Raimundo José, quilombola produtor de notícias do Maranhão, representou a Tv Quilombo Rampa durante o Programa de Liderança para Visitantes Internacionais (IVLP), um dos principais programas de intercâmbio profissional dos Estados Unidos, promovido pela Embaixada dos EUA, do dia 11 ao 24 de junho.
Em entrevista a nossa editora-chefe Silvia Nascimento, que também esteve nesta missão com os jornalistas negros, pelo Site Mundo Negro, Raimundo falou sobre como surgiu a ideia de fazer a Tv Quilombo, em 2017.
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“Quando criamos a Tv Quilombo Rampa, muitas coisas passavam em nossas cabeças, muitas perguntas sem resposta e como ninguém respondia essas nossas perguntas, fomos assim buscar as respostas por nós mesmos. Para buscar entender o porquê muitas pessoas tinha acesso a isso e aquilo e nós não, por que a gente assistia tudo na Tv, mas a gente, o nosso povo quilombola não estava lá e quando aparecia nesses meios era tendo uma história mau contada, era apenas sendo vitima do racismo e preconceito enraizado em todos aspectos institucionais”, conta Raimundo.
A Tv Quilombo foi criada no Quilombo Rampa, localizado a 27 km da cidade Vargem Grande, no Maranhão. Composto por 4 comunidades quilombolas, onde vivem atualmente cerca de 500 pessoas, foi fundado em 1818.
“A gente tinha em mente muitas coisas, mas resolvemos nos apegar em algumas, pois se elas dessem certo, todas as outras aconteceriam como consequência”. Foram elas: “criar nosso próprio espaço, já que os espaços que ja estavam criados não iam nos aceitar do nosso jeito; usar esse espaço não como forma de dar voz a comunidade, mas como forma de fazer com que a voz que já existe pudesse ser respeitada e aceita daquele jeito, sem mudar nada; não recuar em momento algum”.
Desde o início, o grupo sempre soube o que gostaria de retratar no veículo de comunicação. “Com a criação da Tv Quilombo, a gente só queria comunicar a nossa realidade como ponto principal, a nossa cultura, o Tambor, as comidas, os remédios caseiros, as estratégias, o criar alternativas de sobrevivência, a relação e cuidado com a natureza, a gente queria comunicar a potência que é os saberes ancestrais e como devem permanecer vivos e respeitados”.
A prioridade da Tv é falar sobre “a luta das comunidades quilombolas, também indigenas, ribeirinhas, assentamentos, e todas comunidades tradicionais”, diz Raimundo.
A ideia da Tv Quilombo sempre foi para que os quilombolas pudessem se comunicar mais entre si. “A nossa preocupação desde o início foi falar de nós pra nós, de dentro pra dentro, fazer com que o quilombo inteiro, desde a criança até o ancião se sentissem capaz de está ocupando o espaço que eles sempre pensavam que não existia até ter contato, e que pensavam que não poderiam estar nesses espaços, pois sempre foi negado. A gente queria comunicar de uma forma que todos ficassem a vontade pra ser e contar a sua própria realidade”.
No Brasil, o quilombos ainda sofrem muito pela falta de reconhecimento no Brasil e continuam sendo invisibilizados, analisa Raimundo.
“As comunidades quilombolas no Brasil sempre foram invisibilizadas, sempre existiram e existem, mas sempre o sistema as tratou como se não existissem, e na minha região que está situado o Quilombo Rampa e demais comunidades quilombolas do nosso território e de outros também essa sempre foi uma realidade, para se ter uma ideia o nosso quilombo vai fazer 204 anos em agosto, mais muitas pessoas das cidades mais próximas não sabiam até a criação da Tv Quilombo que ali existia Comunidade Quilombolas, com as suas permanências culturais, na nossa região Vargem Grande existe cerca de 15 comunidades Quilombolas, mas nem todas ainda são se quer reconhecidas pela Fundação Cultural Palmares”, ressalta.
Com 74% da população maranhense sendo negra e um dos estados com mais comunidades quilombolas do país, alguns problemas antigos continuam a serem resolvidos. “Falta de políticas públicas adequadas, conflitos agrários, desrespeitos a sua cultura e muitas falta a titulação de seus territórios”.
Começar o projeto do zero foi um grande desafio para o grupo. “Custumo dizer que Quilombola já nasce lutando, pois o preconceito, o racismo infelizmente já são bem estruturados e bem alimentados em nosso país. Os desafios são vários, no nosso caso, criar uma Tv sem recurso, a partir de materiais improvisados, câmera de papelão, microfone de graveto, tripé de Bambu, Bambú Drone e muitos outros materias improvisados, foi um tremendo desafio, fazer com quer as pessoas olhassem e respeitasse foi e é ainda um grande desafio, hoje bem menos, pois já temos mais estrutura”, lembra Raimundo.
O projeto que Raimundo criou só com o amigo William, hoje conta com uma equipe de mais de 30 pessoas e diversos canais de comunicação.
A Tv Quilombo oferece um espaço de experimentação através da abertura do estúdio para toda a comunidade, trabalha com diversas mídias e plataformas, e incentiva a propagação dos saberes ancestrais e as trocas intergeracionais com encontros e reuniões. Mesmo com os desafios, o produtor quilombola está contente com os resultados do trabalho que tem feito.
“As melhores coisas superam todas as dificuldades, que no geral foi fazer com que o nosso povo pudesse ser protagonista da sua própria história, contar essa história do seu proprio jeito, que é o jeito certo, afinal ninguém melhor pode contar nossa história do que nós mesmos. Fazer com que a criança, o jovem, o adulto e o ancião se exergasse na Tv com sua própria história, não tem preço. Ver que a Tv vem contribuindo no enfretamento diário de aceitação da nossa indentidade é algo maravilhoso e continuar esse processo é mais que importante, é essencial”, diz orgulhoso.
Sobre a oportunidade de compartilhar essa trajetória e aprender com os outros jornalistas negros nos EUA, Raimundo só tem a agradecer. “Esse Intercâmbio foi de uma grande importância pra gente, ter contato, ensinar, aprender, e lavar pra nosso dia a dia que cada passo que fizemos e estamos fazendo pra mostrar nosso povo é essencial, o contato com outros jornalistas pretos brasileiros que não conhecia, o poder entender como é o jornalismo preto no Estados Unidos e fazer essa relação com o Brasil, com o Quilombo está sendo incrível”.
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