Muito já foi dito, comentado e até escrito sobre o ataque racista que os filhos dos atores Bruno Gagliasso e Giovanna Ewbank sofreram num restaurante em Portugal. No vídeo que circulou amplamente nas redes sociais e nos canais de televisão, Giovanna defende de forma emblemática, forte e corajosa seus filhos. A violência que Titi e Bless, crianças de pele retinta e nascidas em Malaui (Maláui ou Malawi), no continente africano sofreram foi absurda. Poderíamos discutir aqui as marcas deixadas pelo racismo na subjetividade das pessoas negras, ou mesmo as especificidades das discriminações raciais enfrentadas na infância. Porém, uma questão já levantada e que gostaria de destacar é uma hipótese: e se Giovanna fosse uma mulher, uma mãe negra?
Diante de tantas variáveis, decidi escrever sobre o privilégio branco e os silenciamentos que as mulheres negras enfrentam. Vou te convidar a pensar nas atividades mais comuns do dia a dia. Como ir a uma loja de roupa ou sapatos, compartilhar uma refeição com a família no final de semana ou mesmo fazer compras no supermercado, imagine que em todas essas situações nós, corpos negros, nos deparamos com situações, em geral, colocações racistas. Acho improvável que você, se for uma pessoa negra, não tenha vivenciado nenhuma situação de constrangimento nessas atividades ou nesses espaços.
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Instantes antes de começar este texto, que está sendo escrito numa cafeteria no Rio de Janeiro, passei por um desses “constrangimentos” (eufemismo, óbvio). Estava numa sexta-feira de sol numa loja de sapatos, sem sapatos, pois estava experimentando alguns, e uma senhora olhou pra mim e sem excitar perguntou com um sapato na mão: “quanto custa?”, com um sorriso eu respondi, “não trabalho aqui”. Não passou pelos pensamentos dessa senhora que eu poderia ser consumidora igual a ela. Não. Não passa. Na mesma loja, uma senhora loira, que depois fiquei sabendo que era a dona, veio com um sorriso dizendo enquanto apontava para uma vendedora negra com tranças, como eu: “Olha, vocês parecem até irmãs” e não satisfeita continuou, “Você trabalha na loja [não farei propaganda] sua nova sandália combina muito com a loja em que você trabalha”. Não estou desqualificando o trabalho de vendedora, de jeito nenhum. O que gostaria de chamar atenção é que nessas duas situações, que ocorreram quase que simultaneamente, fui posta por outrem numa situação que eles e a sociedade escolheram para mim.
Como de costume, abri um parêntese e estou fechando. Voltemos para o caso. A situação vivenciada por Giovanna é comum na vida de mães negras que, em geral, quando defendem seus filhos, são acusadas de descontroladas e raivosas. Até as nossas reações ao racismo são julgadas. Lembrei-me dos escritos da antropóloga e performancer Grada Kilomba presente no livro Memórias da Plantação. Kilomba fala entre tantas coisas, sobre o controle da fala dos sujeitos negros presentes desde a colonização, o gerenciamento do poder de comunicar é algo tão persistente (no passado e presente), que assusta. O branco quer falar por nós e para nós. Para Grada Kilomba, “no âmbito do racismo, a boca se torna o órgão de opressão por excelência, representando o que as/os brancos/os querem – e precisam – controlar e, consequentemente o órgão que, historicamente, tem sido severamente censurado”. Não falar é não existir. Por isso, quando a mulher negra é podada em sua fala, a sua existência está sendo negada.
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