Por Opai Big Big e Izy Mistura
Durante séculos, a opinião mundial se alimentou de pensamentos distorcidos sobre a história da África, inspirados por pensadores europeus como Friedrich Hegel, autor da frase “A África não possui consciência exterior que possa resultar em universalidade”. A África foi rotulada pelos europeus como uma terra sem história, por falta de registros escritos, apesar da escrita ter nascido no continente. Neste artigo pretendemos explicar a força da literatura oral na África, suas manifestações e importância para a manutenção de todo um legado histórico.
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A tradição oral sempre teve um importante papel na cultura africana. A maioria das informações culturais, sociais e ancestrais eram transmitidas oralmente, de uma geração em geração. Os griôs e os mais velhos eram, e em alguns lugares continuam, sendo os responsáveis por essas transmissões. Como dizia o escritor Amadou Hampaté Bâ, natural de Mali “Na África, quando morre um velho, é toda uma biblioteca que queima”.
A tradição oral na África conta com quatro principais canais de veiculação e perpetuação das informações, que são a música, a história, os contos e os provérbios.
1. A música
Desde a antiguidade, grandes fatos históricos e grandes nomes de heróis eram imortalizados pela música. Todo povo tinha seus griôs que conheciam sua história de cor e a passavam para seus filhos, visto que em geral, ser griô era uma função hereditária. Até hoje, nos países do Sul do Saara, é comum encontrar um jovem griô de vinte anos que consiga contar a história de uma família por sete gerações através de uma canção enquanto dedilha sua Kora. Além de ser o jornal da comunidade, a música na África também sempre carregou lições de moral, já que ela é destinada a todos. Por isso que muitas músicas tradicionais eram até histórias do dia a dia (storytelling) que findavam com um ensinamento.
2. A história
Outro veículo da tradição oral africana era histórias de fatos contada oralmente. Na sociedade africana, sempre se falou da importância de uma pessoa saber quem ela é. Não há como saber de sua identidade sem conhecer sua história. Por isso, os jovens africanos eram instruídos desde cedo sobre a história de sua tribo, de seu povo, sobre a sociedade, seus fundamentos, e os nomes importantes do povo. Aqui o termo ‘história’, não se refere a algo fictício. Mas dos fatos reais. O lado fictício era desenvolvido nos contos.
3. Os contos
Antes de La Fontaine escrever seu livro, as mães e os velhos africanos já contavam fábulas para seus filhos. E até hoje os contos continuam sendo importantes veículos de sabedoria. As fábulas eram mais curtas e os contos mais compridos. Os dois gêneros tinham em comum a personificação dos animais e sua interação com os humanos. Às vezes, eram usados para explicar de forma lúdica alguns fatos naturais, como por exemplo o porquê do tigre ter listras na pele, ou porque o sol todo dia se põe no oeste, claro explicações bem criativas não muito próximas de tudo que hoje se sabe graças aos telescópios.
4. Os provérbios
Os provérbios são frases curtas que possuem uma lição de moral. A maturidade do homem na África era perceptível pelo uso frequente que ele fazia dos provérbios. Quando uma pessoa diz por exemplo: “A mão que comeu a carne é a mesma que come ovo”, ela quer dizer que a vida tem momentos diversos, altos e baixos. Isso denota o entendimento dele da vida e suas estações. Quanto mais velha a pessoa na África, mais provérbios ela fala. Por isso as vezes para um jovem, é algo complexo conversar com um mais velho porque a cada cinco frases, três são um provérbio e para quem não foi treinado a entender as coisas tão metaforicamente, ou pensar um pouco mais profundamente, leva tempo para entender.
O primeiro meio natural do ser humano se expressar é a palavra, o verbo. Por isso, além de ser um veículo propício à emoção, a palavra do homem na cultura africana tem o maior peso. Ao oposto da cultura européia em que um contrato escrito vale mais que um acordo verbal. Escutar uma história da boca de um mais velho sempre terá mais aceitação na África do que lê-lá de um livro. Sobretudo em determinados assuntos como história, tradições, costumes ou religiões. E pelo lado místico e sagrado das coisas na África, os anciões preferiam transmitir algumas informações apenas a alguns iniciados, que como mensageiros reais, protegiam essas informações com a própria vida. Também precisamos notar que apesar da escrita ser mais precisa na transmissão da informação, ela não garante automaticamente a sua veracidade. Muita informação sobre a África foi escrita pelos europeus, com vários registros incorretos, marcados pela apropriação cultural, ou mesmo adulterados. Como diz o ditado popular: ‘’Os caçadores contaram sua versão da história’’. E não é porque sua versão foi escrita, que é automaticamente verdadeira. Se o parâmetro de credibilidade for baseado nos medidores europeus, a África sempre sairá como inferior.
Contudo, de um tempo para cá, se tem feito um grande esforço para documentar a parte que faltava da história da África. O desafio permanece para a nova geração africana: continuar a obra iniciada pelos mais velhos com o objetivo de corresponder a essa necessidade.
Opai Big Big e Izy Mistura são cantores, compositores e produtores musicais, que formam a dupla Dois Africanos, e vem do Benin e do Togo, respectivamente.
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