“Hídrica”: Nova coleção de Silverino Ojú leva a moda a discutir seu tempo

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“Hídrica”: Nova coleção de Silverino Ojú leva a moda a discutir seu tempo
Foto: Rafael Berezinski

São belos e inusitados os caminhos pelos quais a indústria da moda reflete o chamado Zeitgeist – o “Espírito do Tempo” – para continuar a se reinventar. No Brasil da pandemia, em plena crise de abastecimento de água e energia, uma chance interessante de conferir essa interação é a nova coleção do artista plástico e estilista Silverino Ojú. Intitulada “Hídrica”, ela revisita e atualiza a alfaiataria tão cara ao baiano radicado em São Paulo e terá suas primeiras peças exibidas no Afro Fashion Day 21, evento de moda do jornal Correio* (Salvador / BA), no próximo dia 20 de novembro, pela internet.

Foto: Rafael Berezinski

“Não existe nada mais inquietante do que a luta pela sobrevivência. Há tempos que os líderes mundiais e o mercado da moda estão cientes do aquecimento global e da escassez hídrica e do quanto a indústria de tecidos gasta de água para sua produção, e do descarte subsequente, o que gera ainda mais poluição”, elabora Silverino Ojú, destacando que o reuso de peças, que ganha status no nicho do second hand, e o reaproveitamento de materiais e tecidos, são algumas das formas de pôr em prática um discurso possível de sustentabilidade. “A receita e o contexto freiam o consumo”, sintetiza.

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No novo trabalho, ele mantém produção em baixa escala e um trabalho considerado com tempo e afeto, sem a pressão do mercado. Na cadeia produtiva, apenas Reinaldo Conceição, o assistente do saudoso mestre alfaiate Leonardo Ramos, último alfaiate vivo na Rua da Independência, Centro Antigo de Salvador, região onde ocorreu a Revolta dos Alfaiates; e Maria Angélica, moradora da comunidade da Capelinha do São Caetano, em Salvador. Em São Paulo, Ojú conta com a colaboração de Maria José, alfaiate pernambucana, ex-professora da Escola de Alfaiataria de São Paulo, atualmente fechada por causa da pandemia.

Foto: Rafael Berezinski

Arte e contexto

Momentos importantes da história da humanidade, de guerras a pandemia ou catástrofes naturais, impactam esteticamente a indústria da moda, que hoje movimenta cerca de US$ 2,5 trilhões e emprega direta e indiretamente mais de oito milhões de pessoas no Brasil. O resultado, muitas vezes, é a diminuição no uso de tecidos considerados nobres e de produção mais custosa (como seda, lã e couro), e um investimento em pesquisa em matérias primas sintéticas como alternativa. Foi assim que materiais como o nylon, o acrílico e a viscose, conhecidos como artigos de substituição, passaram a ser usados na indústria da indumentária.

Na coleção “Hídrica”, Silverino Ojú não abre mão da estética dos povos tradicionais de matriz africana, presente em no seu trabalho anterior, o projeto Coleção Fest a Pret’a, que levantou a discussão racial, geopolítica e valorização de ofícios manuais no processo de produção da moda. “Estamos reaproveitando um tecido comprado no ano passado para uma produção e eu voltei para dentro do ateliê, em busca de tecidos e aviamentos já existentes”, conta.

Ojú se mantém fiel à alfaiataria, desta vez deixando de lado os conjuntos de ternos estruturados vistos na coleção anterior, para testar uma camisaria social desconstruída e casual,  com e sem manga, fluida, com aplicação de fita sianinha no tecido, inspiração no bordado ancestral das saias usadas pelas mulheres negras. Também alterna o modelo da calça entre o corte italiano e outro modelo cuja referência é de uma viagem que fez ao Marrocos, no norte do continente africano. “Assim surge a calça Marrakech”, explica.

E se a água aparece no tema da coleção, ela também está presente num aviamento que Ojú resolveu resgatar e que frequenta a memória de muitos brasileiros: a sianinha, espécie de fita em zigue-zague arredondado, geralmente de algodão, usada como acabamento ou adorno em vestidos. “A fita sianinha remete ao desenho de ondas do mar. Eu cresci viajando na barra das saias com fita aplicada, é um material que eu vinha juntando para trabalhar em um dado momento e que se encaixou”, analisa.

Foto: Rafael Berezinski

Lançamento de marca homônima

Para o Afro Fashion Day 21, ele vai apresentar os dois primeiros looks da coleção “Hídrica”. Na ocasião, ele também estará lançando sua marca, que leva seu nome. “Todos os meus trabalhos podem ser vistos no website www.silverino.com.br Embora com toda a crise, pretendo desenvolver uma série de cada peça e vender pelo e-commerce no próprio site. “Na coleção, a transparência, leveza e suavidade dos tecidos propõem casualidade e frescor sem perder a elegância. É também uma alusão a busca por uma moda transparente e responsável, cujo o sucesso está para além da venda, consumo e lucro”, especifica.

“O desafio proposto em Hídrica é fazer uma moda que não destrua e nem se descarte desnecessariamente, e que se proponha a pensar formas de circular, com sustentabilidade, não apenas sobre poluição do meio ambiente e consumo desenfreado, mas com justiça para os trabalhadores da moda e para o planeta. Tudo com aquele tempero de representatividade e diversidade”, resume.

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