Dizia Neuza Santos Souza que “ser negro é tornar-se negro”. Então, se a negritude é fazer a jornada até o transformar-se, por que muitas vezes acreditamos que ser negro é algo rígido e inato?
Se pararmos para refletir sobre nossas vidas cotidianas: não estamos sempre adquirindo novas experiências e nos adaptando diante das demandas que o dia a dia nos apresenta?
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Se estamos em constante mudança, como poderia a negritude, ser estática?
Me aprofundando nesta inquietação, descobri a teoria Nigrescence que sugere que ninguém nasce com conhecimento de sua raça, e que a identidade racial se desenvolve a partir da movimentação do indivíduo em uma sociedade racista.
A Teoria Nigrescence divide a formação da identidade racial em 5 estágios principais, começando pelo o pré-encontro, que é um lugar mais turbulento, passando depois pelo encontro, imersão-emersão, internalização e chegando até a internalização-comprometimento que reflete um estado mental mais equilibrado.
Na fase do pré-encontro a pessoa não compreende a sua condição enquanto corpo racializado ou simplesmente não se importa com isso. Esse fenômeno é bem marcado em indivíduos com experiências de bolhas que não valorizam os aspectos da sua negritude. Essas pessoas são ensinadas a rejeitar a sua ascendência, e assim iniciam um processo de auto-ódio e super valorização da cultura, arte, produção e estilo de vida eurocentrados.
Na segunda fase, o encontro, é quando um evento ou uma série de eventos forçam o indivíduo a se confrontar com a sua identidade, como situações onde a pessoa sofre agressões racistas e se vê obrigada a reiventar a sua persepção sobre si mesma.
Talvez o recente caso do Neymar seja um bom exemplar desse acontecimento.
Logo após esse confronto, a pessoa começa a ter uma percepção mais positiva da sua negritude, mas, em contrapartida, pode apresentar disconforto pisicológico, sentir-se incomodada pelo conformismo das pessoas ao seu redor e se afligir pela passividade dos demais diante de situações de injustiça.
O encontro leva a pessoa para a fase da imersão-emersão, onde ela percebe que foi “enaganada” o tempo todo e por isso, propositalmente incia um processo de repúdio a branquitude, fazendo um mergulho no universo que percebe como negro.
A pessoa se educa sobre a história e cultura de seu povo e tende a entrar em discussões mais calorosas sobre assunto (ainda que improdutivas). Aqui a identidade anterior é destruída e uma nova se incia. Se encerra então o ciclo da imersão e a emersão começa acontecer.
Na emersão, a pessoa inicia a internalização e entende a negritude mais racionalmente. Isso pode também causar uma sensação de solidão, de que ninguém mais é capaz de entendê-la e de que ela está isolada.
Pela falta de uma visão mais ampla, a pessoa pode acreditar que até mesmo a comunidade negra está contra ela, e por isso, existe um grande risco de que ela pare nesta etapa e não prossiga com o desenvolvimento.
Aqui, ela também pode se sentir muito culpada e revoltada por ter deixado passar situações onde ela “deveria” ter se posicionado.
A quarta etapa é a internalização, onde a pessoa internaliza a sua negritude de fato, ela já se movimenta pelo mundo como um ser negro mas não carrega mais isso como um peso. Ela deixa de discutir por tudo e com todos e gerencia bem os insultos e críticas que recebe. Se posiciona apenas quando vale a pena e faz sentido para ela.
É também capaz de proteger os membros de seu povo que não são representados por motivos economicos e o interesse é focado em contribuir porque se mostrar correta o tempo todo deixa de ser uma necessidade.
Durante esse ciclo, a teoria aponta quatro caminhos mais comuns a serem percorridos para a continuidade do desenvolvimento:
1 – Identidade de cluster
A pessoa está interessada apenas em seu povo, tem pensamentos próximos ao nacionalismo pan-africanista e não está interessada em interagir com outras culturas. Ela entende a sua ancestralidade e opta por continuar mergulhada nela ao invés de explorar outras.
2 – Bi-Cultural
A pessoa faz um mix entre a cultura de onde nasceu com a cultura Africana.
3 – Multi-Culturalista Racial
A pessoa acredita que povos de diferentes lugares e raças (não-brancas) podem se unir e criar pontes. Ela se interessa por entender diversas outras culturas e identidades.
4 – Multi-culturalista Inclusiva
Acredita que a comunidade LGBTQIA+ e individuos brancos podem ser aliados na luta contra o sistema dominante.
É importante termos em mente que esta é uma teoria bem antiga e por isso, precisamos deixála aberta para reformulações e mudanças que já aconteceram na sociedade.
Por fim, acontece a internalização-comprometimento, a quinta e última etapa, aqui a pessoa passa a maior parte do tempo ajudando a própria comunidade, não porque ele acredita que outras raças sejam inferiores mas porque ela entende que pode criar laços mais construtivos com pessoas com que ela divide uma experiencia em comum. Não é uma atitude baseada em raiva e odio e, por isso, o indivíduo é capaz de lidar bem com pressão e criticismo de dentro ou de fora da comunidade.
O que você achou desta terioria? Faz sentido para você? Eu acredito que o processo não encerre no quinto estágio e que após a nossaq internalização e comprometimento, ainda experimentamos outras diversas maneiras de vivenciar a nossa negritude.
Desejo que a produção sobre a descoberta da beleza de ser negra seja um caminho de escrita que ainda encontrará muitos papéis em branco e olhares interessados. Seguimos junt@s explorando os nossos poderes ascentrais que recebemos como herança divina.
Referências:
https://digitalcommons.georgiasouthern.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=1066&context=etd
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