar, que não iam me seguir.
Em vez de ficar chorando, dizendo “mas elas não…”, eu fui pro embate. Eu quis mostrar minha religiosidade, falar da minha matriz, mesmo sabendo que receberia críticas por isso. Mas eu não aguentava mais a gente sendo invisibilizada, com nossos terreiros sendo invadidos. Eu me senti assim porque acredito que, quando a gente tem poder e visibilidade, é difícil alguém mexer com a gente. Muito difícil. E a rede social é uma forma de trazer poder pra você, pra sua comunidade, pro que você está fazendo.”
5. Que papel você acredita que a tecnologia, como aulas ao vivo, e-books e mídias sociais, tem na expansão dos saberes de culinária de terreiro sem perder a profundidade espiritual?
“Essa comida que eu discuto na culinária de terreiro, inclusive, levei para o shopping, veio com a perspectiva de trazer a comida do quintal, da roça. Uma comida que tem história, que tem matriz, que é matriz africana, para discussão, para o shopping e para as aulas. Mas a comida que eu levo na culinária de terreiro não é a comida de santo. É a culinária tradicional. A culinária que tem história, que tem cultura, e que está em todos os lados do Brasil. Porque em todo o Brasil você come cocada, acarajé, vatapá, feijoada, caruru. Essa é a comida tradicional. É essa a comida que eu tenho ensinado.
Agora, eu sou uma mulher de candomblé. Se uma pessoa me pergunta em uma dessas aulas: “Chef, e esse acarajé que a senhora nos ensina?” eu explico: esse acarajé é uma comida ofertada para um Nkisi, Kaiango, no meu caso eu sou angoleira, e também é ofertada para a orixá Iansã. E assim a gente vai explicando. Porque eu sou uma mulher de candomblé, então eu explico.
Agora, uma coisa é você fazer esse acarajé para comer no restaurante, para comer em casa. Outra coisa é você estar no terreiro para oferecer essa comida. Aí você tem que passar pela ritualística do terreiro. E essa ritualística eu não coloco nas minhas aulas. Porque você tem que chegar no terreiro, pedir bênção à mãe de santo, ao pai de santo, tomar banho de folha e passar pelos processos.
A minha perspectiva de ensinar a culinária de terreiro é para que as pessoas possam dominar as técnicas tradicionais. Que possam fazer o acarajé como é na tradicionalidade: feijão, cebola, sal e frita no dendê. É essa a perspectiva que senti necessidade de trazer para as redes, nesse empreendimento. Porque tem muita gente que não sabia mais como fazer um acarajé, um vatapá, um caruru, e isso eu ensino, tanto nos meus e-books quanto nas minhas aulas.”
6. O Julho das Pretas nos convida a celebrar as conquistas das mulheres negras, mas também a refletir sobre os desafios que persistem. Qual espaço a gastronomia tem nesse debate e como você tem marcado presença nesse mês?
“Eu participei de várias marchas, de movimentos de mulheres. Fiz movimento de “Mulheres no Rio de Janeiro, fui ao Mulheres Rumo a Beijing . Sempre estive nas lutas. Estou na base do MNU, desses movimentos todos.Comecei a militar nos movimentos antirracistas com 15, 16 anos, ainda no movimento estudantil. Faço essa movimentação há muito tempo e sei da importância disso. Caminhei com muitas das mulheres do Instituto Odara por muitas batalhas.
A gastronomia, pra mim, é um veículo muito importante. Porque comida… todo mundo pode falar sobre comida. Todos temos pertencimento. Sempre tem uma comida, um movimento de comida nas nossas famílias. Está em todos os lados. Minha presença nesse momento tem sido para falar sobre o empreendedorismo negro: como consegui estar nas redes, como consegui participar de tantos movimentos nacionais. Agora, em setembro, vou participar de um evento internacional.
As pessoas querem saber como consegui colocar um restaurante em um shopping com o nome “Culinária de Terreiro”. Como empreendi o acarajé dentro de um shopping. E hoje me convidam pra falar sobre isso. Ainda não estou financeiramente confortável, porque exige muito investimento, mas sei que vai acontecer. Tenho marcado presença no Julho das Pretas falando sobre o empreendedorismo das mulheres negras, e isso me honra muito.
Esses dias, eu me emocionei bastante. Dei muitas palestras em escolas, vi alunos falando do meu trabalho, fazendo mural, poesia… Foi algo sem precedentes. Isso me enche de esperança de que nossa cultura realmente pode ser reverberada no que fazemos, no nosso modo de fazer, no nosso falar, na nossa forma de se posicionar.”
Em Salvador, o Museu Nacional da Cultura Afro-Brasileira (MUNCAB) prorrogou a temporada da mostra “Òná Ìrìn: Caminho de Ferro”, da artista visual Nádia Taquary, até o dia 10 de agosto. A exposição é uma experiência imersiva que convida o público a percorrer as encruzilhadas simbólicas da vivência negra nas Américas, guiado por esculturas, trilhos, espelhos e sons que dialogam com a ancestralidade.
A instalação monumental parte de um conceito poético e sensível para enaltecer a presença e a atuação das mulheres negras na construção da sociedade, das culturas e dos saberes. Com curadoria de Marcelo Campos, Amanda Bonan e Ayrson Heráclito, a exposição toma como ponto de partida figuras históricas e míticas como as Geledés, Yabás e Ìyàmi Aje, conectando essas presenças à força feminina, à resistência e ao sagrado.
Logo na entrada, símbolos da cultura afro-brasileira recepcionam os visitantes, que são convidados a escolher um caminho. À direita, encontram-se as esculturas das guerreiras Geledés e a instalação Abre-Caminhos, com balangandãs. À esquerda, estão as Yabás e a sala dedicada ao Oríkì — canto ancestral em homenagem a Ogum. Todo o ambiente é atravessado por linhas férreas, espelhos e uma iluminação suave que cria uma sensação de deslocamento contínuo. Os trilhos não apenas orientam o percurso, mas também funcionam como metáfora das encruzilhadas da existência negra, onde o corpo do visitante se integra à narrativa.
Entre as esculturas, destacam-se figuras aladas e sereias, como a representação de Iemanjá, e criações inspiradas nas joalherias afro-brasileiras, que reforçam a conexão entre identidade, poder e ancestralidade. Toda a ambientação sonora é assinada por Tiganá Santana e interpretada por Virgínia Rodrigues, aprofundando a experiência sensorial e espiritual proposta pela obra.
“A exposição transforma o olhar, a escuta e o entendimento sobre o papel das mulheres negras na história”, afirma Jamile Coelho, diretora artística do MUNCAB e responsável pela seleção da mostra. “Muitas pessoas saem em silêncio, emocionadas, como quem passou por um rito de reconhecimento — de si e de outras.”
A expografia tem assinatura da arquiteta Gisele de Paula, com montagem da RCD Produção de Arte. A exposição foi concebida originalmente pelo Museu de Arte do Rio (MAR), com correalização da Organização dos Estados Ibero-Americanos (OEI) e realização da AMAFRO (Sociedade Amigos da Cultura Afro-brasileira) em parceria com a Secretaria de Cultura e Turismo de Salvador (Secult). A prorrogação foi viabilizada por meio do patrocínio da Petrobras, via Lei Federal de Incentivo à Cultura, do Ministério da Cultura.
A mostra ocupa um andar inteiro do MUNCAB, com 355m² de instalações, logo acima da também imperdível exposição “Encruzilhadas da Arte Afro-brasileira”, que reúne obras de 69 artistas negros brasileiros, como Arthur Timótheo da Costa, Rubem Valentim, Maria Auxiliadora, Mestre Didi e Lita Cerqueira.
Exposição “Òná Ìrìn: Caminho de Ferro” Local: MUNCAB – Rua das Vassouras, 25, Centro Histórico, Salvador (BA) Em cartaz até: 10 de agosto Horário: 10h às 17h (última entrada às 16h30) Ingressos: R$ 20 (inteira) | R$ 10 (meia) Pagamento: Cartão, PIX e boleto Gratuito: Quartas-feiras e domingos Informações:museuafrobrasileiro.com.br Classificação: Livre
Antonia Fontenelle comentou pela primeira vez o processo movido pela deputada federal Erika Hilton (PSOL-SP), que a acusa de ofensas racistas e transfóbicas. A ação foi registrada após Fontenelle se referir à parlamentar como “preta do cabelo duro” durante uma transmissão ao vivo.
Fontenelle tentou se defender das acusações e negou ser racista. “Estão me imputando um crime de racismo, que é gravíssimo. Eu convido a buscarem o meu histórico racista. Cuidado com o que vocês vão ver, hein: eu tive dois maridos negros. A maioria dos meus amigos, além de gays, são negros. Eu amo as pessoas pelo que elas são, pelo caráter, não pela cor da pele”, disse durante a sua participação no canal Tubacast, na última segunda-feira (28).
A youtuber alega que reproduziu falas antigas da própria Erika Hilton ao criticar pessoas que não se enxergam negras, para justificar os ataques. “Eu estava na minha live reproduzindo um discurso dela. E aí eu disse: ‘Querida, você é preta, seu cabelo é duro’. E isso não é demérito pra ninguém”, declarou. No entanto, nesta fala mencionada de 2020, no programa Provoca, a parlamentar não diz que os pretos tem cabelo duro.
Na sequência, Antonia Fontelle volta a atacar a aparência da deputada, dizendo que ela “operou o nariz” e usa “perucas loiras, lisas, de branco”.
Ela ainda afirmou que Erika não condiz com o discurso que fez ao se eleger. “isso vai contra tudo o que ela pregava assim que foi eleita, e as pessoas não conseguem enxergar isso”, afirmou, deslegitimando a identidade da parlamentar.
A ação foi movida no Tribunal de Justiça de São Paulo no dia 19 de julho, após Fontenelle divulgar um vídeo em que lia uma reportagem sobre o posicionamento do PSOL e do PT contra o projeto de lei 1112/23. A proposta prevê o endurecimento do cumprimento de penas para crimes hediondos.
Durante o vídeo, Fontenelle cita Erika Hilton diretamente: “Entre os votos contrários estão os de Erika Hilton. Esperar o quê de você, né? Que tinha um nariz desse tamanho, um cabelo de preta — que é isso que você é: preta”, disse, em um tom ofensivo. Na sequência, atacou novamente a aparência e identidade de gênero da deputada. “Você é preta do cabelo duro, como todos os pretos são, e isso não é demérito. Mas você não quer ser uma preta do cabelo duro, você quer ser uma branca loira — só que você não é e nunca vai ser. É uma trans que teve a chance de mostrar que poderia ter caráter independente.”
O espanhol Ignacio Sánchez Villares, CEO da Leroy Merlin no Brasil, foi acusado de injúria racial pela jornalista Ana Paula, de 27 anos, uma das poucas pessoas negras selecionadas para o Programa de Trainee 2024. O caso aconteceu durante a integração do grupo em março do ano passado, quando o executivo afirmou que “a Leroy Merlin teria tudo para utilizar trabalho escravo em suas lojas no Brasil, o que traria significativa economia de impostos, mas não o faz porque é uma empresa muito boa.”
Em uma entrevista recente à Voz da Diversidade, Ana Paula contou que a fala racista foi dita quando ela questionou a ausência de pessoas pretas entre os trainees selecionados, que não refletia a divulgação do programa com imagem de pessoas negras. A resposta do CEO veio acompanhada de outra fala ofensiva: “Ele me perguntou se eu ligava para cor de pele. Eu respondi que não, mas que a sociedade sim, e então ele me respondeu que ‘a gente’ [negros] precisávamos esquecer esse negócio de escravidão e pensar no que vamos construir daqui pra frente.”
“Não tem como eu esquecer isso. Olha para essa sala. Temos duas pessoas pretas no meio de 32. Você acha que essa sala representa o país?” rebateu Ana Paula na ocasião. Ela relata que, após o episódio, ela e a outra trainee negra choraram e foram levadas para fora da sala por outros membros da equipe.
O caso foi levado ao setor de compliance da matriz francesa, e, segundo Ana Paula, após quatro meses, a empresa informou que Ignacio havia sido apenas “alertado” a não repetir esse tipo de fala. A recomendação era que ele pedisse desculpas, o que não aconteceu.
Ainda de acordo com o relato da ex-trainee, uma diretora de RH da empresa teria minimizado o caso: “Você acha que a companhia vai levar em consideração o que ele fez ou os 32 anos de empresa que ele tem?”, disse a ela.
Ao final do programa, Ana Paula foi direcionada a assumir um cargo em Sorocaba (SP), mas recusou a transferência por falta de informações claras. Após negar a mudança, pediu demissão e decidiu acionar a Justiça contra a Leroy Merlin.
Em nota enviada à imprensa, a empresa afirmou que “não tolera qualquer forma de discriminação, assédio ou prática que viole os direitos humanos e trabalhistas”, e afirma que há mais de 10 anos, “a Leroy Merlin tem implementado ações concretas e contínuas para a promoção da diversidade, da equidade e da inclusão, hoje alcançando 44% de mulheres e 29% de negros em posições de liderança”.
Leia a íntegra a nota da empresa
A Leroy Merlin reafirma o seu compromisso inegociável com a ética, a transparência e o respeito a todas as pessoas que fazem parte do seu ambiente de trabalho. A companhia não tolera qualquer forma de discriminação, assédio ou prática que viole os direitos humanos e trabalhistas. A cultura da empresa é pautada na valorização das pessoas, na diversidade e na construção de um ambiente de trabalho justo e inclusivo.A empresa esclarece que o caso em questão e todos os relatos no Canal de Escuta Ética são analisados e tratados em sigilo e máxima seriedade. Reforça que para esse caso dará continuidade quando citada oficialmente na esfera judicial, e acompanhará os seus desdobramentos com o devido respeito às partes envolvidas.
Em relação ao programa de trainees, esclarecemos que sua estrutura contempla, desde o início, a possibilidade de movimentações geográficas (em média 20% dos participantes mudam de loja), como parte do plano de desenvolvimento profissional. No caso citado, a colaboradora foi aprovada para uma vaga de Gerente Comercial em outra loja, na mesma regional e Estado, a mesma agradeceu formalmente por todo o desenvolvimento profissional, porém declinou a promoção e, ao final do programa de trainee, seu contrato foi encerrado.
Ao longo de mais de uma década, a Leroy Merlin tem implementado ações concretas e contínuas para a promoção da diversidade, da equidade e da inclusão, hoje alcançando 44% de mulheres e 29% de negros em posições de liderança (um crescimento de 15 e 11 pontos percentuais respectivamente, nesse período).A companhia revisita permanentemente as suas políticas internas, seus mecanismos de escuta e seus protocolos de governança. Temos convicção de que promover um ambiente de trabalho respeitoso e plural é uma construção contínua e um compromisso da companhia.