A ‘Síndrome da Sinhá’ e o impacto na saúde mental de mulheres negras

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A ‘Síndrome da Sinhá’ e o impacto na saúde mental de mulheres negras
Foto: iStock.

*Por Shenia Karlsson

Atualmente a discussão sobre os impactos do racismo na experiência de mulheres negras tem aumentado, especialmente no que tange à saúde mental. Entretanto, quando denunciamos o racismo estrutural como uma produção exclusivamente patriarcal branca, esquecemos que tal estrutura jamais encontraria sustento sem o esforço árduo de mulheres brancas.

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Diante a minha percepção em minha atividade clínica, constato como mulheres negras estão mais reticentes em suas interações com mulheres brancas. Sendo assim, proponho tanto uma reflexão sobre como mulheres brancas utilizam seus privilégios para oprimir mulheres negras e causar adoecimento psíquico quanto possibilidades que visam estabelecer laços mais propositivos e saudáveis.

A construção da feminilidade ocidental também brutalizou e desumanizou a mulher negra em todos os aspectos da vida, como sinaliza Angela Davis em sua obra ‘Mulheres, Raça e Classe’. Refiro-me ao lugar social da mulher branca como estratégico e controverso, com uma tendência a diluir-se quando comparada a violência patriarcal. De acordo com a autora Kyla Schuller, “a feminilidade branca” é um fator estabilizador da civilização ocidental”, pois, o estereótipo da mulher branca virtuosa e inocente está a serviço de uma suposta suavização das práticas de violências.

Ademais, a mulher branca é a mediadora das relações entre brancos e não brancos e, no Brasil, sua origem se deu nas relações de intimidade na “Casa Grande”. Como mulheres negras foram forçadas a cuidar da casa, dos filhos e da família de mulheres brancas, bem como “damas de companhia”, essas relações de intimidade foram permeadas por um suposto “afeto”, que na prática muitas vezes não se confirma. A mulher negra ainda hoje é tratada como força de trabalho, objeto ou adorno quando conveniente.

Mulheres brancas foram e são até hoje ativas no que concerne a violência racial e de gênero e estão muitas vezes aliançadas com o patriarcado na medida em que são protegidas por ele. Mas, como mulheres brancas têm adoecido mulheres negras? Como consciente e inconscientemente mulheres brancas são agentes do racismo estrutural? Parece que este grupo opera diretamente no sustento das opressões e as negando ao mesmo tempo. É na hierarquização dos papéis estáticos que as mulheres brancas acabam por angariar benefícios. Nesse jogo, mulheres negras acumulam prejuízos materiais, simbólicos e psíquicos, visto que são as mulheres brancas – em sua maioria, atuantes nos dispositivos públicos e privados.

Há uma enorme resistência em admitir privilégios, quiçá comportamentos questionáveis tais como a exploração do trabalho, assédios, violências raciais e de classe, desumanização dentre outros. É juíza branca que submete criança vítima de estupro a mais sofrimento ou que dá ordem de prisão para advogada negra em seu pleno exercício profissional, é violência obstétrica contra mulheres negras praticadas por médicas brancas, é patroa insensível a morte de um menino negro filho da empregada que ela mesma ajudou a causar, é branca assediando mulher negra em restaurante, metrô… a lista é vasta. Notamos diariamente um show de horrores com requintes perversos semelhantes aos castigos e chibatadas do período colonial. As práticas sofisticaram-se, somente.

O corpo da mulher negra também é objeto para mulher branca, infelizmente. Contudo, como mulheres negras têm despertado para essa realidade e tomado providências? Tenho observado na clínica relatos de mudança de mentalidade, de reconhecimento de violências antes sequer pensadas. A cada dia, mulheres negras entendem que é preciso protegê-las e a denúncia é constante. Outro fator é que mulheres negras estão reavaliando seus pactos e submetendo-se cada vez menos a relações tóxicas e de subserviência.

Outro movimento embora em menor escala mas evidente, é de uma pseudo- conscientização de um grupo de mulheres brancas orientadas pelas práticas feministas antirracistas em que dizem reconhecer o quão nocivo é o problema racial para o avanço das pautas feministas. É preciso avanço, cura coletiva e responsabilização, visto que não há saúde social e coletiva numa sociedade que tem como base a mulher negra mas que simultaneamente a adoece sistematicamente. Nesse sentido, a Psicologia tem agido como instrumento importante na descolonização mental e, consequentemente, na emancipação não só da mulher negra e sim, da sociedade em geral.

*Shenia Karlsson – Psicóloga clínica, Co-Fundadora do Papo Preta: Saúde e Bem-estar da Mulher Negra.

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