A pluralidade está em todo lugar e na nossa comunidade negra não é diferente. O pensar diferente, o famoso sair da bolha, é só feito pelos muito corajosos. Se falarmos de produtores de conteúdo na Internet então, não é para qualquer um expressar sua opinião de forma diferente das abraçadas pelos grandes veículos e marcas e falar o que pensa.

É como se para ser um comunicador negro, você tivesse pautas pré-autorizadas e outras que você não deveria tocar no assunto para não pegar mal com a militância. E não poder falar o que pensa, é ser livre?

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Livia Zaruty vem na contra-mão de tudo isso. Por meio do seu canal homônimo no Youtube, ela ganhou alguns inimigos por falar o que quer, sem auto-censura, mas sem dúvida o número de admiradores é bem maior. Prova disso é  que ela ganhou duas vezes as sonhadas  placas de prata que o Youtube dá aos criadores de conteúdo que têm mais de 100 mil inscritos em seu canal. Livia conseguiu essa façanha no seu canal pessoal Livia Zaruty e no canal sobre gastronomia, o Sambacooking.

Foto: Arquivo pessoal

Ex-modelo da famosa agência Elite, Zaruty mora na Itália onde com o apoio do governo do país, conseguiu se especializar na área de webdesign.  ” A minha formação é de Marketing Digital e Webdesign. Eu cheguei a cursar uma Universidade no Brasil, mas eu tranquei. Aqui na Itália eu recebi apoio do Estado Italiano três vezes com o Dote Lavoro. Isso me permitiu me tornar profissional em Adobe, e em toda essa parte de comunicação e linguagem de programação”, explica Lívia. E o canal dela realmente é lindo, mas o que faz ser tão popular é o conteúdo. 

Foto: Divulgação

Há vídeos com críticas severas aos militantes do movimento negro, como Djamila Ribeiro, Youtubers como Raíza Nicássio, mas ela vai além e fala de tudo o que ela quiser. Psicologia, fofoca, política, relações pessoais com a família (inclusive um vídeo sobre o relacionamento delicado dela com a própria mãe) e , assuntos sobre a nossa comunidade negra.

Ela é contra a militância patrocinada, não considera pardos como pessoas que sofrem racismo de forma tão acentuada, critica influenciadores sem economizar adjetivos. Ela é dona do seu espaço e exerce seu direito de falar o que pensa. 

Em alguns dos seus vídeos dá a impressão que você se sente mais à vontade sendo negra na Europa do que no Brasil, país de maioria negra. É isso mesmo?

R: A questão é que no Brasil não somos maioria, isso ai é uma falácia que foi inventada depois de 2010 de que negro no Brasil é uma maioria. Negro no Brasil não é uma maioria, por isso que nós temos problemas, porque nós somos minoria conforme diz o IBGE até no seu último levantamento em 2017.

Esse é um dos videos que eu produzi no meu canal logo no início que eu justamente falei sobre a porcentagem de negros no Brasil. Eu não me lembro a porcentagem, acho que é 12,8,  8,2 a porcentagem de negros no Brasil. Pessoas pretas são minoria, a palavra negro desde 2010 virou uma construção, uma questão política, como você se sentir negro, você não é mas na sua mentalidade política você se diz negro.

É aquilo que combate meu canal até hoje, essas pessoas que fazem ser negro uma profissão mesmo que fisicamente eles não sejam negros então, no meu canal ainda hoje eu deixo muito claro a diferenciação entre a palavra negro, aquela visão militante criada desde 2010 com o estatuto da igualdade racial que foi feito pela militância negra, por isso que não pode dizer que não tem uma instituição. Foi a militância negra que criou o estatuto, e não tem nenhuma validade para o IBGE. Então, nós somos minoria como eu sou minoria aqui na Italia. É fato que foi aqui na Italia que eu vi pela primeira vez um africano, uma pessoa preta verdadeiramente, 100% pura. No Brasil nós somos mestiços.

Seu conteúdo divide opiniões. Se por um lado você exercer sua liberdade em atacar a militância negra, isso também pode ser visto como uma forma de enfraquecer os negros do Brasil, pela exposição das nossas brigas. Qual seu objetivo em expor essas pessoas que você não gosta no seu canal?

R: O meu canal divide opiniões e também muita gente gosta daquilo que eu falo, da graças a Deus, por ter um canal igual ao meu, mas esconde, tem medo, porque hoje você é proibido de se manifestar. Existe uma panelinha onde uma vez que você entrando você é aceito, mas se você não corresponde às regras da cartilha da militância, você está fora. Então provavelmente a maioria das pessoas que segue o meu canal são essas pessoas que não aguentam mais essa mentira, tem medo de falar por sofrer perseguições e eu justamente falo por conhecimento de causa. Eu estive muito próxima do movimento negro, o verdadeiro movimento negro, aquele de raiz, coisas que jovem de 20 anos de 15 anos não sabem porque eles começaram a se reconhecer negros ou os pardos só depois em 2010.

Eu ataco o movimento negro que é uma estrutura política, uma estrutura de mafia onde até no governo do Lula era uma mafia que rendeu quase 10 milhões de reais, só o AfroReggae faturava 2 milhões de reais por ano, e quem ousava abrir a boca você sabe o que acontecia.

E sobre essa coisa de dizer que enfraquece os negros do Brasil, da ver que esse papo não cola, né?  Enfraquecer quem? Enfraquecer negros? Não, enfraquece o movimento que enriqueceu às custas dos pretos brasileiros. Eu passei a expor algumas brigas que aconteceram como pessoas brancas expõem brigas que acontecem entre eles né?  Então treta news, canais de notícias, só que o problema é que o negro é tão invisível que ninguém está nem aí para as questões que acontecem entre nós, as polêmicas. Então eu seria quase como a treta news dos negros. Além disso nós precisamos aprender a arte de conhecer o nosso “inimigo”, é o nosso “inimigo”, entre aspas porque eu não considero nosso inimigo, que são  eles que nos fazem tornar conhecidos, são eles que dão força, então bem ou mal eu falar dessas polêmicas que acontecem entre o mundo negro virão também conteúdo.

Nos meus primeiros videos eu fazia uma crítica muito clara aos pardos  que se dizem negros, então se você for olhar meu canal eu não ataquei pessoas pretas eu ataquei os falsos militantes negros os “Negros de Taubaté” ou “Negros made in China”, se você for olhar o meu canal e pesquisar por esses nomes você vai ver os meus videos onde eu falo sobre esses militantes negros pardos, então eu nem acho que eles devam ser considerados representantes dos negros porque pra mim, por mais que pareça radical, pessoas negras são aquelas de cor retinto na pele.

Então eu não contribuo para o grupinho tentando ganhar dinheiro às nossas custas, mas eu sou uma das influenciadoras negras  mais fortes do Brasil.

Suas críticas já te renderam algum problema judicial?

R: Não, as minhas críticas não me renderam nenhum processo judicial. Pessoas militantes processar uma mulher negra por ela expor a sua opinião vai completamente contra o ideal daquilo que é ser negro. Como é que faz? Um militante negro que é pró do feminismo negro processar uma mulher negra porque ela deu uma opinião? Esse é o primeiro ponto. Quando eu tava no Brasil, teve um jornalista que tentou me processar mas não conseguiu, chegou até a ir na Ordem dos Advogados ele foi. Para você ter ideia quando chegou la mostrou o meu blog a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) ficaram do meu lado, curtiram o meu conteúdo porque eu não era aquela que fazia toda àquela narrativa dos negros extremistas, onde ser mestiço é genocídio, onde você não pode casar com branco. Então eu nunca passei por um processo judicial acho que dificilmente eu vou passar e se passar para mim vai dar mais mídia, porque eu vou expor esse processo, não tenho dinheiro para dar. Eu acho muito engraçado essa moda no Brasil de todo mundo processar por qualquer coisa, um exemplo. A MC Carol expôs toda minha vida no Facebook dela e ficou zombando de mim porque eu era casada com branco e eu não vi necessidade de censurar, de processar MC Caro. A minha crítica à Mc Carol foi que ela usou a morte da Marielle Franco pra vender CD, pra ganhar dinheiro.

Eu acho difícil essa militância que morre de medo de ser descoberta querer me processar, além disso eu não moro no Brasil eu moro na Itália então tudo se torna mais difícil.

O nome do canal antes era Etnia Brasileira, o que te levou a mudar? Qual seria a Etnia brasileira?

R: Primeiro porque muita gente dizia que eu falava muito mais de negros , olha só que absurdo, para eles falarem Etnia Brasileira não é sobre negros, esse é o primeiro absurdo, nós somos estrangeiros no Brasil. Segundo é que eu comecei a trazer um conteúdo mais pessoal voltado ao narcisismo, sobre a minha experiência, sobre eu ser uma sobrevivente de um relacionamento abusivo, de um relacionamento tóxico. Então, não bateria falar de narcisismo, de questões do feminismo na questão minha pessoal num canal chamado Etnia Brasileira então eu fiz o meu nome, um canal voltado para mim.

https://www.instagram.com/p/Bz84yDvCMz8/

Lembrando que eu tenho um outro canal que eu também mudei o nome. Antes era ‘SambaCooking’ e agora é ‘Zaruty Network’ que é um canal de gastronomia onde eu vou estar retornando agora nesse mês a produzir conteúdo.

A Etnia Brasileira somos todos nós tanto que o lema da minha antiga chamada era “somos únicos, somos todos Etnia Brasil. Etnia Brasileira não é só pessoas brancas não é só pessoas pretas, Etnia Brasileira são as pessoas misturadas, que tem uma origem múltipla é por isso que se chama Etnia Brasileira. Etnia Brasileira era também o tema do meu documentário.

Seus vídeos estão mais variados e você fala bastante de si mesma. Questões familiares, com sua mÃe inclusive foi tema de vídeo. Você vai diminuir a temática racial na produção do seu conteúdo?

R: Sim, vou reduzir, porque eu estou enjoada de falar disso, eu estou de saco cheio de ficar falando só “Ah, não gosto que negro fale isso”. Eu me considero uma pessoa como todo mundo e eu acho que pessoas negras são capazes de falar de outros assuntos como política, como relacionamento, maquiagem, mas eu acho que na Internet nossa presença está sendo muito focada em cabelo, cabelo cacheado, tradição capilar que no fim é de um publico mestiço e pardo. Então, eu sou o primeiro canal onde tem uma mulher negra, uma apresentadora negra, onde fala da atualidade, muito sobre o universo da população negra assim como o seu portal (Mundo Negro), só que o meu é versão video e bem polêmico, bem estilo “Treta Afro”.  Eu posso dar a informação, mas no momento polarizado que está o Brasil, eu não vi uma grande contribuição, então eu decidi mudar a temática do meu canal e falar algo que possa ajudar a todos.

Qual tipo de conteúdo que te inspira e que você gosta?

R: O tipo de conteúdo que mais me inspira que eu mais gosto é o de psicologia, é tanto que eu até reduzi a quantidade dos meus videos porque eu estou lendo muito, eu leio diariamente, até quando eu estou indo pro trabalho eu tenho vários livros sobre a temática de análise transacional, narcisismo, três estados do eu, são temas que foram pouco abordados no Brasil e por eu estar na Europa tem muito mais material de estudo para eu poder trazer para o canal. Então aquilo que me apaixona muito mais é falar disso porque eu vejo a felicidade das pessoas, eu vejo a gratidão. É tudo diferente dos comentários, não tem ódio, as pessoas não tem essa coisa de direita e esquerda, não tem essa coisa de negro e branco quando eu falo de temas onde o foco é inteligência emocional, é você ter uma saúde emocional. A gente sempre fala muito de saúde física e a questão espiritual, mas a emocional a gente não trabalha, o crescimento emocional, e é o meu modo também de eu me cuidar, eu sou uma sobrevivente, eu estudo para me ajudar e aquilo que eu estudo eu transmito para as pessoas.

Livia e Ruth de Souza (Arquivo pessoal)

Então é uma coisa que eu consigo compartilhar, eu consigo ganhar com isso e também me ajudar, e através da minha experiência pessoal ajudar outras pessoas. Lembrando que eu ainda não sou coach, eu poderia fazer aqui na Itália, ao menos até esse ano você se tornar um coach de psicologia, aqui é tudo muito diferente do Brasil, aí tudo você precisa de diploma, nível superior e aqui eu tenho formação em pilates, eu trabalho com pilates.

E eu amo gastronomia, então é um outro projeto. Eu quero me tornar Chef e me dedicar ao meu canal. Vou tornar chef por necessidade, como proteção porque eu acabei sofrendo um roubo muito grande, seja de material seja de clientes ou conteúdo, de um antigo relacionamento, então isso me fez aprender a me proteger, então eu tive arquivos do meu computador roubados, cabos, material de produção roubados por essa pessoa e até minha marca que era SambaCooking foi roubada. O meu projeto de gastronomia me rendeu meu próprio programa no Discovery Mulher (atual Discovery Home and Health) que era “Um dois, feijão com arroz”.

E é fato que foi uma experiência muita traumática esse programa porque infelizmente a verdadeira Lívia não foi conhecida e foi a partir daí que eu dei uma pausa no meu canal de gastronomia e decidi retornar pro meu outro canal, que até então não existia, que é o Livia Zaruty que se chamava Etnia Brasileira.

 O que falta na sua opinião para comunidade negra avançar?

R: O que falta pra comunidade negra avançar é “ajude o seu inimigo a crescer”. Seja aliado de um outro negro, mas não aliado pra passar pano, não pra fechar. Eu já ajudei muitas pessoas que em prática são ou poderiam ser meus inimigos, eu ajudei nos bastidores, porque sem eles eu de certa forma perco minha força, então eu acho que está faltando isso. Eu acho que está faltando também capacitação, muitos negros choram mas não buscam estudar mais as ferramentas se pode gravar com o celular, então você acaba fugindo, sendo excluído, comprado então eu acho que o movimento negro não vai crescer enquanto aceitarmos sermos comprados pelos outros.

O negro quando consegue ter um destaque, ele vira refém do dinheiro, refém do ganho que eles tem então por conta desse dinheiro, seja por bem ou por mal ou pra direita pra esquerda eles se isolam e não fazem nada, e aqueles que fazem pela comunidade eles fazem refém. Eles poderiam criar um curso de formação para edição de video, para produção de conteúdo, para comprar camêras, porque nos Estados Unidos eles conseguem criar sua própria emissora, porque nos Estados Unidos temos diretores negros e aqui não tem. Então seria quase, não o ideal, mas o teatro experimental do negro poderia ter toda uma chance, foi o teatro experimental do negro que fez o Brasil conhecer Ruth de Souza, mas não resistiu por conta de toda essa corrupção e também toda essa rivalidade que existe entre nós. Eu acho que a comunidade negra vai crescer no exato momento em que aceitarmos as vozes diferentes dos negros, até Fernando Holiday, que eu não suporto ele, faz parte da comunidade negra, porém a militância considera negro só quem dita a cartilha, então por mais que você odeie Fernando Holiday ele é um negro, ele tem uma mentalidade e uma visão de mundo diferente da nossa e ele é negro e gay, e não é considerado porque para muitos ele esta jogando contra a militância porque ele é contra cotas, como se nós fossemos obrigados a seguir algum tipo de pauta, então viramos refém dessa militância. E não existe diálogo então, Glória Maria foi excluída, todos os negros que conseguem ter um destaque, eles são ignorados. Então eu acho que o movimento negro não vai crescer enquanto ele for dominado por pessoas com sede de poder, com sede de dinheiro, e a gente for refém de cartilha da militância.

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