É curioso ter que escrever isso aqui. Não porque eu já não imaginasse que fosse necessário, mas justamente por ser algo que nós sabíamos que iria acabar acontecendo…
Desde o dia em que George Floyd foi assassinado (25/05/2020) até hoje (23/06/2020), muita coisa aconteceu. Passou-se um mês e o mundo, principalmente para nós negros, virou de cabeça para baixo… A onda de protestos iniciada em Minneapolis, nos EUA, que se estendeu ao redor do mundo gerou certas movimentações sociais que pareceram muito promissoras. E não, não estou dizendo que não tenham sido. Avanços significativos e importantes foram feitos, mas poderíamos ter alcançado mais, não acham?
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Bom, vou direto ao ponto: O interesse das pessoas por discussões raciais diminuiu drasticamente. Eu entendo e esperava que o furor daquelas semanas não se estendesse para todo o sempre com a mesma intensidade, mas o rápido desinteresse das pessoas pelo assunto é bem sintomático.
Posso dizer que sou um produto da grande onda de indicações de perfis negros daquela semana afinal, apesar de já produzir conteúdo online há alguns meses, eu saltei de 25 mil seguidores para 150 mil em poucos dias. Não posso reclamar da visibilidade que meu trabalho conquistou nessa situação e não reclamo aqui porque o engajamento diminuiu após algumas semanas, o ponto é notar que o interesse das pessoas pelas pautas raciais foi algo meramente midiático.
Não quero ser injusto com quem ainda mantém interesse nessas discussões e promove esses debates. Temos sim pessoas interessadas, mas a grande maioria dos que continuaram já o fazia antes disso.
Bruno Gagliasso, por exemplo, já tinha interesse em promover discussões raciais em suas redes muito antes disso tudo acontecer e apenas continuou e ampliou seus trabalhos. Já outros da mesma classe de artistas promoveram uma ou duas ações naquela semana e já voltaram a fazer o que sempre fizeram: nos ignorar.
Existe uma linha muito tênue entre tudo isso que estou falando, muitos podem interpretar de forma totalmente equivocada, como aconteceu há alguns dias quando questionei a diminuição do interesse das pessoas em nós. Algumas pessoas me acusaram de esperar muito de pessoas brancas e me preocupar mais com eles do que com nossas lutas… O que, além de injusto, é simplista.
Simplista porque não consigo imaginar uma forma de resolver tensões raciais excluindo um dos grupos das discussões (os brancos, nesse caso), e cobrar interesse está longe de se fazer valer apenas de uma preocupação com eles e não conosco.
Dentro dessas percepções, observando o interesse e desinteresse rápido dos brancos pelas pautas raciais, é no mínimo curioso observar que as coisas parecem avançar muito pouco, do ponto de vista geral. Considerando que quero me valer de uma percepção coletiva do que vem acontecendo, não me basear no individual, falei com alguns outros influencers que me confirmaram o mesmo sentimento.
Silvio Almeida, durante sua brilhante participação no Roda Viva, usou o termo “Micareta Racial” para se referir ao que seria esse furor momentâneo pelas pautas raciais: “Não podemos deixar que essa movimentação seja apenas uma antecipação do 20 de novembro ou um 13 de maio fora de época”. Isso porque, no Brasil, as pessoas parecem se interessar pelas pautas raciais somente nessas datas e logo depois voltam a contribuir com as dinâmicas raciais de opressão.
Apesar da vontade de tudo ser diferente agora, nós já prevíamos que isso fosse acontecer. O que surpreende é a exatidão dessa previsão.
Ainda temos pessoas negras assumindo perfis de pessoas brancas de grande relevância, mas até que ponto existe realmente uma troca equivalente para ambos os lados? Não consigo olhar para isso tudo sem imaginar que as conquistas tenham sido tão inócuas e superficiais que se esvairão em questão de dias. A estrutura, aqui falando das estruturas das dinâmicas nas redes sociais, continua a mesma.
Não quero me fazer hipócrita e criticar os irmãos e irmãs que assumem tais perfis, afinal de contas eu mesmo fiz contribuições no perfil da atriz Flávia Alessandra. O que estou dizendo aqui é que o furor inicial que demanda essa presença de pessoas negras irá passar e retornaremos ao ponto anterior a tudo isso. Até que ponto as dinâmicas sociais estão realmente dispostas a colocar pessoas negras em posição de destaque? Não através de um perfil branco, mas dentro de seus próprios perfis?
E as marcas? Será que temos conquistado espaço o suficiente para que estas nos olhem de uma forma diferente? Ou estão interessadas somente nos perfis brancos que nos exibiram durante essas semanas e aumentaram o engajamento? Fico pensando em até que ponto a nossa presença causou impacto e trouxe retornos para nós e até que ponto servimos apenas de bibelô e imagem representativa para famosos brancos.
Toda essa discussão permeia não somente a falta de estratégia e interesse em alçar negros a categorias de influência, mas também no desinteresse dos consumidores e marcas em nós. A movimentação nas redes, aparentemente, se deu muito mais pela influência de brancos – e outros brancos os acompanhando – do que pelo interesse real na causa.
Eu costumo pensar que mudar uma única vida faz o meu trabalho valer a pena, mas observar que existiu um potencial muito maior para ampliar isso e foi desperdiçado pelo esvaziamento das discussões é frustrante.
Espero que eu esteja errado e a movimentação tenha gerado retornos significativos para alguns grupos que eu não tenha contato, embora eu ache difícil. Mas fica a reflexão para que tenhamos um pouco mais de cautela ao comemorar algo que aparentemente foi tão anormal quando a pandemia e pode ser tão passageiro quanto um amor de carnaval.
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