O ramo artístico é extremamente competitivo. No Brasil possuímos poucos incentivos e baixa valorização daqueles que sobrevivem da arte, ainda que o setor cultural chegue a compor 4% do PIB do país. Apesar das redes terem facilitado a ponte entre artista e seu público, aqueles que costumam obter maior sucesso possuem algum tipo de capital financeiro inicial ou capital social, nasceram em famílias já reconhecidas pelo meio. No setor da música, por exemplo, é necessário comprar os equipamentos, pagar estúdio para gravação e o tratamento do conteúdo antes de subir em plataformas.
Com a pandemia, o setor cultural foi drasticamente impactado. Os artistas que mais sofreram foram justamente os independentes, que dependiam da interação direta com o público e ficaram impossibilitados visto que para enfrentar o vírus Covid-19 é necessário o isolamento social. As lives formam uma forma de difundir o conteúdo dos artistas e obter, por vezes, um pequeno retorno financeiro do público. Mas essa estratégia é limitada, esbarrando na necessidade de compreensão social do público, pois conteúdos antigos já estavam disponíveis gratuitamente no youtube.
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Recentemente casos de abusos físicos, morais e simbólicos por parte dos produtores que detém um grande poder financeiro e influência vieram a público. A indústria cultural também dita os ritmos e estilos que são tendência divulgando em massa seus artistas preferidos que chegam a lucrar milhões. Isso impacta não apenas artistas independentes como também pode determinar o fim de estilos musicais e legados culturais.
Dentre muitos dos artistas independentes negros que temos visto ganhar espaço nos últimos anos temos Jota.pê que chamou atenção na internet com suas músicas em ótimas versões acústicas e também belíssimas regravações como a da musica Zero, da cantora Liniker.
Uma das formas de artistas independentes conquistar recursos para demonstrar seus talentos é através de leis de incentivo a cultura independente que movimenta recursos para produções maiores. Um exemplo é a Lei Aldir Blanc de alcance nacional que acaba por financiar produções como as da artista Indy Naíse com seu ultimo e belíssimo trabalho produzido pelo Rapper Rincon Sapiência.
Outro projeto financiado pela Aldir Blanc é a Revista Odù, que apresenta matérias autorais de mais de 30 artistas, mestres/as e lideranças negras e indígenas do Brasil e do Benim.
O esforço de novos artistas negros independentes em ocupar uma cena extremamente competitiva no Brasil tem reunido grandes talentos e dessas uniões trabalhos autorais em conjunto surgem. Até mesmo eventos de valorização cultural acabam por ser promovidos e precisam da atenção do público.
O samba de roda, por exemplo, é patrimônio cultural e imaterial da humanidade reconhecido pela Unesco e o Samba do Rio de Janeiro é Patrimônio Cultural do Brasil. Foi pensando nisso que o cantor Odair Junior idealizou o evento Um Rio de Samba que nasceu justamente pensando nesta realidade afim de promover sambistas independentes e fortalecer a tradição de Samba no Rio de Janeiro.
Odair possui 41 anos, participou de rodas de samba e pagode no final dos anos 90 e começo dos 2000, com o Grupo Novo Acorde. Sambista de criação, pagodeiro de coração, o paulistano carioca aprendeu a escutar e conhecer boa música com seu pai. A chegada de seu filho e as responsabilidades como chefe de família acabaram o afastando da vida artística independente. Embora tenha se apresentado em grandes casas de show paulistanas a instabilidade financeira da carreira artística independente ficou cada vez mais insustentável. Já em 2020 Odair retomou sua carreira com o objetivo de não apenas reviver um sonho, mas também fortalecer a cena autoral e independente. Seu evento, Um Rio de Samba, é um dos maiores eventos de musica independentes brasileira.
As dificuldades para carreiras independentes da música são muitas, como podem ter notado, mas uma das coisas que podemos destacar ao observarmos esses artistas e suas trajetórias é o amor pela arte. A resiliência em insistir independentemente de qualquer dificuldade nos faz admirar cada vez mais estes profissionais que conseguem entregar amor, talento e manter viva a arte da música preta no nosso país.
Você costuma escutar artistas independentes?
Texto Por: Jade Lobo e Levi Kaique Ferreira
Jade Alcantara Lobo é Editora e Coordenadora da Revista Odù: Contracolonialidade e Oralitura. Doutoranda em Antropologia Social na UFSC. Autora do livro “Para Além da Imigração Haitiana: Racismo e Patriarcado como Sistema Internacional”. Autora da dissertação: “Defeito de Fabricação”: Maternidades Negras. Trabalha com Maternidade Negra, Afroperspectivismo, Contracolonialidade e Cosmopolíticas Afroindígenas.
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