Nova York está estabelecendo o terceiro grupo de trabalho dos Estados Unidos que tem o objetivo de avaliar a possibilidade de reparar as injustiças da escravização no estado norte-americano. A iniciativa foi anunciada há uma semana, no dia 19 de dezembro, após a governadora Kathy Hochul assinar um projeto de lei que autorizou a criação de uma comissão que deve estudar a história da escravização no estado, proibida no ano de 1827, e as consequências sociais desse período na vida dos afro-americanos, como a discriminação habitacional, o policiamento tendencioso, a desigualdade de renda e o encarceramento em massa.
De acordo com o jornal The New York Times, Nova York é o terceiro estado a empreender esforços de reparação, após Califórnia e Ilinóis criarem seus grupos de trabalho voltados para este fim. Ainda não se sabe como essas reparações poderão ser feitas ou como poderão acontecer, considerando as complexidades que envolvem as conversas sobre o período da escravização, incluindo questões financeiras e políticas e responsabilização com o passado.
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O estado da Califórnia, por exemplo, passa por um déficit orçamentário de bilhões de dólares que ameaça impedir possíveis reparações financeiras aos descendentes de pessoas que foram escravizadas.
“Sei que a palavra ‘reparações’ traz à tona muitas ideias conflitantes para as pessoas”, afirmou a governadora de Nova York no dia da assinatura do projeto de lei. “Muitas pessoas se interessam instintivamente quando ouvem isso, sem realmente pensar no que isso significa ou por que precisamos falar sobre isso.”
“Hoje, desafio todos os nova-iorquinos a serem patriotas e a repreender – e não a desculpar – o nosso papel em beneficiar da instituição da escravatura”, declarou.
Uma força-tarefa formada por nove membros, que devem ser nomeados pelo governador e pelo legislativo, ficará responsável por produzir um relatório contendo recomendações não vinculativas sobre formas de corrigir séculos de discriminação. Caberá aos legisladores aprovar a legislação e implementar as recomendações do grupo.
Na Califórnia, um relatório que recomenda um amplo programa de reparação a nível estadual além de um pedido formal de desculpas para os residentes negros do estado foi aprovado em maio deste ano. Segundo o NYT, os pagamentos das reparações financeiras relacionadas à escravização no estado poderiam atingir U$ 1,2 milhão por pessoa, um custo que atualmente é muito alto para o estado que possui um déficit de 68 mil milhões de dólares, cerca de R$ 330 bilhões, e outros desafios fiscais.
A responsabilidade de decidir sobre qualquer financiamento a ser concedido ou sobre as recomendações de mudanças de política propostas pela comissão cabe atualmente aos legisladores estaduais e ao governador Gavin Newsom, da Califórnia. Até o momento, não houve aprovação de legislação por parte dos legisladores, embora o Black Caucus legislativo tenha se comprometido a apresentar um conjunto de medidas para consideração no próximo ano.
Essa comissão foi além da simples consideração da escravidão, buscando quantificar os impactos do racismo estrutural em diversas áreas, como detenções por tráfico de drogas, discriminação habitacional, apreensões de propriedades e discrepâncias na expectativa de vida. As reparações propostas na Califórnia seriam destinadas exclusivamente a residentes que são descendentes de escravizados ou afro-americanos livres que viveram nos Estados Unidos antes do século XX.
No ano de 2021, Evanston, um subúrbio de Chicago, fez história ao se tornar a primeira cidade nos Estados Unidos a implementar reparações efetivas, oferecendo subsídios habitacionais de até US$ 25.000. Até agosto, a cidade anunciou que havia distribuído pouco mais de US$ 1 milhão em subsídios. O compromisso da comissão de reparações de Illinois persiste, com reuniões públicas programadas para o próximo ano.
Em São Francisco, um comitê separado composto por 15 membros emitiu uma lista de 111 recomendações, incluindo uma proposta ousada, porém improvável: um pagamento único de 5 milhões de dólares para pessoas elegíveis.
No entanto, as restrições financeiras e as divisões políticas na cidade destacam os desafios políticos enfrentados pelos programas de reparação: os pagamentos sugeridos poderiam totalizar mais de 100 bilhões de dólares, aproximadamente sete vezes o orçamento anual de São Francisco. A prefeita da cidade, London Breed, que é afrodescendente, não assumiu um compromisso em relação a compensações monetárias, e seu gabinete indicou que o governo federal está mais bem equipado para lidar com esse tipo de reparação.
Nova IYork enfrenta desafios orçamentais semelhantes. Após dois anos de orçamentos estaduais recordes impulsionados por assistência federal durante a pandemia, as autoridades do estado agora preveem um déficit orçamentário U$ de 4,3 bilhões para o ano fiscal de 2024, com projeções de déficits ainda maiores nos anos seguintes. Diante disso, cortes podem estar no horizonte, renovando os pedidos de legisladores de esquerda para aumentar os impostos sobre os mais ricos, uma proposta que Hochul se opõe.
A governadora Hochul reconheceu os desafios complexos que aguardam as negociações, admitindo ter tido preocupações desde o início com o projeto de lei.
Ela também mencionou os riscos políticos ao abrir uma discussão sobre erros históricos, mas ressaltou que verdadeiramente combater o racismo significaria “mais do que meramente pedir desculpas 150 anos depois”.
Antes da Revolução Americana, Nova York abrigava mais africanos escravizados do que qualquer outra cidade dos EUA, exceto Charleston, SC. A população de africanos escravizados representava 20% da população de Nova York, conforme dados do gabinete do governador.
O líder da minoria republicana no Senado, Robert Ortt, argumentou que Nova York já quitou sua dívida pela escravidão com o “sangue e vidas” dos americanos durante a Guerra Civil.
“Uma comissão divisiva para considerar reparações é impraticável”, declarou Ortt em comunicado. “Tal como visto na Califórnia, estou confiante de que as recomendações desta comissão serão irrealistas, com um custo astronômico para todos os nova-iorquinos, e só servirão para dividir ainda mais nosso estado.”
A assinatura do projeto atraiu uma variedade de líderes políticos negros do estado, incluindo os proponentes do projeto no Senado e na Assembleia Estadual, assim como o presidente da Assembleia, Carl E. Heastie, e a líder da maioria no Senado, Andrea Stewart-Cousins.
O reverendo Al Sharpton expressou gratidão à governadora Hochul por sua “ousadia e coragem” ao apoiar a proposta, descrevendo a assinatura como “o começo de um processo para reparar os danos causados”.
“Não se pode curar a menos que se trate das feridas”, enfatizou. “Este projeto de lei estabelecerá uma comissão para tratar dessas feridas.”
Agora que o projeto de lei foi assinado, Hochul e os líderes do Senado e da Assembleia nomearão três membros cada para compor a força-tarefa. O grupo terá um ano, a partir de sua primeira reunião, para apresentar um relatório com suas conclusões e recomendações ao Legislativo.
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