Mulheres negras que inspiram: Samantha Almeida e a luta por representatividade no mercado da comunicação

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Mulheres negras que inspiram: Samantha Almeida e a luta por representatividade no mercado da comunicação

Por Silvia Nascimento

Nascida e criada na Rocinha, maior favela do mundo, Samantha Almeida, de 39 anos, inspira. Head de Conteúdo da Ogilvy Brasil, já liderou a área de conteúdo e redes sociais da Avon. Participou de coletivos de música, coolhunter e foi estilista por quase 15 anos. Se autoconsidera uma grande “experimentadora” conectada ao universo criativo.

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Samantha é a prova viva que reinvenções são possíveis, Bacharel em Desenho de Moda, fez MBA em Administração e Varejo, além de vários cursos como Teatro, Astrologia, História da Arte. Nascida no dia de Oxum, 8 de dezembro, essa sagitariana é a primeira pessoa de sua família a concluir uma graduação.

Ela abraçou as surpresas e reviravoltas que sua vida deu, mudando de posições alguma vezes. Sua força interior e capacidade de se reinventar são inspirações para muitas mulheres. Confira agora a entrevista que a Silvia Nascimento fez com Samantha.

 

1) Faça uma breve apresentação. Onde você nasceu, formação, signo e um resumo da sua atuação profissional. Seus pais tem formação universitária ou vem da sua geração?

Meu nome é Samantha, sou nascida na comunidade da Rocinha no Rio de Janeiro no início da década de 80. Tenho 39 anos, signo de Sagitário nascida no dia de 8 de dezembro, dia de Oxum.

É impossível me apresentar sem falar dos meus pais. A vida que tenho hoje, meus acessos, minha carreira tudo é fruto dos sonhos mais improváveis deles, das suas renúncias, escolhas e também do apoio emocional. Os dois não tiveram formação universitária e antes de mim dois tios chegaram à universidade por meio do esporte, mas não tiveram condições de se formar. Pelas suas faltas, meus pais fizeram de tudo para que eu tivesse acesso à educação de qualidade, e quando digo tudo foi tudo mesmo.

Minha formação é bastante plural, sou Bacharel em Desenho de Moda, fiz MBA em Administração e Varejo e vários cursos como Teatro, Astrologia, História da Arte. Mas o que considero essencial na minha formação foram os colégios que formaram minha educação de base. Durante todo o ensino fundamental fui bolsista em alguns dos mais renomados colégios do Rio de Janeiro, neles desenvolvi amor pelo conhecimento e pensamento crítico além de aprender na prática a lidar com o racismo estrutural.

Hoje estou Head de Conteúdo da Ogilvy Brasil, antes disso liderei a área de conteúdo e redes sociais da Avon. Fui PR, participei de coletivos de música, coolhunter e estilista por quase 15 anos… sempre uma grande “experimentadora” conectada ao universo criativo.

2) O ator Donald Glover durante uma coletiva do filme O Rei Leão falou sobre a Síndrome do Impostor, de não se achar merecedor do sucesso que estava colhendo em alguns momentos da sua carreira. Essa síndrome afeta muitas mulheres e pessoas negras. Você algum momento duvidou da sua capacidade? Se sim, como resolveu esse problema?

A minha vida foi construída por surpresas, por desafios e muitas reconstruções. Talvez não tenha essa sensação porque não vivi mudanças ou sucessos repentinos. Tudo veio em pequenas etapas, passos lentos em uma sequência de escolhas. Boas e más. Cheia de erros, acertos e reajustes de rotas.

E isso desde sempre, muito criança minha mãe me colocou em situações de desconforto e confronto, então a sensação de “será que estou preparada pra isso?” ou “minhas deusas, eu não esperava por isso”, se tornaram motor de transformação e parte da jornada. Nunca me abandonou.

Para dimensionar o que estou dizendo, uma breve história: Comecei a ler bem cedo. Por causa desse desenvolvimento rápido, meus pais conseguiram uma bolsa de estudos em uma ótima escola na zona sul, porém os horários eram alternativos e variavam muito. Minha mãe, estudante e auxiliar de enfermagem não conseguia me levar para escola e não tínhamos dinheiro para pagar transporte particular. Então ela decidiu que eu iria para escola sozinha, aos 5 anos de idade.

Durante uma semana ela me treinou, ensinou o caminho e horários dos ônibus e onde pegar, descer e o caminho até a escola. O que eu deveria dizer se me perguntassem se eu estava sozinha, como e para quem pedir ajuda em caso de assédios masculinos, como me defender.

Na primeira semana ela contava que me seguiu chorando todo o caminho mas sem intervir, viu ali que eu havia aprendido tudo é que estava preparada. Digo que ali minha auto estima começou a se formar e meu medo do mundo a ruir. Pode parecer maluquice mas eu me lembro do caminho como se fosse hoje e da sensação de sentir minha mãe ao meu lado me protegendo e confiando em mim. E se ela confiava em mim, como eu não confiaria?

Hoje ela já não está entre nós, mas eu continuo sentindo a sua presença e a mesma sensação de confiança dela e em mim mesma.

3) Seu trabalho é muito ligado a atuação dos influenciadores no Brasil.

Engraçado você dizer isso, gosto dessa percepção. Pessoalmente sinto que o meu trabalho é ligado ao entretenimento.

Sou uma filha dos anos 80 e fui criada sendo influenciada pela linguagem de TV, cinema e teatro que eram muito populares na época. Por ser filha única, a TV muitas vezes fez o papel de melhor amiga e isso foi muito importante na forma como trabalho hoje.

A primeira vez que fui à um super evento musical foi aos 4 anos, chegada do Papai Noel no Maracanãzinho. Minha mãe contava que eu me perdi no meio da multidão e fui encontrada no palco junto com os atores do Sítio do Pica-pau Amarelo. Ou seja, eu sempre quis fazer parte do imaginário, do lúdico.

Quando cheguei ao mercado de comunicação sentia uma falta que ainda não sabia explicar, mas que depois se tornaria uma assinatura. Entendi que eu gostava de entretenimento mas que aquele que eu conhecia não contemplava pessoas como eu. Nem minha cultura. Nem as minhas referências. Nem minhas origens. Por isso quando comecei a liderar a construção de narrativas passei a inserir as faltas que eu sentia, que passavam obrigatoriamente por raça, gênero e classe.

  • Na perspectiva de conteúdo negro, como você avalia essa representatividade?

Precisamos separar o que é representatividade e representação. O que estamos vendo é a representação negra em conteúdo de grandes marcas, empresas e veículos que estão sendo criados pensando em atingir pessoas negras. Muito disso por exigência nossa, da audiência. Mas isso é só representação: histórias negras pela perspectiva de pessoas não-negras.

O que falta e com urgência, é representatividade que passa obrigatoriamente por empregabilidade. Isso acontece quando pessoas não-brancas liderando essas narrativas que falam sobre elas, pensam sobre elas e recebendo os lucros vindo delas.

  • As marcas estão investindo nos produtores de conteúdo de pele mais escura?

As marcas estão tateando essa possibilidade. Ainda perdidas em como e com quem falar já que a maioria das lideranças não são negras e/ou não entendem a importância e urgência em fazer esse investimento.

Lembrando que a maioria também não compactua verdadeiramente com uma cultura antirracista e muitos a desconhecem.

4) A imprensa negra ainda é vista com certo preconceito pelas marcas. Nos EUA Essence, Blavity, Travel Noir, são publicações online para negros com grande investimento em mídia. O que precisa para que marcas enxerguem o potencial do jornalismo feito para pessoas negras do Brasil?

Visibilidade do potencial negro de consumo desse jornalismo. Se por um lado as marcas estão entendendo o que tem de valor no jornalismo negro, nós negros também estamos descobrindo as vantagens de consumir conteúdos e produtos que sejam pensados para nós.

No ano em que a maior parte da população de declarou negra já dá para imaginar o tamanho da revolução possível quando começarmos a exigir de todas as marcas que consumidos, por meios ou menor que seja nosso poder se consumo, que eles se posicionem a favor da luta antirracista.

Eu sempre digo que no capitalismo, precisamos saber onde e em quem investir nosso dinheiro.

5) Como você cuida da sua saúde mental e da sua saúde? Você tem uma rotina de saúde/beleza? Cabe na agenda ou você se considera uma workaholic ?

Difícil essa pergunta após viver um ano como 2019, onde tudo coletivamente pareceu compactuar com nosso adoecimento e pessoalmente perdi a pessoa que mais construiu minha personalidade, minha mãe.

Contrariando as indicações médicas, intensifiquei o ritmo profissional a níveis muito estressantes mas fechei o ano com as metas que me dei. Não recomendo para ninguém mas foi assim que se desenhou, mas essa é uma rota que pretendo equilibrar em 2020.

Saúde mental eu cuido com atenção profissional, terapia e pequenos prazeres como estar com amigos. Esse tema me é muito caro, já tive crises de ansiedade e sempre tento escutar os limites do meu corpo.

Não me considero workaholic mas sou muito grata à tudo que o trabalho me deu, todas as oportunidades que criei para mim e para outros, então não posso negar que lido com a minha carreira sendo uma das prioridades da minha vida.

6) Quem tem influencia em termos de conteúdo? O que você assiste, lê e recomenda para mulheres negras que estão aí lutando pelo seu reconhecimento profissional?

Sou menos da técnica de como “fazer conteúdo” e mais das formas de se contar boas histórias. Porque conteúdo nada mais é do que o bom é velho poder de contar boas histórias.

O que me fascina são as pessoas, os transformadores, os pensadores do mundo.
Acho que depois de achar o que realmente interessa às pessoas é que se aplica a técnica. Os dois juntos que formam o bom conteúdo.

Minha maior influenciadora hoje é Alexandra Ocasio-Cortez uma política, ativista e organizadora comunitária dos Estados Unidos, congressista na Câmara dos Representantes dos Estados Unidos por Nova Iorque. Assisti sua palestra no SXSW19 e desde então a sigo e admiro. Pessoas que pensam o mundo a partir da equidade me interessam muito.

Além dela tem a paulistana Igi Ayedun, uma artista multimídia na mais profunda concepção do termo, o Instagram dela é um MBA completo sobre os novos tempos.

Bom, e Djamila Ribeiro. Qualquer pessoa que queira pensar o mundo de hoje sob a perspectiva antirracista precisa seguir, ler, ouvir Djamila. O que mais amo nessa mulher negra é a capacidade de fazer conhecimento se tornar algo “pop”, acessível, simples. Temas complexos se tornam leitura rápida nas mãos dela e eu fiz dos seus livros meu único presente possível. Dou um livro de Djamila Ribeiro para todo mundo, em qualquer situação.

E sobre reconhecimento profissional, me desafio a repensar o que já vi, fiz ou acho saber. Atualmente estou revezando aulas da MasterClass de roteiros pra TV da Shonda Rhimes com as aulas on-line da Metodologia do Mesa e Cadeira. Gosto de misturar conhecimentos e sempre ter clareza que não sei o monte de coisas… Acho que esse é o melhor conselho profissional que poderia dar.

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