O que parecia uma fissura política na histórica recente do Brasil com a eleição do presidente Jair Bolsonaro jogou a país num abismo. De um lado a defesa de todas as violências sociais típicas dos países da América Latina e do outro o próprio eleito legitimando chagas como a ditadura. Tudo que estava escondido, agora pode ser visto com riqueza de detalhes e a cada dia que passa cheira pior.
A pandemia escancarou as desigualdades sociais e o racismo estrutural, violências, fruto da negligência de um estado cis, masculino, branco, heteronormativo e de classe média que não representa o país, mas como detém os meios de produção e comunicação, garante sua hegemonia e a perpetuação das desigualdades. Esses são os ingredientes que engrossam o caldo dos acontecimentos de um ano que custa acabar.
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O ano de 2020 se organiza dentro da distopia do tempo. Paira no ar “um novo normal” e o uso da máscara, aos moldes da escrava Anastácia, garante as velhas práticas sua continuidade. Ao mesmo tempo que a pandemia e a Covid-19 reconfiguram a forma de vivenciar o mundo, entender e lidar como os corpos trazidos pelas desigualdades, há uma urgência e rever pautas importantíssimas para garantir a ampla e irrestrita participação de todos e todas na vida política do país.
Dentro os acontecimentos desse ano sem precedentes, a cereja do bolo são as eleições, que acontecerão em novembro. Houveram mudanças para que isso acontecesse dentro desse “novo normal”. A começar pela alteração das datas para a realização das convenções eleitorais, registros de candidaturas e o dia da eleição em si. As regras para a propaganda eleitoral também sofreram mudanças importantes no sentido de coibir a Fake News e garantir a transparência nas informações veiculadas pelos partidos e candidatos.
As mudanças no pleito impactaram diretamente a experiência eleitoral do país, para além dos prazos mais curtos, assistimos uma mudança de rota na busca do voto. As campanhas de rua, o corpo a corpo se veem impedidos de acontecer na sua totalidade pela necessidade do isolamento social. As ruas deram lugar as redes sociais. As campanhas estão se estruturando de forma online.
Os antigos comitês que abrigavam as coordenações de campanha e suas estratégias, militantes e simpatizantes que se reuniam para discutir as probabilidades de eleição do seu candidato, hoje acontecem em reuniões através de aplicativos como o zoom, whatsapp, meet entre outros. O frisson da distribuição de material, os famosos santinhos, se resumiu aos compartilhamentos de post pelas redes sociais, nos grupos da família, amigos e do futebol.
A teia de contatos em que as pessoas estão mergulhadas, sua capilaridade e capacidade de inserção é que vão garantir o desempenho eleitoral e com isso a vitória. Os partido e candidatos que estiverem mais entranhados nos meandros do espaço virtual é que terão mais chances de chegar na frente.
A realidade virtual que estamos inseridos mudou também a cara dos candidatos. Houve um significativo aumento das candidaturas afro descentes que concorrem ao pleito eleitoral de 2020, é notória a presença de homens e principalmente de mulheres negras na disputa das eleições municipais, tanto para vereança quanto para a prefeitura.
Falar sobre candidaturas negras ou do voto negro passou a ser uma constante. Perguntas como porque negro não vota em negro? Por que os partidos não cumprem os 30% das cotas? Por que o acesso da população negra ao sistema eleitoral é tão difícil? Qual o conjunto de fatores que empurra as pessoas negras para as margens eleitorais? Vem exigindo uma resposta da sociedade e um posicionamento do povo negro.
A perspectiva eleitoral a partir do ambiente virtual é um caminho para responder essas perguntas e transformar a correlação de força das decisões que atingem a realidade da população negra. As redes sociais amplificam as vozes negras e mostram quão diversas elas podem ser na elaboração de soluções que atendam às suas necessidades.
Campanhas como “Enegrecer a Política” um projeto que analisa os motivos da ausência de pessoas negras nos processos eleitorais ao mesmo tempo que produz ferramentas que possibilitem esse acesso, a “Agenda Marielle Franco” lançado pelo Instituto Marielle Franco que reúne um conjunto de práticas antirracistas a para as eleições de 2020 e o documentário “Semente” que fala da importância do engajamento das mulheres negras na ocupação dos espaços institucionais, são o resultado de ações coletivas organizadas para visibilizar as pessoas negras, sobretudo as mulheres negras, e as pautas que envolvem sua existência.
No momento em que o TSF discute e aprova o uso proporcional do fundo partidário, do fundo eleitoral para o financiamento das candidaturas negras e o tempo da propaganda eleitoral em rádio e TV do horário eleitoral gratuito a que os partidos tem direito, afim de garantir a equidade da presenças de pessoas negras nos pleitos eleitorais, demonstra que é possível que as estruturas institucionais racializadas se coloquem a favor das populações oprimidas ao acesso aos espaços de poder e decisão, quebrando as barreiras impostas pelo racismo estrutural.
Essa mudança de comportamento do TSF foi fruto de lutas e reivindicações de passos que vieram muito antes dos meus e que atingiram a instituição também pela ação violenta da pandemia e da covid- na vida da população negra, que recrudesceu na pressão para aumentar e garantir seu acesso a disputa eleitoral, a fim de concretizar as mudanças que precisam ser feitas para que a vida das pessoas negras passe a importar.
A distopia é o tempo que nos rege, então que a partir dos elementos que ele apresenta, a sociedade possa construir o caminho que a levará à construção de um mundo antirracista e anticapitalista, capaz de enxergar na diversidade a solução para suas questões mais profundas.
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