Reality show e a estrutura que forma sujeitos preconceituosos

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Reality show e a estrutura que forma sujeitos preconceituosos
Foto: Reprodução/Globo

Texto: Tainara Ferreira

Todos os anos, quando as edições de reality se iniciam, várias temáticas retomam à cena, principalmente nas redes sociais. Desde 2021, temas como racismo têm fomentado diversos episódios e debates a respeito. O que devemos pontuar nestes moldais é que os realities são nada mais que, um recorte de como nossa sociedade está organizada. Os atravessamentos oriundos dele, são os mesmos que enfrentamos, quando possuímos a lente do letramento político, racial ou de gênero, no nosso dia a dia. 

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Para identificá-lo é necessário colocar esta luneta. Existe, uma parcela da população que não é impactada por essas problemáticas, pois vivem numa situação de falso conforto oriunda do desconhecimento e consequentemente, não identificação do preconceito, do racismo, do machismo em suas relações. E muitas vezes em suas próprias atitudes.

O letramento racial é muito importante para fomento dessas discussões nos espaços públicos e de poder – hoje tendo como grande palco disso as redes sociais – quando outrora já se foi o rádio e a televisão. Este atravessamento também é importante para que cada individuo identifique em si mesmo, os signos e símbolos do racismo e supremacia branca, desde a invasão portuguesa no território brasileiro. Somos, fruto do meio, que capacita sujeitos com todos esses preconceitos independente do lugar de fala que a cor de pele lhe indica ter.

O racismo estrutural organiza o Brasil para que o letramento não chegue aos brasileiros e brasileiras. Os dispositivos legais ainda não acompanham essa descontinuação que mesmo contemplada em algumas legislações não há aplicabilidade necessária, colocando os crimes de racismo e afins, à beira da impunidade. 

E como combater este cenário de mais de 500 anos? Utilizando as ferramentas de poder. A comunicação, é uma grande ferramenta que conecta sujeitos que falam o mesmo código. Ou não. E a discordância é altamente necessária para formação do pensamento crítico. Quanto mais programas em rede nacional que movimentem essas pautas mais uma parcela da população irá buscar e propor debates do gênero. Mesmo que muitos ainda não estejam prontos para esta conversa. 

Trabalhar por uma sociedade menos desigual e discriminatória, é uma batalha recente. Onde, nem aqueles que falam deste tema estão totalmente preparados. Somos seres humanos providos de qualidades e defeitos, em uma jornada infinita de constante evolução. É aceitável errarmos neste processo necessário e diário. Mas o conhecimento atrelado ao discurso movimenta as estruturas. Mecanismos esses feitos para privilegiar a branquitude no Brasil. Essa última comunidade, muito bem organizada, se movimenta todos os dias para não perder seus privilégios. E nós, população negra, precisamos também nos sistematizar. 

No continente africano, essas discussões ocidentais não lhes atravessam. Lá, independente da cor de pele, todos são seres humanos. O que não acontece no Brasil. O seu fenótipo chega primeiro que você. E se você for um preto, com roupas simples numa rua deserta, é muito provável que alguém esconda o celular ao te ver. Isso se amplifica se você for uma mulher negra num espaço de poder predominantemente branco. Você terá que realizar uma prova todos os dias para validar a sua capacidade de ocupar aquele espaço. Ocupação de espaço essa que muitas mulheres pretas nem chegam a alcançar, pois ainda estão presas e afixadas nos territórios das comunidades periféricas. 

A tal da meritocracia. O racismo é estrutural. Nas oportunidades que não chegam para uma parcela da população que mesmo em século 21, não consegue acessar espaços, muito menos ter poderes. E é nesse circuito que os problemas sociais se maximizam, como a evasão escolar, a crescente de jovens na criminalidade e tráfico de drogas, bem como no uso precoce desses entorpecentes. 

Mas, isso não é de agora. A começar, pelo Direito à memória que ainda não temos. Estudos recentes já defendem que a história do Brasil precisa ser recontada. O que garante a Constituição Federal, de reconhecer que estamos amparados a este direito juridicamente, nos faz correr a passos largos atrás dessas memórias, nos ajudando contar mais sobre a escravidão, visto que ela durou mais tempo do que a própria abolição.

São mais de 300 anos para combater menos de 140 anos de uma falsa liberdade. Há pouco tempo os negros eram tratados como mercadoria, nessa diáspora que disseminou, matou, torturou, estuprou sua população. E a história segue sendo contada. 

As políticas de reparação precisam atingir como entendemos a formação do nosso próprio país. De nossa própria cultura dentro desse epistemicidio que ignora tudo que o povo negro produz. Porque estes, ao longo dos anos só foram retratados de duas formas: como pacíficos ou como raivosos. O Binarismo que impossibilita um ser humano, que nem considerado humano é, pois, muitos acreditávamos que os corpos pretos nem dor sentiam, poderiam produzir conhecimento, muito menos se fossem mulheres negras à contar por Esperança Garcia.

Visto que o patrono da abolição no Brasil é Luiz Gama. Os recortes estão desde a invasão. E num reality, é óbvio que isso será evidenciado. As pessoas esquecem que estão sendo filmadas e depois, só são elas mesmas. E é assim a nossa estrutura social.

É essa estrutura, ainda tão solidificada que pode ser combatida através desse levante de ideias. Através do conhecimento libertador das mentes negras que ainda não se reconhecem como tal. Que não possuem a tão famosa consciência negra fortemente discutida no mês de novembro. E será que não deveria ser em setembro? Resistir não é apenas o único caminho. Precisamos nos emponderar o quanto antes.

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