No Rio, atualmente, não falta opção gastronômica para um rolê de preto. Na última década, no eixo Centro e Zona Norte da cidade, surgiram restaurantes especializados na culinária africana e afro-brasileira que oferecem um cardápio com significados que vão além dos pratos, com iguarias coloridas e saborosas.
Mais do que restaurante, esses espaços são centros culturais que possibilitam encontros de pessoas pretas na cidade. Em condições sociais normais para aglomeração, oferecem roda de samba, jazz, chorinho, workshops e rodas de conversa sobre variados temas, e tudo mais que reforce a sociabilidade e propague a cultura negra. Devido à pandemia do novo coronavírus, parte da atuação desses espaços se estendeu para as suas redes sociais.
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Embora não sejam exclusivos para pessoas pretas, são “ambientes de segurança”, como definiu uma amiga, dizendo que neles pessoas brancas ficariam inibidas de serem racistas. Os valores que orientam esses restaurantes são afeto, ancestralidade, comunhão, vivência, saberes e artes afrocentradas, com a gastronomia como abre-alas.
A cidade do Rio de Janeiro vem se africanizando ainda mais agora, pela boca, com esses restaurantes. E, na maioria deles, além de comida você encontra outros artigos atrelados à cultura e à arte preta, como moda, livraria e artesanatos, agregando outras marcas ao local. Recorrem a um modelo de negócio colaborativo, compartilhado e comunitário, que talvez seja uma alternativa interessante de sustentação para essa conjuntura de recessão econômica que se prolonga há anos.
Listei alguns desses espaços que vêm formando um circuito gastronômico africano e afro-brasileiro na cidade.
Quilombo Cultural Casa do Nando
Após sofrer um incêndio em agosto de 2020 que destruiu o antigo casarão localizado no Largo de São Francisco da Prainha, na Pequena África, região portuária, o Quilombo Cultural Casa do Nando foi reconstruído em um novo endereço, agora na Rua Camerino 176, na mesma região. A reconstrução do espaço foi feita com ampla solidariedade, com crowdfunding, doações de materiais e com pessoas que, de maneira voluntária, literalmente colocaram a mão na massa.
A Casa do Nando há 7 anos vem se referenciando na cidade como um local de pretos para pretos, como um espaço de acolhimento; desenvolvendo atividades artísticas, culturais e ação social. Tudo isso temperado com afeto, alegria e amor, valores propagados pela Casa.
A cozinha é do chef Nando, o anfitrião, que oferece no seu cardápio uma das melhores feijoadas do Rio. Além do feijão, Nando prepara uma boa rabada com agrião e batata, aquele frango com quiabo e outros pratos representativos da gastronomia quilombola.
Kaza 123
A Kaza 123 é recém-nascida, inaugurou no ano passado, na rua Visconde de Abaeté 123, em Vila Isabel, Zona Norte. O espaço é gerido por Lica Oliveira, Rodrigo França e Maria Júlia Ferreira, que agrega um mix de marcas pretas. Mesmo com pouco tempo, já tem conquistado fama pelo ambiente aconchegante, cheio de referências negras na decoração e na livraria Kitabu, que divide o espaço com as marcas de moda Idunu África e ComplexoB. A gastronomia da Kaza fica por conta da Angurmê Culinária Afro-Brasil.
O carro-chefe da cozinha é o angu, servido como uma referência de comida ancestral, que tem várias opções, do angu à baiana ao angu com rabada. Mas no seu cardápio de comida afro-brasileira tem feijoada, bobó de camarão e alguns caldos servidos em charmosas tigelas de barro.
Vila Isabel, berço de Noel Rosa e Martinho da Vila, além da própria escola de samba, é historicamente um bairro boêmio, onde se concentram muitos bares e restaurantes. Agora a Kaza 123, que se destaca pela decoração e como importante espaço de sociabilidade preta, mesmo tão jovem, já chegou protagonizando e inovando a cena.
Afro Gourmet
O restaurante Afro Gourmet fica a menos de 3 km da Kaza 123, na rua Barão de Bom Retiro 2316, Grajaú, Zona Norte. Seu espaço aconchegante funciona desde agosto de 2018. Antes de fixar esse ponto, o Afro Gourmet era um projeto gastronômico itinerante que ocupava eventos pela cidade.
O empreendimento é gerido pela chef Dandara Batista, que abriu o restaurante para oferecer sabores africanos em pratos como Arroz de Hauçá, Ndolé, Arroz Jollof, Tagine, Amalá com rabada, Moamba de Galinha, Mufete, entre outros.
A cozinha do Afro Gourmet alia afeto e resistência, valores que orientam a chef Dandara a oferecer comida africana como uma forma de conexão ancestral.
Dida Bar e Restaurante
O Dida Bar e Restaurante fica na Praça da Bandeira, também na Zona Norte da cidade. Talvez seja o mais conhecido e frequentado. É administrado por Dilma Nascimento e seus filhos, que através da gastronomia e da arte compartilham saberes e valores africanos. No Dida, afeto, acolhimento e ancestralidade são ingredientes fundamentais na organização do espaço e nas preparações da cozinha.
As atrações no Dida, em condições normais, tem na programação roda de samba, jazz e até bloco de carnaval; rodas de conversa, workshops e lançamento de livros relacionados à cultura negra também ocupam o espaço. Por tudo que representa para comunidade negra carioca, Dilma Nascimento, dona Dida, foi homenageada pela vereadora Marielle Franco com a medalha Chiquinha Gonzaga em 2018, que é entregue pela Câmara de Vereadores do Rio a personalidades femininas de destaque no Brasil.
No Dida, os pratos africanos são divididos entre Angola (mufete e calulu de carne seca), Nigéria (Arroz de Hauçá e Galinha de Piri Piri), África do Sul (Joanesburgo), Senegal (Mafé Boeuf) e Moçambique (Tocossado com camarão seco e Caril de Camarão). O restaurante ainda oferece outras opções, como o Camarão no Coco, Feijoada, Bobó de Camarão e Baião de Dois.
Casa Omolokum
A Casa Omolokum fica na Pedra do Sal, espaço na região portuária que é um lugar de memória africana e que tem uma roda de samba de renome internacional. A Casa conta com a coquetelaria do Bar Odara e com a Livraria Casa da Árvore, especializada em literatura brasileira, cultura carioca, política e religiosidade de matriz africana. A cozinha, comandada pela chef Leila Leão, traz à mesa a culinária afro-brasileira marcada pela religiosidade de matriz africana. O conceito já vem dito no nome do espaço. A Casa Omolokum vem oferecendo, também, oficinas sobre literatura africana, empreendedorismo feminino e etnogastronomia.
Os pratos são servidos nos finais de semana e acompanham entrada, prato principal e sobremesa. A Casa já serviu bobó de siri catado com camarão, feijão a João da Baiana, xinxim de galinha, caruru de costela, acarajé, sempre inovando o seu cardápio. Com a pandemia de covid-19 e a necessidade de seguir os protocolos da OMS (Organização Mundial da Saúde), esses espaços vêm adotando medidas de segurança sanitária e funcionando de acordo com os decretos municipais. Alguns oferecem a opção de delivery e pedidos por aplicativos. De qualquer forma, fica como dica para aproveitar o melhor da culinária africana e afro-brasileira no Rio de Janeiro. Vale fazer o circuito!
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