Corpo e ancestralidade: Como construir autoestima sendo negra de pela escura?

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Corpo e ancestralidade: Como construir autoestima sendo negra de pela escura?
  • Por Priscila Fonseca * 

Nascida e crescida em Apucarana no interior do Paraná, como sou, onde 3,93% da população se declara como negra, assumir-me negra ainda é um desafio constante.

Moro há 6 anos em São Paulo e foi aqui onde tive espaços de reconhecimento e  a oportunidade de me reunir com mulheres negras e me encontrar nas falas, dores, alegrias, amores e potências.

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Hoje me olho no espelho e gosto do que vejo, do tom da pele, de tomar sol, gosto dos meus traços, do meu cabelo, do meu jeito de andar…

Foto: Francesca Cosenza

Mas quando me lembro das vezes em que ouvi que nada em mim era belo, estremeço.

Meu desafio atual é ser leve, mesmo sentindo um peso constante nas costas, meu esforço é continuar com a coluna ereta, olhar nos olhos e respirar, por mais obvio, é desafiador permitir que o ar entre e saia sem pressa dos pulmões.

Aprendi desde pequena a me virar sozinha, então receber gentilezas e cuidados é um esforço que às vezes dói. Acho que já tomei consciência, mas ainda tenho dificuldade na ação.

Este ensaio fala sobre mim, do meu corpo, do que acredito e da minha ancestralidade, palavra recente e latente no meu vocabulário, não seria eu, se não tivesse buscado saber mais das histórias das minhas avós e se não tivesse buscado por terapia, para me reconstruir com as rejeições vividas na infância, com a falta de professores e colegas negros, terapia para entender que as referências que passavam na tv na infância e adolescência não representavam a realidade. Terapia para viver minha afetividade e sexualidade em plenitude. O autocuidado tem feito cada vez mais sentido, se cuidar para poder compartilhar.  Porém sempre, um exercício constante.

Foto: Francesca Cosenza

Acabo de voltar de uma experiência de trabalho na Amazônia, passei um mês visitando comunidades rurais, ribeirinhas, indígenas e quilombolas em 5 estados do norte e nordeste. Vivenciar em um Brasil que nunca me foi apresentado. Estar nos Quilombos em Mirinzal – MA, entre iguais foi uma experiência de cura, lá a infância demora na contação de história, no correr no terreno, no convívio com a natureza, no banho de rio, lá as crianças são leves, não carregam o peso do racismo.

Foto: Arquivo Pessoal

Foi potência conhecer pessoas que sabem dos seus bisavós, que conhecem a história da escravidão pelo ouvir dos mais velhos, que ouviram dos seus mais velhos e que sabem que o que está nos livros é história única.

Hoje celebro meu novo ciclo, celebro minha beleza, meus traços, minha cor,  meu corpo de mulher e negra, celebro os escritos das minhas referências, celebro os abraços das amigas que me acolhem na gargalhada e nas lágrimas, que não são poucas, mas são parte do que sou.

Agradeço o olhar sensível da Francesca, mulher que me apresentou referências fotográficas de mulheres negras de pele escura, que cuidou da luz para que minha pele ficasse natural e me acolheu nas minhas inseguranças.

Celebro Oxum, Ogum, Nossa Senhora, Deus e os Pretos Velhos.

Sendo o que sou reconstruo minha história, fortaleço meu vórtice e sigo.

* Priscila Fonseca coordena o Programa Rede na Associação Vaga Lume. É empreendedora social e profissional de Relações Públicas, pós-graduanda em Comunicação Popular e Comunitária pela Universidade Estadual de Londrina. Já trabalhou na Associação Palas Athena, Ashoka Brasil e na Associação Acorde. É idealizadora do Projeto Salomé – Mulheres Negras Escrevivendo a Própria História.

 

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