Pare com esse papo de ocupar todos os espaços

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Pare com esse papo de ocupar todos os espaços
Foto: Reprodução

Texto: Ricardo Corrêa

A maior arma usada contra o negro é a desorganização.

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– Marcus Garvey

Uma influenciadora branca anunciou que 50% dos convites para a sua festa seriam destinadas a pessoas negras. Quando li a notícia imaginei que fosse mais uma piada racista, mas não era. A meu ver, mera banalização de uma das práticas políticas conquistadas pelos negros no campo das ações afirmativas. Mas, não me arrisco aprofundar nesse debate. O meu diálogo será noutra linha.

Os pretos não têm que ocupar todos os espaços. Nem sempre compensa. Este é o ponto inicial. Se o domínio está na mão dos brancos, o papel dos negros será de submissão na maioria dos ambientes reivindicados. O endosso à representatividade demanda cautela. E assim, sabemos que diariamente pessoas negras sofrem racismo, mas está tão naturalizado que a comoção pública é bem seletiva. Diante dessa realidade, não pode mais haver dúvidas entre nós: inexiste possibilidades individuais que nos permita escaparmos da opressão racial. Para alcançarmos a emancipação política, somente com uma intensa luta coletiva. Sem medo.

No entanto, deixa-me bastante perplexo os negros Iludidos, aqueles que acreditam que a ascensão econômica possibilitará melhor tratamento da sociedade, e passam a vida inteira buscando o embranquecimento. Incompreendem que mesmo furando uma parte dos arranjos estruturais do racismo, os brancos não se despirão do olhar de “sinhôzinhos”. Quando acharem que está tudo bem, se surpreenderão com ofensas racistas, perseguição de segurança privada e pública, exclusão em oportunidades profissionais, entre outras manifestações de quem tem repulsa aos negros.

Devemos agir estrategicamente na busca de soluções para os nossos problemas. Não podemos ficar à mercê de ações elaboradas pelos brancos. Vamos construir espaços que fortaleçam a cultura africana e afro-brasileira, fomentar a formação política e buscar o desenvolvimento econômico coletivo. Essas são maneiras de nos enxergarmos e sobrevivermos como donos de nosso próprio destino. Lembremos do pan-africanista Abdias do Nascimento ao colocar em prática um ambicioso projeto em prol da representatividade do povo negro. O Teatro Experimental do Negro (TEN) foi fundado em 1944, no Rio de Janeiro, e trouxe para a arte os negros como protagonistas das histórias que retratavam as condições de sobrevivência do nosso povo, sem os estereótipos que os brancos escreviam para os personagens dos artistas negros, como disse Abdias “priorizar a valorização da personalidade e cultura específicas ao negro como caminho de combate ao racismo”. O TEN também abordava a riqueza cultural que formou a sociedade brasileira com a fundamental herança dos povos africanos, e “oferecia cursos de alfabetização e de cultura geral a seus integrantes: empregados domésticos, trabalhadores e operários, desempregados e funcionários públicos diversos. Formou a primeira geração de atores e atrizes negros e favoreceu a criação de uma dramaturgia que focalizasse a cultura e a vida dos afro-brasileiros”. 

Nos Estados Unidos, vimos movimentos importantes direcionados aos negros. A Motown Record Corporation foi a mais importante gravadora focada em músicos negros, fundada pelo empresário Berry Gordy Jr., em 1959. No catálogo havia artistas da soul music e R&B como Diana Ross, Stevie Wonder, Jackson 5, Marvin Gaye, The Marvelette, Gladys Knight e The Pips. Em entrevista, Berry Gordy comentou a dificuldade inicial “Às vezes, lançávamos álbuns sem rostos pretos para que as pessoas não fossem julgadas pela capa do álbum. Ao fazer isso, sempre havia equívocos – como o de que eu estava tentando ser ‘branco’.” Podemos acrescentar a essas experiências, o canal BET (Black Entertainment Television), criado nos EUA, em 1980, pelo empresário de mídia Robert L. Johnson. O canal é focado no entretenimento para o público negro, e o sucesso foi tamanho que nos anos 90, tornou-se a primeira empresa controlada por negros a negociar na Bolsa de Valores de Nova York. 

Dito isso, basta de reforço de estereótipos, exploração e humilhações atingindo violentamente a psique de todos nós ao participarmos de ambientes racistas. Não se iluda com os brancos. Impulsionemos projetos que deem autonomia e fortaleçam a nossa comunidade; pois, palavras de ordem nas redes sociais, e nos cartazes em manifestações, não salvam ninguém. 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

NASCIMENTO, do Abdias. Teatro Experimental do Negro: trajetória e reflexões. Estudos Avançados, 50: 209-224, jan./abr. 2004.

PORTAl IPEAFRO. Abdias do Nascimento

Disponível em: < https://ipeafro.org.br/personalidades/abdias-nascimento/>. Acesso em: 11 jun.23

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