Qual é a sua memória ancestral?

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Qual é a sua memória ancestral?
Foto: Raphaela Valeria Acervo e produção: Ojire Ventura

Não sei sei já se deu conta, mas estamos vivendo um momento muito importante na nossa história – estamos conversando sobre a solidão, as dores, a rejeição dos corpos negros, estamos denunciando empresas, trabalhos e pessoas racistas, estamos adentrando espaços através da escrita, do conhecimento, de entretenimento em formato de filmes, séries, clipes de música, estamos protestando contra monumentos que sempre estiveram ali homenageando pessoas racistas que muito fizeram contra nossos ancestrais. Mas ainda estamos no gerúndio – indo, endo, ando – e a impressão que às vezes nos passa é a de que nunca vai chegar o dia do passado – emos, amos, imos – do tempo dos verbal fizemos, transformamos, mudamos, quebramos, conseguimos. Não estamos aonde merecemos, mas estamos caminhando.

Tivemos um retrocesso de uns anos pra cá, o cenário político estimulou pessoas a tirarem suas máscaras e muita atrocidade tem sido dita e feita. Porém, o que eles encontram, não são pessoas com medo de falar e de expor quem quer que seja, estão encontrando pessoas cheias de forças, de coragem, de cansaço por lutar exigindo o que nos foi tirado desde sempre: respeito. 

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Nossos ancestrais tiveram suas vidas roubadas. Não puderam amar, construir uma família, estudar, trabalhar… comer! E, mesmo assim, eles prepararam caminhos pra aqueles que estavam por vir. Araram a terra pra que nós viéssemos com uma vida diferente. E é por isso que lutamos, todos os dias. Lutamos por justiça, por igualdade, por VIDA.

Mesmo com tantos esforços, quando converso com outras pessoas pretas, identifico (não só nelas, mas principalmente em mim) muitas memórias ancestrais, temos medo. Medo de perdemos o direito de viver, medo da escassez, medo da falta, medo de denunciar um preconceito, medo de andar na rua a noite, medo de bala perdida, medo .. medo .. medo. 

Costumo dizer que estamos em processo de cura diária. A nossa luta tem que vir com a cura. Temos muitas dores, mas também temos muita força e proteção. Porque não estamos sozinhos, tenho certeza de que nossos ancestrais estão soprando aos nossos ouvidos e nos segurando quando achamos que podemos cair. 

Esquecemos ou nem aprendemos os valiosos saberes de África. Parte do apagamento da nossa história. Não temos memória ou conhecimento sobre o passado, coincidência muitos de nós não sabermos nada do nosso passado, não? Eu mesma, não sei nada sobre os meus bisavós, os meus tataravós… nem o nome deles! Nunca vi um retrato do meu avô paterno. Sobonfu Somé, filósofa africana, em uma de suas palestras nos Estados Unidos, fala sobre resgatarmos a nossa educação, a nossa forma de viver em comunidade. Nossa história hoje está voltando a ser “recontada” através de pesquisadores, historiadores, sociólogos, antropólogos. Em 2021 que tivemos a primeira enciclopédia negra com tantos nomes ali que muitos de nós não conhecemos e nunca ouvimos suas histórias. Reforço que é mais um apagamento da nossa história e de quem somos. 

Entende como é curioso, e incoerente, ter uma memória ancestral da dor. Mas não ter a memória ancestral familiar? É um tanto reflexivo, angustiante e triste. Mas volto a dizer, estamos resgatando a nossa ancestralidade. Estamos sendo agentes de transformação para que aqueles que vierem depois de nós, continuarem a trilhar o caminho, só que de uma forma mais justa, humana e respeitosa.

E se eu dizer que tu não andas sozinho. Então, quando tudo ficar um pouco ou muito pesado, faça uma prece e peça ajuda àqueles que trilharam esse caminho antes de você. E olha que era um caminho muito duro, muito doloroso. E eles caminharam. Honre sua vida, sua liberdade e tenha orgulho de quem és, de quem carregas no peito.

E lembre-se do Provérbio Africano:

“Quando não souberes para onde ir,

olhe para trás e saiba pelo menos de onde vens”

Pesquise a tua árvore, conte para seus filhos essas histórias. Escreva cartas, e-mails, diários, tirem fotos. Registre uma “memória ancestral”. Daqui a 100, 1.000, 10.000 anos você será ancestral daqueles que estão por vir. 

GBILÈ! 

No dicionário Yorubá essa palavra significa “florescer, brotar, espalha, estender ao redor”. 

E é isso que te desejo hoje e sempre. 

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