Ilka Teodoro, mestranda em Direitos Humanos na UnB
A pandemia do novo coronavírus localizou o Brasil como o epicentro da mortalidade materna em decorrência da covid-19. Até junho de 2020, 77% das mortes de puérperas e gestantes do mundo tinha ocorrido no Brasil. Dados do Observatório Obstétrico Brasileiro COVID-19 informam o total de 738 mortes no país desde o início da emergência global em saúde,além de 250 mortes por Síndrome Respiratória Aguda Grave.
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O Brasil já era considerado um dos países da América Latina com maior índice de mortalidade materna desde os anos 90. Foi um dos piores indicadores que o Brasil apresentou quando prestou contas às Nações Unidas em 2015.
A morte materna é definida pela Organização Mundial de Saúde – OMS como “a morte de mulheres durante a gestação ou dentro de um período de 42 dias após o término da gravidez, devida a qualquer causa relacionada com ou agravada pela gravidez ou por medidas tomadas em relação a ela”. Por vários anos, o Brasil tem investido em melhorias na atenção obstétrica, aumento da cobertura em saúde no território nacional, mas o cenário estatístico de mortes maternas permanece sem grandes variações.
A persistência das altas taxas de mortalidade materna no Brasil, incluindo os altíssimos índices de morte materna em razão da covid-19, indica a existência de questões mais profundas na política de saúde reprodutiva e nas práticas obstétricas que implicam em sistemática violação direitos humanos de mulheres e crianças.
As situações emblemáticas de mulheres comuns que morreram na gestação, parto ou puerpério guardam semelhança entre si quando observamos os modos como a violência opera e a cor de quem morre. Informações existentes até 2016, demonstram que continuam morrendo mais mulheres negras de baixa renda, pouca escolaridade, sem ocupação formal e sem acesso à saúde. De acordo com dados trazidos na campanha “SUS sem racismo”, do Ministério da Saúde, cerca de 60% das vítimas de mortalidade materna no país eram negras.
As causas estão geralmente relacionadas com pré-natal inadequado; condutas médicas ou protocolos hospitalares que contrariam evidências científicas durante o parto, falta de cuidados no pós-parto. São casos de doenças como a hipertensão não detectadas ou tratadas no pré-natal; vedação do acesso a tecnologias e medicamentos disponíveis para tratamento de situações que podem ofertar risco à gestação (uso de ocitocina no pós parto para prevenir hemorragias, por exemplo); assepsia inadequada favorecendo surgimento de infecções; abortos inseguros e outras causas. No caso da covid-19, o estudo aponta a indisponibilidade de UTIs para 23% das gestantes e puérperas que vieram a óbito e ausência de intubação em 34% dos casos. Não foi estabelecida uma política de testagem no pré-natal e a vacinação prioritária somente entrou em pauta em abril de 2021.
O apagamento ou invisibilidade da questão racial nos casos, incluindo a ausência de dados desagregados por raça/cor nas estatísticas gerais e nos dados sobre a covid-19, demonstra a intenção de não permitir identificar os corpos marcados e as vidas ceifadas pela violência obstétrica, análise esta que poderia evidenciar as razões da persistência das altas taxas de mortalidade materna no país.
A questão racial continua à margem das estratégias de combate à morte materna, o que torna urgente inclusão de outras perspectivas e abordagens para a saúde materna e atenção obstétrica no Brasil, considerando a perspectiva de raça, gênero e classe, contribuindo para a saúde das mulheres negras, que são as que mais morrem por razões evitáveis neste país.
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