Eu sou daqueles que não se ilude com discursos bonitos nas redes sociais. Tenho ojeriza de ativistas e militantes preocupados com marketing pessoal, e não suporto discussões desconectadas daquilo que afeta profundamente a sobrevivência da população negra. Nesse meio transita os negros oportunistas, ansiosos pelas migalhas oferecidas pela branquitude. A situação é nojenta. Ao paparicarem os brancos acabam contradizendo os discursos antirracistas que os ajudaram a crescer nas redes sociais.
Nas páginas e perfis, casos de negros bem-sucedidos são expostos massivamente, induzindo a população negra a acreditar que as condições estruturais estão mudando; respostas às postagens e reportagens “ela venceu o racismo”, “a favela venceu”, “vai ter preto sim”, “a Casa Grande surta”, e mais um monte de frases surgem inobservando que a conquista é somente do indivíduo. Eu até acho interessante saber que há um miserável a menos – que não está imune ao racismo, diga-se de passagem – só não ignoro a realidade da maioria da população negra.
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Porém, o que me deixa mais estupefato é ver que os índices sociais escancarando as desigualdades raciais no campo econômico, mercado de trabalho, saúde, moradia, educação e violência não produzem uma revolta dos negros. O que falta para sairmos da zona, que nem é de conforto, mas de passividade? Não resolve apontar os privilégios dos brancos sem respondermos com ações radicais. Os negros precisam esquecer as curtidas, os inúmeros compartilhamentos, os seguidores, as polêmicas, as fofocas. Tudo isso é plantado pelo sistema racista, e nós alimentamos.
A comoção também tem um caráter seletivo, e a sua manifestação intensa ocorre quando celebridades negras não conquistam determinado prêmio, casais de famosos negros rompem a relação, negros são excluídos de reality show, coisas do tipo que fundamentalmente não enfrenta o racismo estrutural, ou como diria minha mãe “não paga as contas de casa”. O genocídio comove, bem como outras tragédias, mas como produzem muitos engajamentos, nem dá para acreditar que é genuína a indignação de quem publica; as dores negras têm dado muito lucro para os oportunistas.
Eu compreendo que as redes sociais não podem ser a síntese do comportamento de todos os negros, há muitos que desenvolvem um trabalho com seriedade, outros estão nas comunidades, periferias, escolas e universidades, organizações em bairros, instituições públicas e privadas lutando com os instrumentos disponíveis. Mesmo assim é muito pouco, diante dos desafios que nos cercam. Quando a comunidade negra sair do ciclo inútil de distração, e preocupar-se em construir abordagens promissoras de luta, o sistema racista não se sustentará. Primeiro conquistar a cidadania plena, depois nos apegamos às besteiras da vida.
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