Lourenço Cardoso provoca a academia em obra sobre brancos que usam negros como objetos de estudo

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Lourenço Cardoso provoca a academia em obra sobre brancos que usam negros como objetos de estudo
O historiador e escritor Lourenço Cardoso - Foto: Arquivo pessoal

“A inteligência negra chega na academia, passa a disputar os mercados totalmente pertencentes aos brancos. Os negros possuem, neste caso, maior profundidade e qualidade de maneira geral. Diante disso, ante um provável prejuízo econômico e de prestígio, o branco se protege, esse é o seu movimento, movimento de defesa. Numa disputa justa com o negro ele perderia”. Essa fala é de Lourenço Cardoso, homem negro, Professor do Instituto de Humanidades na Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab) e Doutor em Ciências Sociais pela Universidade Estadual Paulista (Unesp) – Campus de Araraquara.

Cardoso lança o livro “O branco ante a rebeldia do desejo: Um estudo sobre o pesquisador branco que possui o negro como objeto científico tradicional. A branquitude acadêmica. (Volume 2. Curitiba. Editora Appris, 2020). Nessa obra , o acadêmico quer trazer uma reflexão necessária sobre como o negro têm sido assunto de estudos de acadêmicos brancos, que muitas vezes se distanciam da sua branquitude na sua produção científica. “O branco persiste no lugar daquele que vai falar a respeito de tudo, inclusive sobre o negro”, argumenta o professor.

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Capa da obra de Lourenço Cardoso

Nossa editora Silvia Nascimento conversou com Lourenço para entender mais sobre branquitude e como muitas vezes as estruturas racistas permanecem até quando o negro é o objeto de estudo de pessoas brancas.

Mundo Negro: Para você o que melhor define a branquitude?

Lourenço Cardoso: A branquitude é um conceito, um termo, uma palavra que tem sido utilizada para pensar, problematizar, os conceitos, os termos as palavras anteriores como, branco, identidade racial. A palavra branquitude antes era praticamente inexistente no nosso vocabulário acadêmico, ativista, popular. Todavia, nesses últimos anos, tem sido mais acionada com usos e sentidos múltiplos. Na verdade, desde sempre, na história desse conceito é colocado que branquitude se refere a uma identidade racial que procurava se ocultar. Por outras palavras, diz respeito a identidade branca, a existência social branca, sua identidade racial lhe confere vantagens simplesmente por ser branco. A branquitude como palavra, conceito, termo tem colocado em tensão o branco, a ideia de branco, a identidade branca. O branco que enquanto grupo ou indivíduo sempre procurou se esquivar da discussão sobre o conflito racial, desviando a atenção do seu lugar na sociedade racializada. A partir da palavra branquitude, na Internet por exemplo, o branco tem sido questionado. Isto gera incomodo porque o branco se encontra no lugar de opressor e explorador no contato racial. O branco ao procurar se silenciar a respeito da questão racial, procura se omitir da sua responsabilidade. É possível observar que o branco fica mais aborrecido quando a crítica dirigida parte do negro e da negra, se a crítica vem do branco, ele aceita melhor, quando vem da comunidade negra considera inadmissível, geralmente. Essa atitude arrogante representa a persistência da mentalidade colonial, um posicionamento de quem ainda se considera superior.

De que forma entender o que é branquitude ajuda no combate ao racismo?

O grupo a pessoa que pratica a ação é o branco nas sociedades racializadas como o Brasil e os Estados Unidos. A estrutura racista traz vantagem para ele. O conceito desigualdade racial significa vantagem para o branco por ser branco. Não somente desvantagem ao negro por ser negro. Numa ótica sistemática a desvantagem negra está relacionada a vantagem branca. Na prática, o conceito, a palavra branquitude problematiza o branco, questiona a pessoa e grupo que obtêm vantagens com a opressão e a exploração racial. O foco exclusivo no negro invisibilizando o branco torna a compreensão do fenômeno difícil. Problematizar somente o negro faz com que as propostas para resolução de conflitos racistas tornem-se ineficientes para uma solução definitiva. Não é o melhor caminho pensar somente naquele que enfrenta a ação, deixando de lado aquele que pratica o ato. No caso a prática de opressão e de exploração racista.

O seu livro volta o olhar para o branco que estuda o negro. A necessidade desse estudo surgiu de alguma inquietação sua?

Foi um caminho natural. O branco cientista estuda o negro, portanto, o negro é seu tradicional “objeto” científico. Durante muito tempo sendo tratado como “coisa”, exatamente isso. O negro e a negra entraram na universidade, no primeiro momento, serão formados pelos brancos, no segundo período, serão formados por negros e por brancos, apesar de que na universidade permanece a hegemonia branca. O negro acadêmico passa a estudar o negro, assim como o branco já estudava. Diante disso, o caminho natural foi olhar para outra direção, olhar o branco, problematizar o branco, não se restringir apenas ao negro, a negra sua história, cultura, etc. Sou produto desse momento de inversão metodológica que foi inaugurado pelo pensador negro Guerreiro Ramos. Uma questão fundamental que se coloca em meu livro é a seguinte? Por que o branco pensa o negro e não pensa em si?

No primeiro momento, a negra e o negro eram formados pelos orientadores brancos. No segundo período já existem orientadores brancos, negros, etc. Desde 1990, a produção acadêmica negra sobre a epistemologia negra, e mais recentemente a respeito do branco, tem se consolidado, existem muitos trabalhos, produções de conhecimentos excelentes. Nessa pauta, o negro e a negra se tornaram os maiores especialistas em regra. Inclusive os orientadores brancos aprenderam sobre a questão negra também a respeito da continente africano quando exerceram a função profissional de orientar jovens e também velhos pesquisadores negros e negras. Um crédito que intelectualidade negra possui que nunca é verbalizada, reconhecida. Qual orientador branco que não foi muitas vezes orientado pelo orientando negro? Qual orientador branco que não aprendeu muito a respeito sobre o que seria o seu tema de pesquisa principal com os orientandos negros e negras?

O qual o cenário dos intelectuais negros nesse contexto?

A inteligência negra chega na academia, passa a disputar os mercados totalmente pertencentes aos brancos. Os negros possuem, neste caso, maior profundidade e qualidade de maneira geral. Diante disso, ante um provável prejuízo econômico e de prestígio, o branco se protege, esse é o seu movimento, movimento de defesa. Numa disputa justa com o negro ele perderia. Logo, o branco faz uso do pacto narcísico, pacto entre brancos para manutenção da vantagem racial, conceito da intelectual negra Maria Aparecida da Silva Bento.

O pacto narcísico opera, o branco chama o branco para espaços de difusão jornalística, cultural, científica, etc., e mantém a vantagem racial do grupo. O branco persiste no lugar daquele que vai falar a respeito de tudo, inclusive sobre o negro. O negro e a negra estão em movimento de choque para quebrar isso, por isso ocorre o aumento da tensão que acompanhamos nas redes sociais e outros meios.

“A cidade negra” (o negro e negra) pode e deve falar academicamente, ou não, a respeito de tudo, não apenas sobre o negro e agora o branco. Isto acontece, já está acontecendo com maior força, os adolescentes e jovens “youtubers” têm executado uma pluralidade temática a respeito do Brasil. Em resumo, a intelectualidade branca realiza um pacto narcísico para defesa dos seus mercados, para não dividirem seus ganhos materiais e simbólicos. Neste caso, estou me restringindo ao aspecto econômico. Para eles, neste caso, o negro persiste somente como objeto de pesquisa e no máximo de consumo para os seus livros sobre questão racial negra ou branca.

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