Em 2015, o ginasta Angelo Assumpção estava em ascensão e tinha sido campeão da prova de salto da etapa de São Paulo da Copa do Mundo de ginástica artística, mas em meio ao ápice aconteceu o que acabou por definir a desventura que o atingiria.
Os colegas de equipe de Ângelo, Fellipe Arakawa, Henrique Flores e Arthur Nory lhe disseram coisas de cunho abertamente racista : “Seu celular quebrou. A tela quando funciona é branca, quando ele estraga é de que cor? (risos)”, pergunta Arthur Nory. “Preto!”, respondem os outros. “O saquinho do supermercado é branco. E o do lixo? É preto!”. A cena deprimente foi gravada e vazada nas redes sociais, mostrando um Angelo visivelmente constrangido.
Notícias Relacionadas
Juliana Alves reflete sobre 21 anos de carreira: "Conquistei respeito e reconhecimento que não tinha antes"
"Aos 50, quem me aguenta?", Edvana Carvalho fala sobre negritude, maturidade e o empoderamento feminino em seu primeiro solo no teatro
Seis anos depois, nenhum punido. Arthur Nory tem milhões de seguidores enquanto Angelo está sem clube desde novembro de 2019, quando foi demitido pelo Esporte Clube Pinheiros, clube que defendeu por 16 anos. Na última segunda-feira (31), Ângelo desabafou em suas redes sociais. “Eu juro que queria entender porque até hoje não consegui achar um clube para treinar. Qual foi o crime que cometi para ser banido da ginástica?!!! Cadê as pessoas que disseram que iria ajudar do meio esportivo quando ficaram sabendo do ocorrido? Um ano e meio e o racismo…”, escreveu o atleta.
Angelo tem se mantido inteiro física e psicologicamente da forma que lhe é possível. “Está sendo bem difícil, sinto que houve um abandono das pessoas do meu ambiente (ginástica) , onde até o presente momento não consegui achar um clube para treinar. Faço que está ao meu alcance de ir atrás de quem pode me ajudar, treinando na academia e tentando manter saúde mental conversando semanalmente com minha psicóloga”, conta.
“Eu faço acompanhamento sem parar há três anos. É uma profissional fora do ambiente esportivo, com intuito de tratar o Angelo como ser humano que transita no Angelo profissional e tem me ajudado muito com tudo que estou passando”, desabafa o paulistano que fará 25 anos em junho.
Ainda que o ginasta se esforce em academias, para se manter apto para o esporte que ama é preciso treinos específicos que são oferecidos apenas em alguns clubes do Brasil. Segundo informações do Globoesporte.com, o Esporte Clube Pinheiros passou por uma reestruturação ao fim de 2019, mas Angelo foi o único atleta dispensado. O atleta é articulado e plenamente consciente de sua condição de homem preto que foi inserido em um espaço majoritariamente branco. “Eu não denunciei os meus ex- colegas de seleção, o Arthur postou o vídeo em suas redes sociais naturalizando a existência do racismo dentro do esporte e muitos acham que é um lugar isento de racismo”, explica.
Não há como apontar outras razões que não um racismo latente que perpassa a existência de indivíduos e instituições do país. A punição maior se aplica contra a vítima e, ao que parece, é a única punição. “É evidente a indignação do silêncio ensurdecedor que estão fazendo com a minha história de anos representando um país e que nada efetivo foi feito para minha volta. Minha trajetória começou em 2003, não quero encerrar minha carreira, mas preciso ter o direito de continuar a exercer o meu trabalho”, desabafa.
Maior pivô dos ataques a Angelo, Arthur Nory deu entrevistas, foi para as Olímpiadas um ano depois do vídeo, reforçando que racismo pode ser compensado com pedidos de desculpas guiados por assessoria e que a causa racial está longe de comover marcas e pessoas públicas e isso parece evidente para Angelo. “Crescemos em uma estrutura que precisa buscar o letramento racial. Muitos acreditam que o racismo só se manifesta quando chamam de macaco, porque provavelmente é o sinal claro de desumanização. Mas o racismo aparece de várias formas, por isso ele é estrutural. Por isso que devemos buscar profissionais que trabalham diretamente com questões raciais para instruir e educar estes ambientes onde a diversidade de pessoas se encontram. É perverso pra nós ficar recebendo tudo isso e tendo que educar em todos os momentos”, diz em uma lucidez raramente demonstrada entre esportistas brasileiros.
Sobre a ausência de punição e inversão do apoio, Angelo é firme. “Temos leis muito brandas quando falamos de racismo, que precisa ser mudada para punição severa com quem comete e uma assistência em seu modo geral mais adequada para quem é vítima. Quem é punido neste país por ser racista é a vítima e não o agressor. Isso fica claro”, raciocina.
A situação de um ginasta preto e talentoso, abandonado após ser mais uma vítima de racismo rende muitas reflexões, mas o próprio atleta deixa um recado simples e direto: “A volta do Angelo ao esporte significa o início efetivo do enfrentamento contra o racismo na ginástica”, conclui.
Notícias Recentes
Sueli Carneiro se torna a primeira brasileira reconhecida como cidadã beninense
Iza anuncia lançamento de música e clipe em homenagem à sua filha, Nala