Texto: Rachel Maia

Quando penso nas artes como algo fundamental para o incentivo de inteligências, potencialidades e soft skills (habilidades comportamentais), logo me vem à mente a importância de ocuparmos lugares, por exemplo, no cinema – assim como se dá na música. Faço esse comparativo para evidenciar todo o acervo de artistas negros, muitos autodidatas, que se perpetuam no universo da produção musical, cujas obras são apreciadas por públicos diversos.

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Já no audiovisual, a falta de acesso à formação superior (necessária para a admissão no setor) por parte de realizadores negros corresponde a uma das razões do cenário ainda desigual no que se refere a oportunidades. Para mapear e debater isso, criou-se a Cinemateca Negra, uma investigação da história do cinema negro produzido no Brasil. Segundo esse levantamento (trabalho que resultou em livro), apenas 1.086 filmes, incluindo longas, curtas e médias-metragens, foram dirigidos por uma ou mais pessoas negras desde 1949 (data do primeiro registro do cinema nacional). Até onde se tem conhecimento, José Cajado Filho é o primeiro diretor negro do nosso audiovisual, tendo lançado ‘Estou aí?’ justamente em 1949. Adélia Sampaio, por sua vez, foi a primeira mulher negra a dirigir um filme: o curta ‘Denúncia Vazia’, de 1979.

Entre 2010 e 2020, houve um aumento da participação de artistas negros no cinema: 83% da produção negra se deu nesse período. A hipótese para tanto, salienta Heitor Augusto, pesquisador-chefe e organizador da publicação em foco, relaciona-se às políticas de cotas, as quais contribuíram para que mais estudantes negros ingressassem em cursos superiores de audiovisual, bem como participassem de editais da área. Existem, porém, muitos outros avanços a serem alcançados.

Margareth Menezes assina prefácio do livro, valorizando a preservação de memórias da obra (Na foto: Rachel Maia e Margareth Menezes)

A Cinemateca Negra foi lançada pelo NICHO 54, instituto que apoia a carreira de pessoas negras em posições de liderança criativa, intelectual e econômica na indústria, em novembro de 2023. Para mapear todas as produções com mais de quatro minutos, a iniciativa teve como fontes de pesquisa festivais, mostras de cinema, retrospectivas e sessões especiais, além de graduações de cinema e audiovisual, cursos livres, formações técnicas e workshops de realização. Também foram consultadas coletâneas em DVD e Blu-ray, artigos acadêmicos, livros de entrevistas coletâneas, notícias e matérias on-line, além da Hemeroteca Digital Brasileira. Ou seja: tem-se uma pesquisa extensa.

Em 2024, a Cinemateca Negra chega ao público na íntegra em versão impressa bilíngue, objetivando incentivar a inclusão da história do cinema negro nos currículos das universidades. Tal conteúdo tem grande importância para a sociedade brasileira e, em especial, para a comunidade negra, uma vez que ter conhecimento e acesso a um acervo tão rico desperta o sentimento de pertencimento e formaliza que a presença dos realizadores negros no cinema brasileiro não é recente.

“Preservar as memórias das pessoas que vieram antes de nós e celebrar o imenso legado de nossos e nossas ancestrais é também um fazer político impregnado nas políticas culturais de nosso país”, pontua Margareth Menezes, cantora e atual ministra da cultura, no prefácio do livro que aqui celebro. Fazemos parte da história do cinema brasileiro e seguimos extremamente relevantes para a presente cena cultural.

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