Podemos fazer diversas reflexões sobre o filme “Felicidade por um fio” lançado recentemente na Netflix. O filme nos mostra um encontro de gerações entre Violet (personagem principal), sua mãe e Zoe filha do cabeleireiro. E uma forma de racismo trans-geracional (passado de mãe para filha e assim sucessivamente) quando mostra a mãe de Violet a ensinando que cabelo bonito é cabelo liso e que ela deveria estar sempre perfeita, o que provavelmente aprendeu também com sua mãe e apenas transmitiu para sua filha. Por outro lado também mostra Zoe reproduzindo uma fala de seu pai de que ela deveria permanecer com seu cabelo natural, mesmo Zoe convivendo no salão de cabeleireiro e cercada de mulheres que alisam seus cabelos, dessa forma é construída uma contradição na psique de Zoe porque como é possível que seu cabelo natural seja bonito se a maioria das mulheres que vão ao salão alisam seus cabelos? E aqui podemos pensar no poder da mídia que construiu uma ideia de que o ideal de beleza é uma mulher loira do cabelo liso, como é formada a subjetividade das meninas negras, quando as referências não são parecidas com aquilo que elas são?
O que percebemos é que ambas as personagens vivem sob um ideal do embranquecimento, como explica a psicanalista Neusa Santos em seu livro “Tornar-se negro” vivem tentando se encaixar em um padrão estético que não é o de seu grupo étnico e sim do branco. A mãe de Violet seguia o padrão do cabelo alisado e buscava o ideal da perfeição e o mesmo acontece com Violet ao longo do seu desenvolvimento que tem sua autoestima moldada por esse ideal do embranquecimento. Ela é uma mulher bonita, bem-sucedida financeiramente, com o homem dos seus sonhos e de repente se vê perdida. Perdida de si mesma. Sem saber quem é a Violet que não é perfeita e nem será, mas que até então vivia como se fosse. É lindo ver ao longo do filme a personagem se libertando desse padrão e se empoderando para ser aquilo que ela realmente é. Encontrando-se com seu verdadeiro eu e sendo feliz. E a cena da piscina ,no final, ilustra perfeitamente isso.
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Também podemos pensar em como será diferente com Zoe tendo seu pai lhe ensinando que ela é bonita do jeito que é, que seu cabelo natural é lindo, fortalecendo sua autoestima e quando chegar a hora de escolher Zoe terá consciência do que quer ser e se quiser seu cabelo cacheado ou liso ao menos saberá que não estará presa em um ou outro, mas que poderá ser várias em uma só.
O racismo cotidiano deixa marcas em nossa subjetividade. As ideias que são transmitidas para nós por nossos pais muitas vezes vêm carregadas por um racismo velado que está cristalizado em nossa sociedade e permanece dessa forma de geração à geração. Mas como Violet fez no filme é tempo de libertação. Se libertar dos padrões. Se libertar das imposições. Se libertar desse racismo que passa de geração em geração. É hora de se encontrar consigo mesma e ser você. Observe-se e veja a beleza que há dentro de você. Essa mesma beleza define quem você é. Uma pessoa linda e cheia de qualidades.
Sobre autor do texto: Gabriel Basilio é negro, tem 21 anos, é morador da periferia do Grajaú em São Paulo, estudante de psicologia na FMU/SP sendo bolsista pelo ProUni. Estuda as relações raciais e como o racismo afeta a população negra. É administrador da página A Psicologia Contra o Racismo. Participa das reuniões abertas do núcleo de psicologia e relações étnicorraciais do CRP-SP.
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