O impacto da covid-19 nas gestantes e a mortalidade materna pelo vírus tem cor. Desde o início da pandemia, as mulheres negras foram 1.095 das gestantes e puérperas que morreram da doença, o que representa 54% deste grupo até 23 de março de 2022, segundo dados do Observatório Obstétrico Brasileiro, que reúne informações e análises dos casos de gestantes e puérperas notificados no Sistema de Informação de Vigilância Epidemiológica da Gripe (SIVEP-Gripe).
As gestantes e puérperas negras também foram as mais contaminadas pelo vírus (56%), em comparação com brancas (42%), indígenas (0,9%) e amarelas (0,8%). Somente em 2021, foram 5941 gestantes e puérperas negras com covid-19. Elas também foram as que mais desenvolveram complicações, representando 48% do total de internações, e utilizaram 47,5% dos leitos de UTI entre as mulheres desse grupo.
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Ao Gênero e Número, Carla Andreucci Polido, obstetra e professora na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), disse que não há notícia de outro país que tenha tido um número tão significativo de morte materna por covid como o Brasil. Uma pesquisa publicada no periódico médico International Journal of Gynecology and Obstetrics, em 2020, já mostrava que o país estava na dianteira das mortes de grávidas no mundo (era responsável por 77%).
O Brasil, segundo Polido, deixa a desejar em relação à redução de morte materna há muito tempo, e isso está diretamente relacionado ao acesso à saúde. Existe um prejuízo à saúde obstétrica no país por conta de falhas em várias etapas do atendimento. No caso da morbidade materna grave e da morte materna, ela destaca que os estudos propõem a teoria das três demoras que justificam esse cenário: no atendimento, na identificação do fator de risco e no acesso ao lugar de atendimento e procedimentos tardios ou inadequados no atendimento a essa gestante.
“Não existe uma questão biológica envolvida, é uma questão de racismo estrutural que ainda impacta negativamente uma população brasileira. Mesmo as gestantes brancas sofrem com essas demoras relacionadas à assistência obstétrica, mas isso atinge mais a população mais vulnerável, como mulheres pretas e pessoas que moram nas periferias de grandes centros ou no interior do Brasil”, pontua a obstetra. “As pretas têm uma maior vulnerabilidade de acesso à saúde. Nas mesmas condições das mulheres brancas, elas chegam e são intubadas mais tardiamente, por isso, têm uma resposta pior porque o tratamento chega mais tarde. Estamos falando do acesso à saúde limitado a essa esfera da população”.
Um estudo da Universidade de Oxford, publicado em julho de 2020, já apontava para esse cenário. De acordo com a análise, a mortalidade de mulheres negras grávidas ou no pós-parto devido à covid-19 era quase o dobro da observada em mulheres brancas pela mesma causa no Brasil. Além disso, o estudo evidencia que mulheres negras foram internadas em pior estado e apresentaram maiores taxas de internação em unidade de terapia intensiva, ventilação mecânica e óbito. Para os pesquisadores, o racismo e o sexismo, assim como a falta de acesso à saúde e de oportunidades para a população negra, “aprofundam a tragédia das mortes maternas por covid-19, particularmente quando o país não está adotando medidas verdadeiramente eficazes de contenção da pandemia”.
A pesquisadora e doutora em Saúde Pública com ênfase em Epidemiologia (ISC/UFBA) Emanuelle Góes concorda. “Na verdade, a covid evidenciou o que a gente já vivia particularmente, as mulheres negras já lideravam as mortes maternas antes do contexto da pandemia. E a gente atribui isso ao racismo estrutural e às diversas barreiras que as mulheres negras sofrem até chegar ao serviço de saúde. Elas sofrem barreiras territoriais, de acesso e institucionais. Isso mostra um mapa da desigualdade que vai direcionando as gestantes e puérperas negras para a morte, infelizmente”.
Fonte: Gênero e Número
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