Márcio Chagas, ex-árbitro, descreve racismo sofrido dentro e fora dos campos: ‘Matar negro não é crime, é adubar a terra’

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Márcio Chagas, ex-árbitro, descreve racismo sofrido dentro e fora dos campos:  ‘Matar negro não é crime, é adubar a terra’

O ex-árbitro Márcio Chagas, atual comentarista de arbitragem da RBS TV, afiliada no da Rede Globo no Rio Grande do Sul, relatou casos de racismos ocorridos durante sua época de trabalho, dentro e fora dos campos.

Em um texto para a UOL Esportes, Márcio destrinchou situações vividas por ele na época de arbitragem e também os contantes casos que passa atualmente, mesmo estando na função de comentarista de arbitragem, seja através das arquibancadas e principalmente nas redes sociais.

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No início do texto, pontua algo que foi questionado por seu filho, uma pergunta tão difícil que ele não teve resposta.

Um dia meu filho de cinco anos me perguntou por que os pretos dormem na rua e são pobres. Expliquei que é um resquício da escravatura, que estamos tentando mudar isso, mas que é difícil. Não sei se ele entendeu. Às vezes nem eu entendo. Sendo negro em um estado racista como o Rio Grande do Sul, eu me acostumei a ser o único da minha cor nos lugares que frequento. Fui o único negro na escola, o único namorado negro a frequentar a casa de meninas brancas e, como árbitro, o único negro apitando jogos no Campeonato Gaúcho. Hoje sou o único negro comentando esses jogos na TV local. Durante muito tempo, me calei ao ouvir alguma frase racista. Engolia, como se não fosse comigo. Mas era comigo. A verdade é que estou p… com os racistas. Todo fim de semana escuto gente me chamando de preto filho da p…, macaco, favelado. ‘Matar negro não é crime, é adubar a terra’, eles dizem. Estou de saco cheio dessa história.

Durante todo o texto, Márcio relatou diversos episódios racistas que sofreu durante o trabalho enquanto árbitro e depois, já na função de comentarista. Falou, inclusive, sobre uma situação ocorrida em março de 2014, quando teve seu carro atingido e coberto com cascas de banana.

– No dia 5 de março de 2014, o Esportivo jogou contra o Veranópolis, em Bento Gonçalves, uma cidade perto de Caxias, também na serra gaúcha. Essa é a região mais racista do estado. Logo que saí do vestiário já fui chamado de macaco, negro de merda, volta pra África, ladrão. Falei pros meus colegas: ‘Se nem começou o jogo os caras já estão assim, imagina no final.’ Acabou a partida. Jogando em casa, o Esportivo venceu por 3 a 2, e não teve nada anormal no jogo: nenhuma expulsão, nenhum pênalti polêmico, lance de impedimento controverso, nada. Mesmo assim os torcedores se postaram na saída do vestiário para me xingar. […] A uma distância de uns dez metros, questionei um senhor que estava com o filho: ‘É isso que você está ensinando pro seu filho?’ ‘Vai se foder, macaco de merda.’ ‘Uma ótima semana pro senhor também’, respondi e desci ao vestiário. A polícia não fez menção de interpelar os torcedores, mas registrei os xingamentos na súmula. Tomei meu banho, esperei meus colegas e saí do vestiário pra pegar meu carro, que estava em um estacionamento de acesso restrito à arbitragem e funcionários dos clubes. Encontrei as portas do carro amassadas e algumas cascas de banana em cima. Ao dar partida no carro, ele engasgou duas vezes. Na terceira tentativa, caíram duas bananas do cano de escapamento. Meu colega Marcelo Barison ficou horrorizado.

O comentarista termina o relato dizendo que, apesar da gravidade das situações, elas serviram para que ele sentisse ainda mais o desejo de exaltar suas origens onde a sua família possui papel fundamental:

Eu me recuso a morrer ou adoecer. Prefiro lutar. Quando esses ataques acontecem, minha mulher, que é negra, me dá a força que ela consegue. Ela sabe muito bem o que é isso. Meus filhos ainda não sabem. Eu fortaleci a consciência da minha negritude principalmente pelo rap, ouvindo aquela música, analisando aquela letra e me identificando com aquela situação retratada. Os racistas não sabem, mas eles só fortaleceram minha consciência racial. Eu falo pro meu menino que ele é lindo. Enalteço o nariz e o cabelo “black power” dele, digo para ele sempre valorizar a negritude que ele tem. Minha filha tem dois anos e vou procurar fazê-la ter orgulho de si mesma, assim como eu tenho da nossa raça. Minha briga é por mim, mas também por eles. Os racistas não vão nos matar.

Infelizmente são situações frequentes, dentro e fora dos campos. Inclusive jogadores de futebol como Arouca, Aranha, Tinga, Robertos Carlos, Balotelli entre outros, foram algumas das vitimas durante as partidas de seus respectivos times. Caso passe por isso, denuncie. Racismo é crime!

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