No dia 7 de julho, a estilista baiana Mônica Anjos, 50, lançou a coleção “Manifesto” na 50ª edição da Casa de Criadores, na capital paulista. O desfile foi um ato político contra o racismo, como um contraponto a Semana de Arte Moderna, que completou 100 anos em 2022.
“O evento que se propunha romper com o formalismo estético e criar uma arte autenticamente brasileira, não foi capaz de inserir a produção negra, nem dialogar com nomes como Lima Barreto e Lino Guedes“, diz a marca Mônica Anjos em nota.
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A coleção é um “Manifesto” contra a extinção dos povos originários; contra o extermínio da juventude negra, contra as perseguições constrangedoras nos corredores das lojas, contra as bananas atiradas aos jogadores negres, os rostos tatuados pela violência machista, contra a homofobia, ainda, contra os trabalhos análogos ao regime escravo e a imposições de padrões.
Mônica Anjos, uma estilista famosa entre as celebridades negras como Fabiana Cozza, Margareth Menezes e Luana Xavier, falou em entrevista ao MUNDO NEGRO sobre estilo, política e ancestralidade.
Moda também é sobre política? Como foi conceber as ideias para coleção Manifesto?
Sim, a nossa resistência é política. Como não se posicionar diante de toda nossa vivência, né? Porque faz parte da nossa vivência. E nós, negras, mães, que parimos crianças, filhos pretos, que vivemos nessa loucura que é o Estado brasileiro. Então é sobre política sim. O manifesto foi concedido, especialmente, pensado durante tudo que a gente vem vivendo como a própria Bia Ferreira [poetisa na abertura do desfile] coloca sobre o manifesto, sobre falar, sobre a nossa ocupação, sobre o racismo. É como a gente coloca: ‘não basta não ser racista, que tem que ser antirracista’, tem que defender a nossa bandeira. O manifesto nasce dentro dessa perspectiva do desejo da moda em dialogar com a política, com nossas insatisfações, com todas essas diferenças.
Você sempre veste celebridades. Tem sentido uma busca maior das famosas por uma moda mais étnica e ancestral? Qual seria hoje o seu perfil de cliente?
Desde o início da construção do projeto da marca, eu acho que a procura pela marca é exatamente através do resgate identitário de cada indivíduo. As pessoas que que se identificam com o projeto da marca ou com a sua identidade, a partir desse elemento do veste. Nós iniciamos um projeto identitário lá atrás, através de uma militância do próprio movimento negro, dos blocos afros. Identificar os nossos corpos com as nossas vestes. Isso foi algo muito presente pra mim no processo da construção aqui em Salvador, através das referências que eu tenho de militância de movimento negro, dos blocos afros. Então a tendência é aumentar, a partir do momento que você se descobre preto. A mulher negra e o homem negro de hoje, eram mulatos mestiços de alguns anos atrás, em que você preto de pele clara, alisava o seu cabelo e já estava ali na condição do branco. Então no momento que você se identifica, que você descobre a sua estética, que você passa a se ver no espelho, a gostar do seu cabelo, dos seus traços, isso tudo passa a ser o processo evolutivo.
As mulheres negras tem ocupado mais espaços no ramo da moda no Brasil? Qual a sua percepção desde que começou a trabalhar como estilista?
Sim, nós tivemos na São Paulo Fashion Week, por exemplo, quatro mulheres negras. Tivemos a Santa Resistência, por exemplo. Isso é realmente uma virada. Eu costumo dizer que essas marcas não surgiram ontem. Elas chegaram a esse espaço da moda do SPFW ou a própria marca Mônica Anjos na Casa de Criadores, a partir de uma construção que a gente já vem de muito tempo. Nós estamos ocupando esse lugar da moda brasileira, da moda afro-brasileira, das mulheres negras, dentro desse mercado, atingindo esse espaço de visibilidade. A gente começou a trabalhar há vinte anos, então é um passo a passo. A gente costuma falar que é um território conquistado.
A marca prioriza a beleza ao conforto ou vice-versa? E o que você veste no dia a dia?
Eu enquanto estilista da marca Monica, fui convidada a fazer uma collab com as juristas negras do Brasil, que traz como o slogan “A justiça é uma mulher negra e não anda só”. É como você se reconhecer, através de qualquer cargo que você assuma, levar a sua indumentária como resgate identitário. O fato de fazermos uma moda autoral ou uma moda com essa concepção da moda identitária, da moda brasileira, a nossa roupa em várias modalidades, em vários momentos, são para serem usadas no dia a dia de cada pessoa. Claro que você na área de medicina, não vai usar essa roupa, mas na área do judiciário, por exemplo, as pessoas tem colocado a sua identidade na sua forma de existir. Eu enquanto estilista, consultora de imagem, figurinista, trabalho para figurinos, trabalho na área de jornalismo, algo que eu amo fazer, mas essas pessoas e as marcas tem pensado no dia a dia, no conforto, na praticidade do cliente, do perfil de cada marca.
Sobre o que eu visto no dia a dia, supostamente é a marca Mônica Anjos, pensando no conforto e na praticidade. Nós temos coleções, que o linho você pode usar do formal ao informal, você pode sair pra trabalhar de noite, pode ir para um evento. Então a gente tem pensado nisso. A construção dos looks parte no conforto, na praticidade, na temporalidade e vice-versa.
A moda étnica também pode ser usada no ambiente de trabalho? Quais dicas você daria para quem quer aderir a esse estilo no ambiente profissional?
É o que a gente vem discutindo o tempo inteiro, sobre o DNA de cada marca que obviamente todo cliente, tem aquela determinada roupa que ela usa no seu dia a dia e aquela determinada roupa que ela só usa para ocasiões específicas. Mas no caso da marca Mônica Anjos é uma moda contemporânea, ancestral, identitária. Mas cabe a cada cliente, cada personalidade, saber aonde ela vai usar o produto. E para isso, a gente vem desenvolvendo ao longo do tempo, roupas para serem usadas no dia a dia das pessoas. Se você pesquisar toda a roupa, todo processo criativo da marca, você vai se identificar com roupas que você usa no seu dia a dia, roupas que você usa pra ir para um evento específico.
Hoje a gente tem uma profissão, que eu amo, que é consultoria de imagem. O projeto da marca Mônica Anjos não é sobre consumo exacerbado, não é sobre consumir várias coisas que vai ficar no seu guarda-roupa e você olhando pro produto e dizendo ‘ai meu Deus, comprei, fiz um investimento nessa peça para usar em ocasiões específicas’. São compras assertivas, peças que você use no seu dia a dia pra você trabalhar, para o happy hour, para ocasiões formais e informais. Eu não fico nessa bandeira de moda afro, é moda contemporânea e ancestral. A base das minhas coleções são sempre as rendas, o linho rústico, peças desconstruídas que você muda, por exemplo, de um sapato. Só um acessório dá um caráter de uma roupa formal ou informal. Muitas vezes você aquele look, mas muda o acessório, o sapato, a bolsa, troca pela carteira e vice-versa e transforma aquele look atemporal e cheia de estilo para ocasião que você definir na sua vida.
Você tem outras estilistas negras como referências no seu trabalho?
Aqui na Bahia nós temos Goya Lopes, uma estilista, pesquisadora e historiadora porque ela conta história no seu processo criativo que são as suas estamparias e obviamente nós temos também todas as outras estilistas que a gente vem se conhecendo, conhecendo o trabalho da outra, tem sido muito legal porque você identifica o DNA, a identidade de cada estilista no seu processo criativo. Obviamente nós somos referências de nós mesmas. A gente busca essa referência que é uma referência ancestral, de tudo que nós somos, produzimos e construímos.
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