Entrevista e texto por: Joe Andrade
Eloá Rodrigues é estudante de Ciências Sociais pela Universidade Federal Fluminense (UFF), modelo, atriz, ativista dos Direitos da população Preta e LGBTI e Miss Beleza T Brasil, ela irá representar o país na Tailândia, no concurso Miss Internacional Queen, nessa entrevista exclusiva para o Site Mundo Negro, Eloá fala sobre sonhos e reflete sobre oportunidades para a comunidade trans/travesti no Brasil, confira:
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Mundo Negro (Joe Andrade): Como foi o processo para se tornar uma miss?
Eloá – Foi um processo quase paralelo a minha transição de gênero, um percurso de muita autoanálise, preparação, de construção e reconstrução e de muitas pessoas envolvidas, por isso costumo dizer que deixou de ser só meu sonho e se tornou de todos que, direta ou indiretamente, estavam ligados a este projeto. Eu sempre ouvi falar dos concursos de mulheres cis, porém o concurso para mulheres Trans e Travestis ainda não tinha tanto espaço e visibilidade. Em 2015 foi a primeira vez que tentei participar do extinto Miss T Brasil (que também era a nível nacional e mandava a brasileira para a competição na Tailândia). Porém minha inscrição não foi aceita. Em 2016 participei do também extinto Miss T Niterói, não angariando o pódio, entretanto a experiência e troca que tive foram transformadoras. Em 2017 tentei o Miss T Brasil novamente e, novamente, não fui aceita. Em 2019 foi lançado o Miss Beleza T Brasil e novamente tentei, e minha inscrição foi aceita. Sendo a minha primeira participação de um concurso a nível nacional. Fiquei no top 10, nessa ocasião, o que me motivou a continuar tentando a realizar meu sonho, que era ser a Miss Brasil. Feito que consegui na segunda edição do concurso, novamente representando meu estado (Rio de Janeiro). Consegui alcançar o meu objetivo maior, um percurso que não foi fácil, mas que com a ajuda da minha família, equipe e amigos, consegui chegar aonde mais desejava.
De que forma os concursos de beleza contribuem para a luta da comunidade T?
Eloá – Minha vivência já diz por si. Venho da periferia, sou negra e os sonhos para mim, no geral, nunca deixaram de ser sonhos. Vivo em uma sociedade que foi pensada para aniquilar existências como a minha. O Brasil é o país que mais mata jovens negros, que mais mata pessoas trans, e neste sentido é uma luta diária tentar criar uma narrativa sobre mim mesma e sobre meus iguais. Então acredito que sim, os concursos de beleza, em especial os direcionados para pessoas Trans e Travestis, ajudam a humanizar nossas existências e mostrar que é possível sonhar e criar outras narrativas sobre a nossa existência. Mesmo não sendo a solução para todas as nossas questões, servem para viabilizar o debate sobre o trânsito e a convivência social com os nossos corpos, com a possibilidade de naturalização, humanização e possibilidade de dignidade.
Em 2018, Angela Ponce desfilou no Miss Universo representando a Espanha. Ela não chegou entre as 20 colocadas, mas fez história sendo a primeira mulher trans a desfilar no maior concurso de beleza do mundo. Como você analisa a presença de mulheres trans/travestis em concurso de maioria cisgênera?
Eloá – Acredito que a nossa presença em concursos tradicionais deveria ser encarada com naturalidade e com a possibilidade de troca ainda mais interessante de vivências e experiências, porque afinal, somos mulheres. Entretanto a maior questão que permeia a inserção de pessoas Trans e Travestis, nos meios de convivência e mais especificamente no âmbito das competições, em qualquer esfera, é que a sociedade não está disposta a nos dar humanidade e reconhecer que somos dignas de ocupar determinados espaços, e não está disposta a fazer este tipo de diálogo de forma honesta, de forma horizontal e límpida, nos colocando no centro do debate. Desta maneira é mais fácil, dizer “que eles criem um concurso para eles “, no intuito de continuar nos colocando as sombras ou em nossos guetos. Frente a isso, continuo acreditando que hoje conseguimos atingir a um nível de diálogo com a sociedade, que é impossível dizer que nós não existimos (como faziam há não muito tempo atrás), e mesmo frente a tantos retrocessos, acredito que é uma movimentação que não tem mais como ser desfeita.
Quais suas referências de beleza?
Eloá – Minhas referências, vão para além do estereótipo que foi criado em torno do que é ser belo, para mim é muito mais complexo do que só “ter beleza”. Pessoas que me nutriram e me ensinaram algo sobre a vida, como ser uma pessoa melhor, que são parte da mulher que sou hoje. As mulheres da minha família, minhas amigas, as mulheres negras que fizeram e fazem parte da minha formação política e tantas outras, são minha referência não só de beleza, mas do que é ser mulher nesta sociedade.
O que podemos esperar no Miss Internacional Queen?
Eloá – Tem um trabalho lindo sendo preparado. Estou tentando dar conta de tudo o que este momento e processo exige. São muitos detalhes, muitos profissionais e muita gente que acredita no meu potencial. Terá muita ousadia, representatividade e amor. Estamos levando algo que é a mistura do clássico com o inovador. É um desafio, mas estou muito entregue e confiante. Meu maior intuito é que as pessoas ao falarem do Miss Internacional Queen 2022 automaticamente lembrem com orgulho de terem sido representados por mim!
Joe Andrade, autora da entrevista, é atriz e acadêmica em Teatro.
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