Promover a inclusão de pessoas trans negras nas empresas passa pela compreensão das barreiras estruturais relacionadas ao corpo transgênero e raça ao mesmo tempo

Por Melissa Cassimiro e Priscilla Arantes

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Ser negro e trans no Brasil é lidar desde cedo com o preconceito ligado à comunidade LGBTQIA+ e com o racismo. O medo de sair de casa e sofrer violências por ser negro é parecido com o medo de enfrentar o mundo quando se é trans. A pessoa trans e negra tem sua existência duplamente ameaçada e as estatísticas confirmam: 78% das pessoas trans vítimas de crime foram identificadas como pessoas negras, de acordo com pesquisa da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra). O empresário de hoje tem o poder de transformar esse quadro, sendo um aliado e promovendo ações pela equidade.

O movimento social comemora em 2024, 20 anos do Dia Nacional da Visibilidade Trans. Já são duas décadas, portanto não é mais admissível que o mercado não considere a existência dessa parcela da população e toda sua potência. Em tempos onde a diversidade é cada vez mais um valor para as empresas, ter processos de contratação inclusivos é fundamental, assim como desenvolver ferramentas para garantir a permanência de profissionais transexuais.

A mudança começa a acontecer a partir da contratação de profissionais de Diversidade e Inclusão, e um RH articulado com os comitês de diversidade e grupos de afinidade. Felizmente, é um movimento que tem crescido. Alguns negócios já podem servir de exemplo. A fabricante de sorvetes Ben & Jerry’s, uma Empresa B internacional, possui pessoas trans empregadas em todas as unidades da marca no Brasil. O negócio aderiu à plataforma Transempregos e contrata a partir da escolha prioritária por currículos de pessoas trans. Durante o processo de seleção, os candidatos recebem ajuda de custo para o transporte e uma bola de sorvete de boas vindas.

A marca também adotou a política de retificação do nome de registro, arcando com o reembolso de até mil reais dos valores investidos no processo. A empresa também investiu em treinamento aos colaboradores para dar letramento contra transfobia, abordando linguagem e contexto. A comunicação também utiliza o neutro para falar com seus públicos. Após a contratação, bottons com o pronome (feminino, masculino, neutro) são disponibilizados aos funcionários.

O uso do pronome adequado e implementação de crachás com nome social está no campo do mínimo aceitável, mas é óbvio que precisa ser lembrado. O simples ato de respeitar e reconhecer a identidade pessoa trans se tornou um dever e está garantido por lei no país. O nome é uma característica importantíssima na vida e pós morte de todos os seres humanos, sendo ele o elemento que nos diferencia uns dos outros, assim como nos identifica em nossa sociedade.

Negócios que desenvolvem produtos ao público trans são outros bons exemplos e esse diferencial reflete a cultura de equidade que possuem da porta para dentro. A Pantys, também uma Empresa B, destaca-se ao oferecer produtos como shorts e cuecas absorventes que atendem às necessidades específicas de homens trans. Além disso, a empresa tem investido em campanhas publicitárias que não apenas quebram estereótipos, mas também promovem a inclusão, celebrando a diversidade de corpos com modelos trans.

Outras empresas líderes têm ido além, incorporando conselheiros transgênero em seus quadros diretivos. Essa abordagem não apenas confere uma voz representativa nas decisões corporativas, mas também demonstra um compromisso tangível com a diversidade em todos os níveis hierárquicos.

Apesar dos avanços nos últimos anos, pesquisas demonstram que há um longo caminho a ser percorrido, de acordo com o levantamento do CEDEC, publicado em 2021, realizado no município de São Paulo, somente 27% das pessoas trans têm emprego formal com carteira de trabalho assinada. Aliás, a falta de indicadores oficiais é um problema real para subsidiar a criação de políticas públicas. Os dados existentes são fruto do trabalho de organizações como o Instituto Mais Diversidade, frente social da consultoria Mais, que atua na promoção do trabalho digno e geração de renda para todas as pessoas LGBTQIA+.

A empregabilidade digna é elemento crucial para transformação da vida de todas as pessoas, entretanto pessoas trans negras enfrentam obstáculos durante toda sua trajetória, como problemas com familiares desde a idade tenra, quando não ruptura
familiar ou expulsão durante a adolescência.

O ambiente escolar apresenta-se como hostil com profissionais muitas vezes não preparados e, afetam de forma compulsória os índices de evasão escolar. Com estas barreiras impostas desde cedo, a empregabilidade se torna uma porta de entrada praticamente fechada. É preciso estar vigilante enquanto sociedade para garantia de afetos e acessos.

Os cases de boas práticas relacionadas às pessoas trans, mostram que a inclusão não é apenas uma necessidade ética, mas também uma oportunidade de negócio. Ao reconhecer e atender às necessidades específicas das pessoas trans negras, as empresas não apenas expandem seu mercado, mas também fortalecem sua posição como agentes de mudança social.

Ao adotar práticas como letramento, auxílio jurídico para retificação de documentos e a valorização de representatividade em cargos de liderança, as empresas não apenas criam ambientes de trabalho mais acolhedores, mas também contribuem para a construção de uma sociedade mais justa e inclusiva.

Em um mundo cada vez mais consciente da importância da diversidade, essas práticas representam não apenas um passo em direção à inclusão, mas também uma estratégia inteligente para construir ambientes corporativos mais ricos e inovadores. O futuro dos negócios está na valorização da singularidade de cada indivíduo, e as empresas que abraçam essa visão estão liderando o caminho para
um futuro mais inclusivo e equitativo.

**Melissa Cassimiro é ​​travesti, palestrante, advogada e consultora sênior de Diversidade e Inclusão na Mais Diversidade, uma Empresa B.

*Priscilla Arantes é gerente de comunicação do Sistema B Brasil, e articuladora do Coletivo Pretas B, um projeto que apoia mulheres negras na rede do Sistema B Brasil por meio de mapeamento, mentoria, consultoria e capacitação, e fundadora do Instituto Afroella.

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