Luiz Gama tem tido cada vez mais reconhecimento, seja por pares do direito, área pela qual ficou conhecido, seja por pessoas que têm tido contato com sua luta abolicionista. E para coroar um ano extremamente benéfico para a memória de Gama, chega aos cinemas “Doutor Gama”, dirigido por Jeferson De. E não teria mãos melhores para comandar um longa sobre essa figura histórica do que o diretor responsável por ‘Correndo Atrás’ e ‘M8 -Quando a Morte Socorre a Vida’, todos filmes protagonizados por pessoas pretas.
O olhar racializado faz bem para o longa que em nenhum momento usa o período de escravidão para chocar o público com cenas de violência contra os escravizados, recurso utilizado recentemente em produções norte-americanas.
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O longa passa rapidamente pela infância do futuro advogado e sua vontade de aprender a ler desde pequeno e sua venda como escravizado pelo pai. Em seguida, o jovem Gama (Angelo Fernandes) está com Antônio (Johny Massaro), o amigo que o ensinou a ler numa mesa de bar conversando com advogados brancos sobre direito com propriedade de doutor. Infelizmente essa fase da vida é mostrada de forma corrida e pouco vemos da formação e dúvidas que permearam a juventude do abolicionista e isso faz um pouco de falta. Inclusive a relação com a jovem Claudina (Samira Carvalho) que passa correndo apenas mostrando o envio de cartas e os dons de Gama como poeta romântico.
Se o começo do filme parece vacilante e corrido, do meio para frente a obra ganha força e musculatura com César Mello encarnando de maneira excelente o personagem principal, que se vê diante de um caso difícil. Defender José (o ótimo Sidney Santiago) de uma condenação certa no caso em que o escravizado matou um ‘senhor’ para defender sua esposa de constantes abusos.
A contraposição às ponderações de Gama no tribunal ficam por conta de Pedro (Erom Cordeiro), que já tinha o antagonizado anos antes. O ator consegue despertar a antipatia esperada de um advogado que prega a morte de um escravizado e fornece bom contraponto ao discurso humanitário defendido por Luiz Gama.
É nos trechos do tribunal que reside a energia máxima do filme. A retórica do brilhante advogado sai de forma convincente da voz de Mello e há uma (não óbvia) quebra da quarta parede, com palavras que vão direto aos corações e mentes do espectador: “Quando um escravo mata o seu senhor, não estamos falando de assassinato. Não,senhores! Estamos falando de legítima defesa”.
Os olhos de cumplicidade e angústia de Claudina, vivida por Mariana Nunes suprem a ausência de mais diálogos entre os dois, o que desperta a curiosidade de como seria se houvesse maior exploração dessa dinâmica, mas para uma figura tão rica quanto Luiz da Gama, o longa cumpre bem seu objetivo de pintar um retrato sobre um ponto específico de sua história.
Não seria surpresa se Jeferson De fosse chamado para explorar outros casos do agora Doutor Honoris Causa pela USP ou até mesmo personagens que oferecem uma isão diferente quanto às formas de se lutar contra a escravidão como é o caso da imponente Maria Júlia, encarnada por Dani Ornellas.
‘Doutor Gama’ é um dinâmico suspense de tribunal que deixa a curiosidade ver mais sobre seu herói.
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