“Se eu fosse branco você iria gostar mais de mim?”: infância negra e famílias interraciais

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“Se eu fosse branco você iria gostar mais de mim?”: infância negra e famílias interraciais
Foto: Kate T. Parker

Por Jonathan Raymundo

A pesquisadora branca Lia Vainer Schucman escreveu um livro intitulado “Famílias inter-raciais: tensões entre cor e amor” fruto de três anos de pesquisa do seu pós- doutorado pela USP, cujo objetivo foi entender se e como as hierarquias raciais aconteciam no interior dessas famílias e o resultado responde a pergunta feita pelo menino negro ao seu pai branco.

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Schucman chega na análise das famílias, em uma lógica parecida com a que W.E.B Du Bois chega ao pensar a condição do operariado nas Américas. Apesar de “igualmente” explorados, os trabalhadores brancos recebiam uma compensação simbólica e concreta advinda do salário da brancura. O Racismo garantia a superioridade da brancura e a elevação de um valor superior intrínseco a quem a possuía. “Estou na mesma fábrica, fazendo o mesmo ofício, mas sou superior a você porque sou branco”.

Essa espécie de compensação simbólica e que repercute na dimensão concreta da vida também é encontrada no interior das famílias. O privilégio branco é simbolico e concreto. Filhos negros vão receber menos incentivo, menos paciência, menos investimento e menos afeto. A raiva e o jogo de humilhação que ocorrem nas broncas estarão sempre vulneráveis a ter a raça como centro. Outra coisa que acontece é a negação da negrura da criança negra, Lia explica:

“Na maioria dos casos, o indivíduo negro é amado por seus familiares. O que ocorre, isto sim, é que, por amá-lo ou para amá-lo, esses familiares negam sua condição de negro”.

É preciso “amarrar esse cabelo ruim”, é preciso clarear essa criança, afinar o nariz, é preciso dizer que ela não é tão negra assim, é morena, sarará, etc. Há uma economia dos afetos que não escapa as hierarquizações produzidas pela estrutura racista. A família não está fora do mundo, fora da linguagem, dos símbolos, das imagens, dos jogos de humilhação e rejeição expressos no estigma social, que como bem definiu Erving Goffman no livro “Estigma: Notas sobre a manipulação da identidade deteriorada” traduz-se na “situação do indivíduo que está inabilitado para aceitação social plena”.

O pai do menino ficou assustado com esse questionamento, mas é preciso saber que ele não é uma invenção dessa criança, é um sentimento real, concreto, violento que crianças negras precisam lidar desde bem cedo, sem que não tenham condições emocionais para lidar com elas. É uma violência brutal que afeta autoestima, a aprendizagem, a confiança, o amor próprio, o amor pelos seus pares e por sua identidade racial. Na escola, nos desenhos, nas brincadeiras, nos romances e no interior das famílias ser negro é sempre correr o risco de ser deixado pra depois e ser gostado menos.

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