⚠ Alerta de Gatilho: Este conteúdo aborda temas como suicídio e discriminação.
Texto: Luciano Ramos
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Masculinidades negras: a armadilha da hipersexualização
O mês de setembro promove uma importante campanha sobre prevenção ao suicídio, chamada de “Setembro amarelo”. Essa campanha, busca evidenciar as situações de suicídio no Brasil, mas também pensar no cuidado da saúde mental, de forma ampliada. Vale salientar que as situações promotoras de estresse tóxico incentivam muito para as doenças e transtornos mentais que, em algumas situações ocasionam o suicídio.
E o que as masculinidades negras têm a ver com isso?
Primeiramente, vamos começar esse diálogo abordando as masculinidades, de forma geral. Um estudo realizado pelo Ministério da Saúde entre os anos de 2010 e 2019 apresenta a taxa de morte por suicídio entre homens foi de 10,7 por 100 mil, enquanto entre as mulheres foi de 2,9. Isso nos mostra que os homens se matam quase quatro vezes mais do que as mulheres. A ausência de autocuidado em saúde é uma realidade entre os homens no Brasil e no mundo: os homens morrem mais de doenças cardiovasculares, acidentes de trânsito, por armas de fogo entre outros índices relacionados a letalidade. Isso não diferencia ao falarmos sobre a morte autoprovocada.
As normas rígidas de gênero, conhecidas popularmente como “masculinidade tóxica”, criadas para o privilégio e a manutenção das masculinidades hegemônicas (leia-se homens brancos, heterossexuais, cisgêneros e de classe média) incentivam padrões de exercícios de masculinidade que empurram os homens para o “abismo social” do não cuidado. Vale dizer que ser reconhecido como homem na sociedade patriarcal é corresponder aos padrões do machismo, que tem como base a violência. Dessa forma, os homens negros, para serem reconhecidos como homens, socialmente, tentam reproduzir esses padrões rígidos machistas. Todavia, essa luta para o reconhecimento é inglória. Frantz Fanon já apontava para a desumanização social do homem negro no seu livro ‘Pele Negra, Máscaras Brancas (1957)‘.
Segundo o Ministério da Saúde e a Universidade de Brasília (UnB), em pesquisa realizada em 2018, o risco de suicídio entre jovens negros do sexo masculino de 10 a 29 anos é 45% maior do que entre jovens brancos na mesma faixa etária. Isso nos mostra que homens negros jovens morrem, por suicídio em larga escala no Brasil. Neste texto não vamos falar sobre o assassinato dos homens negros. Como sabemos, há uma necropolítica em curso. Noutro texto podemos falar sobre.
Voltando a falar sobre o suicídio, o racismo, atrelado às normas rígidas de gênero, é uma junção letal para os homens negros. O estresse a que homens negros são submetidos constantemente, unido a ausência de autocuidado, em muitas situações, promovidas pelo estado, levam esse homem ao extremo ato do suicídio. Se esse homem negro não é visto como um ser humano, naturaliza-se o não cuidado a ele desde a infância. “Homens não acessam os serviços de saúde mental”, mas aos homens negros, não é exagero dizer que este tipo de serviço é negado. O estresse tóxico (termo utilizado no primeiro parágrafo desse texto) promovido pelo racismo retira a capacidade de movimento desse indivíduo em todas as esferas de sua vida, até retirar a própria vida.
Fortalecer as identidades dos homens negros, em todas os ciclos de vida, reconectando-os as suas ancestralidades e promover processos metodológicos de consciência racial e de gênero são elementos importantes e primeiros passos para um “reolhar” dos homens negros para si. A doutora em antropologia e professora pela Universidade Nacional Colômbia, Mara Viveros Vigoya nos acentua a necessidade de interseccionalizarmos o debate sobre as masculinidades olhando para as raças, territórios, orientações sexuais, gênero e outros elementos que constroem esse indivíduo.
Por exemplo, quando se relata que homens negros são mortos e se suicidam mais, é preciso olhar para dentro das masculinidades negras e pensar que homens são esses: os homens negros gays e trans estão mais vulneráveis às violências de gênero e homofobia; já os homens negros periféricos e favelizados à necropolítica; e todos os homens negros têm seus corpos atravessados pela violência do racismo, que a todo momento os mata. Isso causa no homem negro, como aponta a Oficial de Primeira Infância do UNICEF Maira Souza, uma “atitude de prontidão constante”, elevando o nível de estresse a que esse indivíduo está submetido.
Quando o Brasil pensa a campanha do Setembro Amarelo, é necessário interseccionalizar esse debate, pensando na população que mais morre. Não pode pensar nesse indivíduo universalizando-o, mas precisa olhar para a sua concretude. Essa concretude tem raça, gênero, território e classe social. E com esse olhar é que as políticas públicas precisam ser configuradas.
Luciano Ramos, Especialista em Masculinidades e Paternidades Negras e Diretor executivo do Instituto Mapear
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