Maurício Rodrigues é um dos representantes de uma geração fruto de pais conscientes do papel da educação como grande diferencial na vida de quem nasce com a pele negra em um dos países mais racistas do mundo. Vice-presidente de Finanças da Bayer Crop Science para América Latina , Rodrigues é um dos responsáveis pela maior campanha de recrutamento de trainees negros da empresa que se encerra no próximo dia 21 de outubro.
Engenheiro civil de formação, Rodrigues tem mais de 20 anos de experiência no setor financeiro e conhecimento de gerenciamento de riscos e liderança de grandes grupos. Na Bayer ele também atua como sponsor do BayAfro, grupo de afinidade responsável por desenvolver e discutir políticas de inclusão e diversidade étnico-racial dentro da companhia em todos os níveis hierárquicos.
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Projetar uma ascensão profissional desconsiderando a importância de cursar um curso superior ou estudar línguas é uma ilusão. Porém a ausência de referências de pessoas negras que trilharam essa jornada de crescimento profissional, apesar de todas as dificuldades, faz com que muitos jovens não queiram usufruir de oportunidades feitas para eles como os programas de estágio e trainee para estudantes negros.
Nessa entrevista feita pela nossa editora-chefe Silvia Nascimento, Rodrigues compartilha detalhes sobre sua trajetória profissional, que inclui uma experiência internacional de quatro anos que impactou a forma que o executivo analisa as relações raciais no ambiente de trabalho.
Mundo Negro – Olhando sua trajetória profissional, como você se manteve motivado em um país que dificulta os avanços das pessoas negras no mercado de trabalho? Você teve em quem se espelhar e/ou inspirar?
Maurício Rodrigues: Tive a vantagem de ter tido pais que “quebraram o ciclo” e conseguiram se graduar na Universidade Federal do RS em Engenharia e Direito, contrariando o padrão da comunidade negra e do restante da nossa família. Digo que quebraram o ciclo pois fizeram isso sem nenhum incentivo, dado que não existiam outras pessoas da família que se graduaram e com todas as dificuldades financeiras possíveis.
Por terem feito isso, eles valorizaram bastante a educação e me deram condições de estudar em boas escolas, o que me permitiu entrar numa boa universidade e me abriu portas para concorrer a uma grande empresa.
Além disso, ambos serviram de grandes exemplos e referências para mim pois me faziam sonhar que era possível crescer e atingir cargos mais altos na área que eu tivesse interesse.
Essa combinação de boa base de educação e referência para me deixar sonhar alto fez uma grande diferença na minha carreira, algo que sei que não é realidade para a maioria da população negra do país.
E por isso tento dar minha parcela de contribuição hoje em dia também atuando como referência para essa população para que possam também sonhar com essa possibilidade.
Você já teve experiências profissionais fora do Brasil? Se sim, onde foi e racialmente como foi essa vivência para você?
Vivi 4 anos fora do país, sendo dois anos e meio em St. Louis, nos EUA, um ano e meio no México.
Tanto profissionalmente como pessoalmente, a experiência de morar fora foi muito boa para poder ter uma perspectiva diferente e mais ampla sobre vários aspectos. Falando especificamente do tema racial, aprendi muito morando nos EUA para poder entender melhor o histórico dessa luta por lá, e sem dúvida viver diversas situações de racismo cotidianas (similares às que vivo no Brasil).
Outro ponto importante do meu período nos EUA foi que fui convidado a participar com mais ênfase na questão racial. Não era aceitável por lá que os negros não se envolvessem nos grupos de discussão da temática de maneira mais atuante. Talvez o meu histórico até o momento no Brasil, como vários outros negros, era de não me pronunciar de maneira mais efetiva sobre o assunto e conviver com as situações de racismo. Isso era uma espécie de proteção por muitos anos para evitar que estivesse em constante luta e que não me prejudicasse na época pois a discussão racial nas empresas praticamente não existia.
No meu retorno ao Brasil em 2014, depois da experiência de envolvimento nos EUA, e já tendo alcançado uma posição de maior exposição, senti que tinha a condição, e mais que nada o dever, de contribuir para essa discussão na empresa, o que acabou fazendo com que me tornasse “sponsor“ do grupo de equidade racial que foi formado em 2015 na empresa
É normal do jovem negro não achar que merece estar em certos espaços. O que você como CFO da Bayer , mas também como homem negro, tem a dizer aos candidatos nesse sentido?
Primeiramente eu tenho que reconhecer que o grau de dificuldade para almejar estar nessas posições realmente é enorme pela falta de referências e pela complexidade para ter boa educação de boa parte da população negra. As ações afirmativas promovidas pelo governo nos últimos anos contribuíram para melhorar essa situação e formar jovens em melhores universidades, mas a falta de referência ainda continua sendo uma grande barreira. A meu ver, aí que surge a necessidade de profissionais negros darem sua contribuição e atuarem como referências para esses jovens.
Mas o que eu digo normalmente para esses jovens é: acreditem no seu potencial! Apesar de todas as adversidades, vocês tem que conseguir sonhar alto e se inspirar nas referência que encontram. Em especial num mundo tão volátil e incerto que temos hoje em dia, a resiliência (fruto do ambiente complexo que muitos desses jovens vivem) torna-se algo fundamental e um diferencial importante para que possam se desenvolver numa empresa.
Recomendo também que procurem as formas mais diversas de estudo e valorizem muito o aprendizado contínuo. Novamente, reconheço a dificuldade que muitos enfrentam, seja por falta de condições ou de tempo em função de condições econômicas desfavoráveis. No entanto, a criatividade e o empenho para procurar estudar, se informar e aprender constantemente é o que será o diferencial na carreira desses jovens.
Por último, aproveitem esse momento em que essa discussão está mais forte e que as empresas estão começando a ter um olhar diferenciado para a questão racial e lutem pelo seu espaço. Independentemente do que algumas pessoas possam dizer ou questionar o valor dessas ações, o mais importante é aproveitar esse momento, se inscrever nos diversos programas, dar o seu melhor para entrar numa empresa através de um programa de estágio ou trainee e conquistar o seu espaço. Não se deixem levar pelas críticas às ações e acreditem ao máximo que é possível entrar nessas empresas e sem dúvida crescer dentro delas para em breve termos muito mais CFO’s, CEO’s e outros cargos de liderança ocupados por pessoas negras.
A Bayer tem estratégias para reter esses trainees negros? Pergunto por conta das dificuldades que permeiam o cotidiano de quem é jovem preto, como questões de transporte, saúde mental … (há coletivos negros dentro da empresa?)
O objetivo do programa é não apenas atrair esses profissionais, mas também contribuir para o seu desenvolvimento. A jornada de seleção contará com uma experiência de autoconhecimento e aprendizagem através de três pilares centrais: Protagonismo e saúde mental (ações que visam fortalecer a autoestima e descontruir crenças limitantes), Liderança (construção de um espaço para reflexão das referências que inspiram e encorajam suas histórias) e Educação e Carreira (jornadas de autoconhecimento e os desdobramentos voltados para carreira). Após o início do programa, os profissionais terão a oportunidade de liderar projetos estratégicos com alto impacto para a organização, além de contar com uma trilha de desenvolvimento que contemplará diversos conteúdos de aprendizagem técnica e sócio emocionais, programa de mentoria individual, subsídio para desenvolvimento na língua inglesa, caso necessário, e alta exposição na companhia. No que diz respeito a parcerias, as empresas EmpregueAfro, B4People e Cia de Talentos estão colaborando conosco nessa iniciativa.
Além disso, a empresa possui uma série de ações que reforçam seu compromisso com a inclusão e a diversidade étnico-racial. A companhia possui um grupo de afinidade chamado BayAfro, responsável por promover ações de conscientização, campanhas, rodas de conversa e uma série de iniciativas que possam contribuir para um ambiente de trabalho inclusivo, garantindo equidade de oportunidade; além de estimular reflexão para a temática da diversidade étnico-racial.
A Bayer foi pioneira em se aproximar de coletivos e universitários negros e promoveu, em 2017 e 2018, o encontro “Juventude Negra na Bayer”, que teve como objetivo discutir práticas da Inclusão da Juventude Negra nas Grandes Organizações.
Outro exemplo de iniciativa desenvolvida pelo grupo é a realização do AfroTalks, encontros virtuais com o intuito de atuar ativamente na promoção da equidade étnico-racial.
Já o MeetUp Cumbuca é um programa que nasceu dentro do Pilar de Inclusão & Diversidade, cujo principal objetivo é o desenvolvimento comportamental e de competências do grupo de estagiários negros Bayer. Iniciativa desenvolvida em parceria com a EmpregueAfro
Essa campanha do programa de Trainees da Bayer foi algo histórico. Como foi desenhado esse projeto até o lançamento e qual a diferença dessa para as outras ações feitas pela Bayer no sentido de incluir profissionais negros na empresa?
Analisando internamente, os números eram pouco representativos. Esse foi um dos motivadores do programa, criar ações para mudar um cenário comum que não é o ideal. Infelizmente as pessoas negras, em função de uma história ampla de discriminação, ainda têm menos acesso à educação de qualidade e, consequentemente, ao mercado de trabalho formal. Esta dificuldade se reflete nas estatísticas, com uma porcentagem baixa de profissionais negros no mercado formal e, principalmente, em cargos de liderança – em um país em que 56% da população se auto-declara negra. Com este cenário em vista e para contribuir para a correção dessa desigualdade, a Bayer optou por um Programa de Trainee com oportunidades voltadas exclusivamente para jovens talentos negros. O programa Liderança Negra Bayer busca por profissionais que serão protagonistas dessa mudança.
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