Existem duas reações muito comuns quando alguém começa a consumir conteúdo de pessoas pretas: ficam irritados por racializarmos as situações do cotidiano,a música, literatura, artes em geral ou ficam esperando que a gente só fale de dor, racismo, angústia, achando estranho uma pessoa negra abordar pautas mais leves.
Acontece que todo preto consciente vai colocar em dose maior ou menor a influência de sua vivência quanto pessoa preta, seja em textos ou vídeos, mesmo que sejam falando sobre entretenimento escapista, por exemplo. Nossa existência como indivíduos pretos que tiveram acesso à pesquisa, leitura, caminhada em diversos espaços, periféricos ou hegemônicos como a academia, nos ajudam a decifrar nas entrelinhas mensagens racistas ou antirracistas.
A gente racializa porque é preciso. Uma obra não vem esvaziada de significado. A indústria cultural manda mensagens o tempo todo, criando padrões de beleza que passam longe de se parecerem com pessoas negra, oferecendo versões da história sempre eurocêntricas.
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No entanto essa racialização não implica em sabermos falar somente sobre racismo. Falamos de cinema, quadrinhos, literatura clássica, música, inclusive produzimos muito conteúdo, mas as pessoas se acostumaram a buscar informação sobre pautas culturais somente com produtores brancos.
Claro que fica muito mais leve ler uma análise ou ver um vídeo que não toque em nenhuma ferida, no entanto, mesmo que não se fale abertamente, nossos corpos enviam sinais aos iguais quando ocupamos alguns espaços.
Não necessariamente um cineasta negro vai querer abordar racismo em todos os seus filmes, mas ele está ciente que poder produzir é abrir uma porta aos que virão. Mesmo que as pessoas negras que você conhece toquem constantemente em temas espinhosos, essa necessidade foi criada devido a anos de violência e destruição da nossa autoestima.
Então a resposta para a pergunta título é “não”. A gente não fala só sobre racismo, mas podemos ser condicionados pela necessidade de discutir o tema ou por sermos demandados como figuras que só servem para a indústria cultural quando buscam narrativas sobre dor.
Estamos aptos a falar de tudo e racializar só faz nosso olhar ser mais rico e diferenciado. Se “Pantera Negra” pode ser visto como um filme pipoca comum por uma visão menos atenta, homens e mulheres negros podem oferecer uma leitura preciosa sobre a saga de um anti-herói em diáspora entrando em conflito com um príncipe africano que nunca pensou em ajudar os irmãos de continente. Se “Da Cor do Pecado” é comumente avaliada apenas como a primeira novela global com uma protagonista negra, há influenciadoras que vão questionar as problemáticas dos estereótipos numa relação interracial.
Aprofundar interpretação não deixa compromete o entretenimento. Temos nossos atores, humoristas,diretores e gostamos de falar sobre coisas leves. Muitas vezes as narrativas de dor são impostas pelos próprios brancos que só cessam os processos de apagamento quando precisam usar o nicho de público preto para parecer antirracista diante de algum acontecimento que exija posicionamento público.
Tanto quanto qualquer colunista, crítico, jornalista e repórter branco, os profissionais pretos querem transitar por variados temas e a racialização só é necessária porque o racismo existe e é estrutural, mas dominamos tão bem quanto qualquer assunto além dos preconceitos. Nossas histórias vão além da dor.
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