Ao Mundo Negro, Cleissa fala com exclusividade sobre a importância do protagonismo negro na televisão, os destaques em ‘Juntos A Magia Acontece 2’ e novidades em sua carreira
Neste ano de 2021, a TV Globo apresenta o especial ‘Juntos A Magia Acontece 2’, obra criada e desenvolvida por Cleissa Regina Martins, primeira roteirista negra a ter um projeto autoral dentro da emissora. Especial apresenta a continuação da história que foi contada em 2019. Com grande aceitação do público e crítica, Cleissa chegou a ganhar um Leão de Ouro, no Festival Cannes, pela produção do primeiro ‘Juntos A Magia Acontece’. A segunda edição do especial vai ao ar na TV Globo no dia 19 de dezembro, logo após ‘Zig Zag Arena’.
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Às vésperas do Natal, celebrando o espírito desta época e mirando novos tempos, ‘Juntos A Magia Acontece 2’ promete novos momentos de emoção, conduzido pelos desejos, sonhos e surpresas que inspiram cada um dos seus personagens. Com um novo desenho artístico, a segunda edição do especial traz novidades em relação à trama, ao elenco e aos personagens. Desta vez, ganha destaque o desafio do menino Caio, interpretado pelo ator Pedro Guilherme, que fez sucesso em ‘Amor de Mãe’. Vizinho da família Santos, que emocionou o público em 2019, Caio deposita na magia do Natal a esperança de poder, finalmente, conhecer o pai com quem nunca conviveu. Filho da artesã Solange (Jéssica Ellen), mãe solo, o menino é amigo de Letícia (Gabriely Mota), que também vai ajudá-lo a realizar seu sonho.
Ao MUNDO NEGRO, Cleissa contou detalhes sobre o protagonismo negro em torno de ‘Juntos A Magia Acontece 2’, os detalhes em torno da obra e novidades em sua carreira. Confira!
MUNDO NEGRO: Como você define esta segunda edição do especial?
Cleissa: Acho que é um episódio mais para cima, com uma cara diferente do anterior, que foi mais dramático. Mas esse também é emocionante e toca em pontos que geram uma empatia universal e que também são bem importantes para a sociedade brasileira.
Qual a importância para o nosso país acompanhar, mais uma vez, o Natal da Família Santos? É um Natal para o Brasil se ver? O que o público pode esperar?
Com certeza é um Natal para o Brasil se ver, ainda precisamos acompanhar muito mais vezes o Natal de uma família negra com esse protagonismo e com problemas cotidianos. O público pode esperar se ver representado na tela, muita emoção e uma boa história de Natal.
Quem são os protagonistas desta edição?
A Família Santos sempre tem protagonismo, mas dessa vez a gente acompanha a saga de Caio (Pedro Guilherme), um amigo da Letícia (Gabriely Mota), que vai em busca de conhecer o pai. E aí o André (Fabrício Boliveira) ajuda ele nesse caminho, então acaba tendo um pouco mais de protagonismo também.
Destaque uma ou mais de uma cena pela qual você tem um carinho especial, orgulho mesmo de ter colocado no papel.
Eu gosto sempre de escrever as cenas das crianças, mas dessa vez tivemos que ter menos delas por conta das restrições de tempo e da pandemia. Então eu diria que duas cenas foram bem legais de escrever: uma que tem mais comédia, é uma ligação de familiares para a Vera (Heloisa Jorge) e ela percebe que esses familiares estão meio querendo fazer fofoca e acho que isso é algo bem real nas famílias brasileiras, espero que tenha ficado divertida e leve. A outra cena é uma que dois homens negros discutem paternidade e acho que isso é algo bem importante. Muitas vezes, crianças negras são retratadas sem os pais e, em especial, sem a figura paterna, mas também existem pais negros presentes e acho importante representar isso e como os homens lidam com o cuidar de uma criança.
O que significou o Natal para a menina Cleissa? E o que é hoje para a Cleissa que escreve também sobre Natal? Resumindo: o que foi/é a magia do Natal para ti?
O Natal em família sempre foi muito em torno do meu avô materno e das crianças. A gente tinha todo o ritual de fazer a ceia, esperar dar meia noite e aí começar a comer e abrir os presentes, todas as crianças animadas com os presentes – que os adultos diziam ser do Papai Noel – e os adultos fazendo amigo oculto entre si. E meu avô sempre parava para ver a Missa do Galo. Era o momento do ano em que toda a família se encontrava. Depois que meu avô morreu o Natal ficou mais dividido, cada família na sua casa, mas guardo essas lembranças e elas me alimentam bastante.
Como tem sido a parceria com o elenco?
Muito boa. O elenco todo chegou muito animado para fazer o especial e isso é bem importante, saber que o texto vai ser bem recebido. Sei que eles colocaram muito deles nos personagens e é interessante ver cada personagem tomando vida através de atores que chegam com muita vontade de somar, sem falar que são todos muitos bons. A parceria com o Fabrício Boliveira e com o Luciano Quirino já vem do outro especial e continua agora, com o Fabrício com mais tempo de tela. O Fabrício é um ator muito generoso e um dos melhores dessa geração. A Heloisa Jorge entrou num papel que já existia e está maravilhosa, trouxe um novo ar para a Vera e ficou muito próxima de quem já estava presente, acho que ela fez um ótimo par com o Luciano.
Quem te inspira na escrita? Em especial, quais mulheres te inspiram?
Para citar pessoas contemporâneas, fora dos clássicos, diria Irmãos Carvalho, André Novais Oliveira e Grace Passô, que tem feitos trabalhos que gosto muito. Falando especialmente de mulheres, além da Grace, citaria Issa Rae e Michaela Coel. Issa não é exatamente roteirista, mas ela levanta projetos que são muito interessantes e esse lugar de produção executiva me interessa também. E Michaela fez uma das melhores séries dos últimos tempos, “I May Destroy”, não gosto de tudo que ela faz, mas é tudo muito autêntico e provocador, o que não é nada fácil de fazer.
A Cleissa autora tem algum ritual na hora de escrever? Como é sua rotina de escrita?
Acho que não dá para dizer que é um ritual, mas eu penso muito antes de escrever e preciso sempre pensar em muitos caminhos possíveis, entendendo por onde os personagens podem ir. Então quando tenho uma ideia, tem um tempo grande entre pensar e realmente colocar no papel, um tempo que até deveria ser menor. No caso desse especial, revisitei o outro e reli tudo que eu já tinha escrito para esses personagens para entender o que seria interessante contar agora, pensando muito no que a gente tem vivido com essa pandemia e no que seria legal que as pessoas vissem na noite de Natal. Escrevendo para televisão, acho que a gente precisa sempre pensar no público também.
Fale um pouco sobre sua trajetória.
Eu sou uma filha única, nascida e criada na periferia do Rio e que teve acesso à educação pública de qualidade num momento em que o Brasil investiu nisso. Meus pais sempre preencheram meu tempo através de cursos e atividades artísticas gratuitas ou bem baratas que tinham no bairro e estudei no Colégio Pedro II a partir do 6° ano, o que fez muita diferença na minha trajetória. Desde a escola, eu já gostava de cinema, fui uma criança de alugar muito VHS e depois DVD e até cogitei ir fazer Comunicação na faculdade, mas acabei indo para as Ciências Sociais na UFRJ, porque achei que seria um curso que me ajudaria a entender melhor a sociedade e talvez até mudar algumas coisas também, mas não consegui ficar longe do cinema por muito tempo. Desde o início da faculdade fazia cursos de cinema, como no Centro Afrocarioca, e num dado momento comecei a pesquisar desigualdade de raça e gênero no cinema brasileiro na Uerj. Trabalhar nessa pesquisa me deu um conhecimento bom sobre o que era mais assistido e produzido no Brasil. Depois fui para o Canadá pesquisar e voltei decidida a trabalhar com cinema mesmo. Trabalhei como diretora de arte em alguns curtas, comecei a escrever e entrei na Flup, onde meu argumento foi comprado pela Globo. Cheguei a começar alguns projetos fora, mas logo fui fazer o especial e continuo na Globo até hoje. Não pensava em escrever para televisão, mas hoje gosto bastante, é um alcance muito grande, mas sempre tento fazer coisas no cinema também, até para ter novas ideias para trazer para a TV.
Já tem em mente novos projetos? Quais seus desejos como autora?
Tenho uma série documental sobre moda para ser lançada em 2022 e tenho pegado alguns trabalhos de roteiro para cinema, mas nada relacionado a Globo. Não sei se pode divulgar, mas estou na sala de roteiro da terceira temporada de ‘As Five’. Como autora, quero continuar contando histórias que façam sentido para mim e que acredito que não foram contadas ainda, tenho alguns projetos para o cinema, mas gostaria de adaptar um livro também, acho que deve ser um exercício bem legal de criação partir de uma obra já feita.
Há algo a mais que você queira destacar?
Digo sempre que, para mim, é bem difícil falar de família negra na TV aberta. Acho que “família” é um conceito que hoje se expandiu muito e que tinha e tem que mudar mesmo, ser mais amplo, abarcar todas as formações possíveis. Ao mesmo tempo, a gente não viu uma “família margarina” negra, então tento sempre encontrar um equilíbrio para fazer uma família que ainda faça sentido, que seja legal de acompanhar, que represente as pessoas, mas que não seja irreal.
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