Quase dois anos depois, voltamos ao estado de cinema, paramos e desligamos de tudo ao redor para se atentar a grande tela a nossa frente, inundados por sentimentos de saudade e estranhamento. Um misto de sensações. E, fazendo aquele exercício que sempre nós – negros – fazemos ao adentrar um espaço, aquele do “olhar ao redor”, me dei conta de que grande parte dos espectadores ali eram pessoas negras e o sorriso com os olhos e o reconhecimento tomam conta do momento, que é interrompido por ele, Wagner Moura, que adentra sala por sala do espaço e emociona a todos com seu discurso onde agradece a equipe presente na sala e deixa uma mensagem que inunda nossos corações: “Esse filme é feito para o brasileiro. Para os que resistiram não só à ditadura militar, mas que seguem resistindo. É muito louco que um filme teve que lutar com o Governo Federal para estrear. Mas fizemos um filme sobre o amor”.
A emoção já passa a tomar conta antes mesmo do filme começar.
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Marighella é um líder político, guerrilheiro, escritor, poeta e cidadão brasileiro apaixonado por sua – nossa – pátria. O “inimigo número 1 da ditadura”. E por isso, esse filme representa paixão, luta, resistência e coragem. Censurado por mais de um ano, o filme foi lançado em 04 de novembro de 2021, data que completa 52 anos do assassinato brutal de Carlos Marighella.(ALN).
Carlos Marighella nasceu na cidade de Salvador da Bahia, em 05 de dezembro de 1911, filho de Maria Rita do Nascimento, mulher negra e filha de escravos, e de Augusto Marighella, imigrante italiano, de quem o filho herdou o interesse por política, que se deu início em 1929, aos 18 anos, quando Marighella ingressou no curso de Engenharia Civil na Escola Politécnica da Bahia. Durante 33 anos militou no Partido Comunista e depois fundou o movimento armado Ação Libertadora Nacional
Em 2012, durante uma temporada em Salvador, Wagner Moura recebeu e aceitou o desafio de Maria Marighella, neta de Carlos Marighella, de transformar a biografia de seu avô em filme. Ele não imaginava que seria o diretor desse longa, seu plano era dirigir um filme menor, em sua estréia como diretor. Nessa época já acontecia um movimento político a partir da candidatura de Bolsonaro à presidência e já tinha no ar a sensação de que o Brasil poderia entrar numa era conservadora e este filme então seria desafiador e incomodaria.
Após muitas dificuldades, entre elas mensagens com ameaças de ataques ao set de gravação, financiamento para produzir o filme e a pandemia. Duas estreias canceladas por conta do isolamento social. O filme estreou primeiro na Europa, em 2019, e só em 2021 foi lançado no Brasil, com uma pré-estreia no Teatro Castro Alves, em Salvador, onde familiares de Marighella estiveram presentes.
O filme, inspirado na biografia escrita pelo jornalista Mário Magalhães, retrata os últimos cinco anos de vida de Marighella, de 1964 até sua violenta morte em 1969, numa emboscada feita por agentes do DOPS (Departamento de Ordem Política e Social), traz cenas fortes de torturas que acompanharam a ditadura e também cenas de amor à uma pátria e ao seu povo. Emociona, dói, o peito aperta. E aperta porque, infelizmente, não está distante do que vivenciamos atualmente. Marighella, vivido por Seu Jorge, vive em constante perseguição, afastado da pessoa que mais ama, seu filho, e passa a viver com seu grupo. As cenas de cuidado entre os membros do grupo, sempre alertas e se protegendo, se abraçando e sofrendo a cada perda. Não teve como não deixar uma lágrima escorrer quando todos cantam o hino nacional. Reativa o nosso amor por um Brasil que não está sendo vivido por brasileiros, por um Brasil que sentimos saudade. Olhava ao redor, e todos emocionados. Esse momento foi tão marcante quanto outras frases mais fortes do filme: “Vocês estão matando um brasileiro”. Penso quantos brasileiros estão morrendo todos os dias? Quantas balas perdidas que só chegam em corpos negros? Quem matou Marielle Franco?
Marighella é um filme forte, que retrata um momento político importante, que devolve à sociedade a identidade de um homem que lutou, acreditou na transformação, na mudança e fez justiça. E que ensinou também amor – ”seja amoroso, leal e honesto.”.
Questões raciais foram levantadas a partir do personagem vivido por Seu Jorge, pois Marighella não era um negro retinto, e se fosse, não teria sobrevivido por tanto tempo. Verdade. E, sobre isso, Wagner Moura, disse em entrevista à revista Piauí: “Minha intenção inicial era convidar para o papel o rapper Mano Brown, por quem nutro enorme admiração e que, para mim, sintetiza muito da luta de Marighella. Brown tem um tom de pele que se assemelha ao do guerrilheiro, e os dois são filhos de mulheres pretas com homens brancos. Quando o rapper saiu do projeto, acabei optando por Seu Jorge, um negro retinto […] percebi que minha escolha reiterava a negritude do guerrilheiro de um modo muito potente, em oposição ao embranquecimento que a história e o audiovisual brasileiros impõem a determinados personagens.”. De qualquer forma, Seu Jorge está atuando de uma forma, que me tocou, me impressionou e reverberou por dias.
Sai do cinema com olhos molhados, e com o coração apertado por olhar a minha pátria e vê-la nessa situação política social que se encontra. Mas com uma frase que não deixa a esperança morrer: ‘EU NÃO TENHO TEMPO DE TER MEDO’.
‘Marighella’ é a estreia de Wagner Moura na direção e tem Seu Jorge como protagonista, além de Bruno Gagliasso, Adriana Esteves, entre outros atores conhecidos do grande público.
@marighella_ofilme
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